• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2.  O TERRITÓRIO ATIVO NA CONSTITUIÇÃO DAS EXISTÊNCIAS

2.1.  A espessura da divisão do trabalho na região concentrada 

2.1.3. ii A contiguidade das cidades para as diferentes intencionalidades 

Diante da proposta de perseguir os comportamentos dos agentes  da  economia  urbana  vinculados  ao  sistema  produtivo  dos  equipamentos médicos, a espessura da região concentrada mostrou‐ nos  de  que  forma  particular  o  território  se  torna  imperativo  a  uma economia para a saúde.  

A  estrutura  técnica  e  de  seu  arranjo  em  cada  situação  geográfica  definida  nas  cidades  de  Campinas,  Ribeirão  Preto  e 

São  José  do  Rio  Preto,  mostram  como  as  atividades  à  saúde  encontram  nesses  lugares  fatores  apropriados  para  a  temporalidade prática da economia da saúde moderna.  

As instituições públicas e privadas abrigadas nessas cidades,  como  as  universidades  públicas,  os  hospitais  e  outros  serviços  de  saúde  de  referência  apontam  para  o  interesse  se  inserem  no  desenvolvimento dos sistemas de objetos e ações à saúde no país.  

Da mesma forma, a concentração geográfica dessas instituições  anuncia  de  que  modo  a  esfera  da  saúde  participa  da  política  científica e tecnológica do país, assim como revela o papel das  cidades  de  São  José  do  Rio  Preto,  Ribeirão  Preto  e  Campinas  na  divisão territorial do trabalho ligada a essa medicina moderna. 

A  indústria  de  equipamentos  médico‐hospitalares  caracteriza‐ se por um forte conteúdo científico interdisciplinar, e como já  mencionamos  depende  intensamente  de  desenvolvimentos  realizados  em outras disciplinas científicas e outras indústrias.  

“A aplicação da ressonância magnética na medicina dependeu de avanços dos físicos no estudo da estrutura do átomo, a ultrasonografia foi filha da guerra submarina, a tomografia computadorizada foi consequência de avanços na computação e na matemática, o aparelho de litotripsia surgiu a partir de descobertas casuais da indústria aeronáutica” (Albuquerque e Cassiolato, 2002:135)

Ainda  que  a  produção  nacional  não  possua  esse  nível  de  inovação,  o  padrão  tecnológico  demandado  por  esse  sistema  produtivo  vem  caracterizar  a  força  de  influência  de  importantes  instituições  de  pesquisa  acadêmica  existentes  nessas  cidades  e  regiões,  diante  da  criação  de  oportunidade  ao  surgimento  das  atividades modernas. 

Nas situações geográficas dessas cidades, a produção nacional  de  equipamentos  médicos  com  maior  ou  menor  complexidade  tecnológica  mostra  a  dependência  significativa  de  instituições  de formação técnica e superior na constituição das oportunidades  de trabalho nessa área. 

Aliás,  vimos  que  as  empresas  produtoras  de  bens  e  serviços  existentes  nas  três  cidades  nasceram  dessa  combinação  de  fatores.  Isto  é,  o  fato  de  terem  sido  funcionários  numa  outra  empresa  do  setor,  ou  por  já  terem  trabalhado  no  serviço  de 

saúde, ou ainda porque contam com uma densidade tecno‐científica  nas  cidades,  são  todos  fatores  que  permitiram  o  nascimento  de  empresas nessas cidades.  

Já  mencionamos  que  a  inovação  na  indústria  de  equipamentos  médico‐hospitalares  se  dá  pela  dependência  de  pesquisas  realizadas  na  prática  clínica.  Nesse  sentido,  para  o  aperfeiçoamento  das  tecnologias  médicas,  a  contribuição  científica do exercício médico no interior do circuito produtivo  não pode ser minorada.  

Nessas cidades, apesar do crescimento dos estabelecimentos de  saúde  privados,  as  instituições  de  tradição  médica  são  de  natureza  pública,  como  os  hospitais  universitários  de  Ribeirão  Preto e Campinas. 

Ramires  (2007:177)  nos  alerta  para  a  localização  dos  hospitais  universitários  na  região  concentrada  ao  enfatizar  que  estes  são  parcela  da  produção  de  conhecimento  na  área  da  saúde  no  país.  Atualmente,  os  hospitais  públicos  de  ensino  têm  participado  da  pesquisa  em  saúde.  No  país,  estes  são  historicamente  locus  privilegiado  dos  cuidados  médicos  e,  hoje,  são também local privilegiado da pesquisa em saúde.  

Argumentos  para  uma  política  de  ciência,  tecnologia  e  inovação  em  saúde  articulam  a  idéia  de  que  os  hospitais  de  ensino brasileiro vêm passando por problemas desde os anos 1990,  sob o risco de perder sua característica histórica na vanguarda  da pesquisa clínica e avaliação tecnológica (Guimarães, 2004). 

Sob  o  reconhecimento  da  atual  dependência  dos  serviços  de  saúde  das  tecnologias  importadas,  a  atual  política  nacional  de  ciência, tecnologia e inovação em saúde ressalta esses hospitais  de ensino do país e, nesse sentido, atribui importância a essas  cidades. 

A  propósito,  o  apoio  à  produção  científica  no  país  esteve  tradicionalmente  vinculado  a  instituições  públicas  de  pesquisa,  principalmente  acadêmicas,  ainda  que  atualmente  haja  uma  tendência  à  participação  da  iniciativa  privada  no  financiamento  e execução da pesquisa e desenvolvimento no Brasil.  

Trataremos  dessa  questão  no  capítulo  seguinte  quando  dermos  mais  atenção  aos  programas  políticos  em  específico.  Por  ora,  vale dizer que aprimorar medicinas depende da prática clínica e, 

nesse  sentido,  o  incremento  tecnológico  não  se  trata  apenas  de  uma proximidade da indústria a médicos empenhados em testes, mas  demonstra  o  papel  de  médicos‐cientistas,  ou  seja,  a  prática  médica na própria pesquisa acadêmica pública.  

Pelo  estímulo  à  interação  universidade‐empresa,  ou  mesmo  outras  formas  mais  abrangentes  de  investimento  privado  para  a  inovação,  a  saúde  se  torna  tema  forte  no  interior  dos  grandes  debates  nacionais,  trazendo  a  tona  as  especializações  territoriais em algumas cidades do Estado de São Paulo.  

De qualquer forma, a desarticulação da capacidade científica  nacional  com  a  indústria  nacional  de  equipamentos  médicos  é  um  dado  da formação  socioespacial,  enquanto  o estímulo à  interação  das instituições de pesquisa com os sistemas produtivos é parte  da  tendência  recente  da  política  científica  e  tecnológica  do  país. 

Essas três cidades vão, então, mostrando sua relevância para  os  programas  políticos  atuais  pelo  conteúdo  técnico‐científico  em  saúde  que  a  constituem.  Também,  um  olhar  para  a  formação  médica  não  será  aqui  um  acaso.  Obedecendo  a  concentração  da  produção de bens e de serviços mais “nobres” nessas cidades, as  qualificações  renovadas  e  novas  profissões  se  tornam  indiscutíveis demandas nas cidades. 

Os  novos  cursos  de  medicina,  enfermagem,  nutrição,  fisioterapia,  educação  física,  além  dos  cursos  técnicos  específicos  para  os  equipamentos  –  seja  para  atividades  de  fabricação  ou  mesmo  para  os  serviços  de  saúde,  como  inspeção  radiológica  –  mostram  não  apenas  essa  densidade  tecnocientífica  apropriada  à  produção  moderna,  como  revelam  o  denso  mercado  de  produtos médicos. 

Essas  cidades  acolhem  maior  contingente  de  classes  médias  e  veem  crescer  o  número  de  letrados.  A  difusão  geográfica  do  ensino  de  medicina  e  áreas  afins,  assim  como  os  mais  recentes  cursos  técnicos  radiológicos,  por  exemplo,  respondem  a  essa  racionalidade própria do lugar. 

Como puderam verificar Santos e Silveira (2001):  

“Há, certamente, seletividade na expansão desse meio técnico científico informacional, com reforço de algumas regiões e o enfraquecimento relativo de outras. A divisão social e territorial

do trabalho amplia-se e torna-se mais complexa. Em todo caso, a demanda por qualificações específicas aumenta em todas as regiões, enquanto a oferta parece acompanhar as especializações produtivas dos lugares.” (Santos e Silveira, 2000:34)

De modo geral, vemos que o modelo capitalista da globalização  está para além do domínio industrial. As modernizações impõem‐se  de forma renovada às esferas públicas, em que a organização e o  conteúdo  do  ensino,  as  profissionalizações,  assim  por  diante,  passam  a  responder  às  novas  demandas  da  cientifização  do  trabalho e informatização do território. 

A  incorporação  de  novas  tecnologias  na  saúde  tem  exigido  novas  qualificações  para  operação  dos  aparelhos.  Nesse  sentido,  sabemos  que  20%  a  40%  do  parque  de  equipamentos  no  país  está  inoperante, por aquisições inadequadas, qualidade insatisfatória  e pelo uso indevido dos equipamentos (ABDI, 2008). 

E, para mudar a complexidade tecnológica da produção nacional  e  beneficiar  a  condição  do  parque  nacional,  os  programas  de  modernização têm considerado a importância do desenvolvimento de  recursos humanos.  

Os  múltiplos  campos  correlatos  de  saber  terapêutico  concentrados no Sul e Sudeste do país (Santos e Silveira, 2000),  bem  como  a  formação  médica  tradicional,  permitem  refletir  sobre  os  novos  conteúdos  do  território  atrelados às  modernizações  dos  serviços  de  saúde,  e  aos  apelos  profissionais  condicionados  por  uma geografia da saúde. 

Como  em  tais  cidades  se  aglutina  uma  demanda  de  serviços  de  diagnósticos  e  tratamentos,  vemos  a  busca  de  atualização  dos  saberes  técnicos  e  científicos  relacionados  com  os  equipamentos  médicos, ao mesmo tempo em que há uma demanda por saúde moderna  amplia um mercado ligado às qualificações.  

Ainda,  sabemos  que  os  médicos  se  concentram  onde  estão  as  novas  técnicas  e,  com  isso,  mostram  a  força  de  influência  do  “mercado de trabalho” na instalação do médico. O crescimento das  clínicas  privadas  mostra  como  respondem  os  lugares  às  novas  demandas de um mercado de saúde. 

No  gráfico  a  seguir,  nota‐se  que  o  aumento  do  número  de  estabelecimentos privados é enorme. 

GRAFICO  6  –  Número  de  estabelecimentos  de  saúde  por  tipo  de  prestador  –  Brasil, 2005 – 2010  

 

Fonte: Ministério da Saúde, DATASUS – Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil 

A  concentração  de  diferentes  estabelecimentos  públicos  e  privados  exibe  parte  dessa  lógica  vinculada  aos  equipamentos  médicos,  assim  como  uma  economia  urbana  para  a  saúde.  Desse  modo,  revela  o  papel  dessas  cidades  na  divisão  territorial  do  trabalho mais moderna da nação. 

TABELA  11  –  Estabelecimentos  de  saúde  por  tipo  de  prestador  –  Campinas,  Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, 2005 ‐ 2010 

  Publico  Privado  Filantrópico 

  2005  2010  2005         2010  2005       2010  Campinas  92  116  206  1704  16  18  Ribeirão Preto  70  127  184  1199  6  8  São José do Rio Preto  55  66  251  596  9  11  Fonte: Ministério da Saúde, DATASUS – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Brasil   Nesse sentido, as intencionalidades ocultas das técnicas que  se  implantam  nas  nações  e  nos  lugares  nos  permitem  captar  a  pluralidade de divisões territoriais do trabalho e a convivência  da diferença que a cidade autoriza.  

Se por um lado há uma economia espontânea ligada às demandas  da  saúde  e  por  saúde,  por  outro,  esses  lugares  aparecem  como  oportunidades  para  que  vetores  específicos  sejam  portadores  de  interesses particulares no processo de modernização dos serviços  de saúde e do sistema produtivo nessas cidades. 

A  partir  da  possibilidade  de  aproveitamento  de  uma  racionalidade  situada  (Zaoual,  2006),  a  saúde,  enquanto 

estratégia  de  crescimento  econômico  do  Brasil,  compreende  essas  cidades  no  programa  de  desenvolvimento  produtivo  do  país,  associando, com isso, a intenção de trazer melhorias à saúde. 

Assim como a ideologia do consumo e do crescimento econômico,  o  planejamento  também  se  revela  um  instrumento  político  na  adaptação  dos  espaços  nacionais  à  economia  internacional  (Santos,  1996).  Veremos  como  essas  cidades  respondem  aos  interesses  produtivos  de  uma  saúde  moderna  no  país  a  partir  de  alguns programas estaduais e federais. 

Nesse  sentido,  sabemos  que,  hoje,  as  potencialidades  dos  lugares  são  suscetíveis  de  avaliação  prévia.  Esse  conhecimento  fundamental  na  escolha  das  localizações  mostra  não  apenas  a  cobiça  cientificizada  a  que  os  lugares  estão  sujeitos,  mas  também  o  papel  condicionante  que  desempenham  na  dinâmica  da  competitividade global. 

Refletindo  sobre  o  papel  das  normas  no  processo  de  funcionalização  da  totalidade,  isto  é,  o  espaço  geográfico,  Silveira (2004) nos ensina ao dizer: 

“Existe uma totalidade prévia, um mundo construído. É o arranjo de objetos que, ao mesmo tempo em que é transformado, obriga os vetores a uma adaptação. A esse fenômeno poderíamos chamar de escala de império, um verdadeiro limite normativo, porque material e organizacional, ao processo de totalização. É a extensão da ação de fato funcionalizada (Silveira, 2004:91)

A  introdução  de  fatores  de  complexidade  a  partir  dos  acréscimos de ciência, tecnologia e informação amplia os limites  e  também  os  dinamismos,  enquanto  a  superposição  de  divisões  do  trabalho mais modernas nos lugares convida a todos os agentes a  obediência de tempos acelerados.  

O  apetite  das  formas  e  nexos  integrados  à  economia  mundial  imprime  um  ritmo  das  normas,  cuja  aceleração,  muitos  não  conseguem  acompanhar.  Portanto,  a  subordinação  que  encontramos  de  um  grande  número  de  agentes  nessas  cidades,  submetidos  aos  imperativos de uma economia moderna, não pôde ser medida apenas  pela  distância  tecnológica  e  de  capital  entre  as  firmas  hegemônicas e não‐hegemônicas.  

A maneira pela qual o Estado se torna mediador das variáveis  determinantes  do  período  diante  de  uma  aceleração  das 

tecnologias  médicas  se  revelou  um  caminho  de  observação  das  economias  urbanas  ligadas  à  saúde  e  a  dinâmica  vinculada  aos  equipamentos médicos. 

A  natureza  dos  objetos  informacionais,  a  racionalidade  vertical  que  é  imposta,  o  modo  de  integração  da  produção  nacional  num  circuito  de  escala  global,  convidou‐nos à  reflexão  sobre o papel do Estado na combinação dos interesses do mercado  e da nação.  

Sob  a  perspectiva  das  oportunidades  para  a  sucessão  de  modernizações a partir de políticas públicas, convém lembrar que  o  próprio  sistema  de  saúde  constitui  essa  norma  do  território,  quer queira, quer não, facilitadora da concentração das benesses  da medicina moderna.