• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2.  O TERRITÓRIO ATIVO NA CONSTITUIÇÃO DAS EXISTÊNCIAS

2.1.  A espessura da divisão do trabalho na região concentrada 

2.1.3. i Sobre a diversidade de divisões territoriais do trabalho

A partir de um enfoque que não se detém na anteposição de uma  visão escalar do espaço, porquanto escala significa tempo, vemos  que é o contexto próprio dos agentes que revela as variáveis que  se  integram  num  conjunto  de  vida.  Santos  (1996)  quando  ensina  que a técnica autoriza um tempo empírico como escala de ação nos  aponta sobre esse contexto de vida nas formas.  

Ao tempo em que se torna mais complexa a geografia do mundo,  a divisão do trabalho é tomada como um conceito plural (Silveira  2007). A cidade que, quanto maior e mais populosa mais capaz de  abrigar  diferentes  formas  de  trabalho,  expressa  de  modo  plural  as  temporalidades  práticas  dadas  pela  variedade  de  níveis  de  tecnologia, capital e organização que abrigam. 

Acompanhando  Silveira  (2007)  nessa  direção,  a  divisão  do  trabalho  como  uma  noção  plural  evoca  tal  conceito  renovado  de  escala. Entendida como escala de tempo, a ação se torna flexível  em  relação  à  diversidade  dos  objetos  e  das  formas  de  trabalho.  Em  seu  conjunto,  a  força  dos  diferentes  agentes  coexistindo  revela um princípio de realidade histórica. 

Ainda que as mesmas oportunidades estejam presentes, os usos  das  variáveis  da  época  são  diversos,  conferindo  aos  agentes  diferenças  de  temporalidade  em  seus  contextos  de  pertencimento.  Nessa direção, Cariola e Lacabana (2001) nos alertam para o fato  da pobreza ser hoje ainda mais heterogênea. 

Vemos que a técnica hegemônica não apenas seleciona, mas, ao  passo  em  que  se  geografiza  nos  lugares,  permite  que,  da  mesma  forma,  seja  selecionada.  A  essa  altura,  as  demandas  hegemônicas  não  são  as  únicas  que  determinam  as  racionalidades  de  uso  do  território. 

Diferentemente  do  sistema  técnico  de  outra  época,  o  atual  período  possui  a  qualidade  de  que  com  alguns  instrumentos  de  trabalho,  num  simples  local,  haja  a  produção  de  um  bem  ou  serviço. Ainda que incapazes de dar maior valor às atividades e  aos  produtos,  agentes  não‐hegemônicos  garantem  outros  níveis  de  troca num mercado que é segmentado. 

Nesse  sentido,  o  efeito  ampliado  da  quantidade  de  famílias  mal  providas  que  se  valem  da  oferta  e  proximidade  de  insumos, 

mão  de  obra  e  clientes,  representa  uma  demanda  constante  responsável  pela  multiplicação  de  formas  de  trabalho  que  se  interconectam, diante das novas condições da produção. 

Como  observa  Santos  (1996),  as  técnicas  contemporâneas  são  flexíveis,  divisíveis,  doces.  Entretanto,  vale  ressaltar  que  para  os  equipamentos  de  saúde,  os  limites  normativos  são  determinantes  das  reais  possibilidades  de  produção  e  também  de  consumo desses objetos técnicos.  

O crescimento simultâneo das cidades e das formas de trabalho  com  capitais  reduzidos  e  tecnologias  menos  modernas  mostra  a  dialética da modernização que, seletiva, cria maior complexidade  dos circuitos da economia urbana. 

Diante da modernização da saúde, as táticas de sobrevivência  dos  agentes  econômicos  para  lidar  com  os  eventos  orientaram  nossa  investigação  para  observar  os  interstícios  da  economia  urbana  praticados  por  uma  variedade  de  divisões  territoriais  do  trabalho. 

Nesse  sentido,  a  atenção  para  a  segmentação  da  economia  urbana  revela  que  a  própria  região  concentrada  constitui  meios  construídos fragmentados quanto a seus valores, onde divisões do  trabalho  de  diferentes  idades  convivem  de  modo  mais  ou  menos  harmônico. 

É  assim  que  a  região  concentrada,  locus  de  divisões  ‘extremas’  do  trabalho  (Santos  e  Silveira,  2001:141),  onde  “aumentam  as  áreas  destinadas  à  circulação  e  os  movimentos  internos  resultam  mais  intensos  do  que  no  resto  do  país”,  permite  nossa  observação  da  economia  urbana  ligada  aos  equipamentos médicos. 

Compreendendo‐a  pelas  atividades  em  sua  pluralidade  de  condições  existência,  a  economia  urbana  em  Campinas  Ribeirão  Preto  e  São  José  do  Rio  Preto  revela  o  circuito  superior  marginal  como  a  própria  diversidade  dos  agentes  abrigados  nas  cidades. 

Identificado  por  um  comportamento  ora  residual,  ora  emergente,  o  circuito  superior  marginal  vinculado  aos  equipamentos  médicos  autoriza  que  diferentes  divisões  do  trabalho desempenhem papéis na produção e consumo da saúde.  

Num  extremo  que  aproxima  o  circuito  superior  marginal  do  circuito  inferior,  encontramos  atividades  que  apresentam  comportamento  residual  em  relação  aos  vetores  modernos,  como  a  manutenção  de  aparelhos  de  pressão  analógicos,  atividade  muito  procurada  pelos  hospitais  públicos  das  cidades  vizinhas  às  três  cidades visitadas.  

Noutro  extremo,  a  porção  marginal  do  circuito  superior,  quando  funcional  aos  mecanismos  da  economia  moderna,  embora  com  menor  condição  em  capital,  tecnologia  e  organização,  exprime‐se  por  atividades  emergentes.  Num  tempo  em  que  a  economia  exige  tantas  complementaridades,  vimos  as  manutenções  autorizadas  e  fabricantes  autônomos  como  expressões  da  inserção  de  atividades  locais na organização vertical de grandes empresas. 

À medida que Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto  respondem  à  ordem  temporal  da  produção  hegemônica,  vemos  multiplicar  as  atividades  que  ali compartilham  de  uma  coerência  espacial,  desempenhando  temporalidades  que  não  coincidem  puramente com a lógica hegemônica.  

Daí  o  circuito  superior  marginal  ser  misto,  como  nos  ensina  Santos (1979). Dentro da cidade, dirá o autor:  

“O princípio de unidade é dado, ao mesmo tempo, pelo mercado e pelo território, responsáveis pela unificação dos diversos segmentos característicos da vida urbana. Mercado urbano e território urbano são noções inseparáveis e realidades interdependentes, havendo, porém, submercados e subcircuitos espaciais de produção específicos, cada qual com sua racionalidade” (Santos, 1996:246).

Acontece  que  o  atual  alargamento  dos  contextos  torna  solidário  o  acontecer  dos  lugares  num  movimento  unificado  à  escala do planeta. E as atividades, ainda que sejam marginais em  algum  aspecto  técnico,  de capital  ou  de  organização,  participam  de mecanismos hierárquicos da produção globalizada. 

Na  medida  em  que  o  processo  de  urbanização  responde  às  modernizações  seletivas,  impondo  racionalidades  em  que  o  imperativo  é  a  própria  sobrevivência,  as  ações  hegemônicas  buscam  condições  preexistentes  para  maximizar  sua  força  de  influência  para  que  se  dê  a  entrada  de  novas  técnicas,  isto  é,  as inovações. 

Nesse  sentido,  como  assevera  Silveira  (2007),  as  variáveis‐ força  ao  tornam‐se  rapidamente  variáveis‐suporte,  terminam  por  sobrepor  às  divisões  territoriais  do  trabalho  local  racionalidades  vinculadas  a  divisões  do  trabalho  cujos  interesses são distantes. 

Ao impregnar os objetos e ações que caracterizam nossa época  e transformar o conteúdo dos lugares, a sobreposição de divisões  do  trabalho  hegemônico  sobre  a  materialidade  preexistente  torna  complexos  os  circuitos  da  economia  urbana,  transformando  o  que  Santos (1996) chamou do acontecer solidário dos lugares. 

Definindo  um  processo  acelerado  de  expansão  e  densificação  dos  elementos  definidores  da  modernidade  atual,  a  tecnociência,  a informação e a finança inscrevem agentes locais numa dinâmica  complexa que não obedece meramente à contiguidade urbana, mas se  torna interdependente em nível global. 

Desse  modo,  em  função  a  produção  das  unicidades  da  técnica,  da  informação  e  do  dinheiro,  há  uma  ampliação  do  universo  do  circuito  superior  marginal  quando  observamos  a  economia  urbana  que se realiza na contiguidade. Como mostra Silveira:   

“Não é surpreendente, então, que tais formas e nexos estejam presentes entre os pobres, nas divisões territoriais do trabalho que permitem sua sobrevivência, nas suas formas de consumo, nas relações de dependência, subordinação e verticalidade com os atores hegemônicos, mas igualmente nas relações horizontais que perfazem a sua existência.” (Silveira, 2007)

A cidade se revela por um movimento em que é pelo que contém  como  meio  construído  seletivamente  valorizado  que  desperta  o  interesse  de  agentes  hegemônicos.  Observaremos  adiante  como  as  atividades  de  manutenção  de  equipamentos  médicos  nascidas  nos  lugares se tornam condições de alargamento das ações do próprio  circuito superior puro. 

Nesse sentido, os nexos aos quais estão ligadas as atividades  locais  se  ampliam.  A  interdependência  do  trabalho  hegemônico  e  não‐hegemônico  dilata  a  escala  de  ação  dos  agentes  locais,  tornando  mais  densas  as  relações  entre  a  cidade,  a  formação  socioespacial e o mundo.  

Outrossim,  a  produção  de  escassez  e  pobreza  permite  que  firmas  menores  subsistam  em  porções  menos  valorizadas  da  cidade 

que,  com  efeito,  revelam  modos  de  resistência  inerentes  ao  próprio processo de oligopolização da economia. 

Aliás, a superposição de divisões territoriais do trabalho de  diferentes  alcances  escalares  e  velocidades  mostra  uma  economia  plural, como insiste Zaoual (2006:66) quando diz que o paradigma  econômico e tecnicista que assegura as tendências uniformizantes  mostra‐se  míope  em  relação  à  diversidade  e  à  pluralidade  da  condição humana. 

Os diferentes tempos e formas de uso do território expressam  a  coexistência  de  mercados  desiguais  e  segmentados.  A  compreensão da sobrevivência de atividades menos capitalizadas e  tecnificadas  no  tecido  urbano  nos  leva  à  consideração  da  materialidade e o movimento da sociedade de forma indissociável. 

Santos (1994:123) nos lembra que “a marcha do capitalismo é,  também,  a  marcha  para  a  socialização  capitalista,  graças  à  acentuação  da  divisão  do  trabalho  e  à  necessidade,  igualmente  crescente,  de  coordenação,  a  cooperação  é  a  outra  face  da  divisão do trabalho”.  

Neste  sentido,  a  cidade,  apesar  de  fragmentada  socioespacialmente,  constitui  um  fator  de  socialização  das  forças produtivas, enquanto a urbanização reforça a socialização  da  produção.  E  nos  países  subdesenvolvidos,  são  as  cidades  maiores que aceleram este processo. 

Daí  a  importância  do  que  Santos  (1994:127)  ensina  quando  distingue  do  ponto  de  vista  analítico  uma  economia  política  da  urbanização  e  uma  economia  política  da  cidade,  e  enfatiza  o  processo  de  urbanização  como  fenômeno  não  apenas  social,  político ou econômico, mas também espacial.  

2.1.3.ii.  A  contiguidade  das  cidades  para  as  diferentes