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1. Organização dos trabalhadores e transformação da tenossinovite em doença do trabalho

1.4 A idéia da LER

O ano de 1986 é considerado por Rocha como um marco para os profissionais de processamento de dados, pois, além de "conquistarem espaço na imprensa e outros meios de comunicação" conseguem fazer seu primeiro "congresso nacional" e manter, entre janeiro e setembro desse ano, reuniões mensais de uma comissão nacional para discutir e propor soluções aos "problemas de saúde" da categoria. É também o ano em que finalmente conquistam o direito ao "reconhecimento da tenossinovite como doença do trabalho nas atividades com exercícios repetitivos" (ib.:111).

O primeiro Congresso Nacional de Saúde da categoria proclamava os seguintes objetivos expressos:

[...] a definição de uma Política Nacional de Saúde relativa à área de processamento de dados e o esclarecimento da opinião pública e dos PPD sobre o processo de trabalho em processamento de dados e suas conseqüências para a saúde. Por outro lado, visava sensibilizar as instituições públicas nacionais (Ministério do Trabalho, FUNDACENTRO) e internacionais (OIT, FIET) para a questão das doenças profissionais em processamento de dados (ib.:112).

O carro-chefe dessa mensagem sobre o adoecimento de trabalhadores provocado pela digitação não era a tenossinovite, mas as "lesões por esforços repetitivos", segundo o disposto nos três painéis temáticos (inclusive seus personagens), de acordo com Rocha:

O primeiro, com o tema das Lesões por Esforços Repetitivos: Diagnóstico e Tratamento, do qual participaram médicos ortopedistas do Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Rio de Janeiro; o secretário Regional de Medicina Social do INAMPS/SP13 e o Diretor Técnico do

DIESAT/RS...

O segundo painel foi sobre Doenças Profissionais em PD: Enquadramento e Prevenção, com a presença de Médicos, Engenheiros, representantes da Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho (SSMT), DIESAT/RS e o Presidente do SINDP/RJ.

O terceiro painel abordou o tema Condições de Trabalho em Processamento de Dados, com a participação de ergonomistas, médicos ortopedistas e médicos do trabalho e do vice-Presidente da APPD/RS (ib:112).

Conforme a autora acentua, as conclusões desse encontro trazem, "em primeiro lugar", "a compreensão de que a doença apresentada pelos digitadores não se restringia ao quadro clínico da tenossinovite, mas abrangia outras lesões dos membros superiores" (ib.:113). E acrescentam que "a tenossinovite é apenas uma das doenças dos digitadores" e que "várias outras também têm provocado males da mesma ou maior gravidade". Em seguida, recomendam que se caracterize essas doenças profissionais como LER – Lesões por Esforços Repetitivos (ib.:240). "Esse nome foi usado pela primeira vez por Antonio Cláudio Mendes Ribeiro, médico assessor da APPD/RS, no I Encontro Estadual de Saúde", lembra Rocha, como tradução de RSI - Repetitive Strain Injuries, sigla adotada na Austrália e Inglaterra para essa enfermidade (ib.:113).

O encontro debateu e sistematizou propostas vindas de encontros estaduais, intercaladas por depoimentos vívidos de experiências da enfermidade feita por trabalhadores doentes, com a estratégia de sensibilizar seus participantes sobre a doença e para que retornassem a suas bases dispostos a uma atuação política sindical forte e unificada:

13 INAMPS, Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, a quem competia, através

[...] a partir deste encontro, as associações e sindicatos formam comissões de saúde e decidem por um trabalho mais sistemático frente às questões de saúde, principalmente quanto à LER. Este trabalho era efetuado anteriormente apenas no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Uma outra característica do encontro foi a participação de grande número de digitadores lesionados, que com seus depoimentos mostraram a gravidade da situação (ib.: 114). O resultado das discussões apontava pelo menos três direções para essa luta: a conscientização do trabalhador, da sociedade e das próprias organizações de trabalhadores:

A primeira compreendeu a informação dos riscos de LER para os digitadores. Muitos, em seus depoimentos, deixavam claro que se existe a doença, o digitador tem de conhecê-la antes de entrar para a digitação.

A segunda representou a busca de um envolvimento maior da sociedade frente ao problema, através de uma ação efetiva para a prevenção da doença dentro das empresas, no MPAS e no MTb. A terceira era quanto à organização dos próprios profissionais de processamento de dados em comissões de saúde na empresa, sindicato e a nível nacional para garantir o reconhecimento da LER pelo MPAS, a prevenção da doença e a estabilidade dos lesionados (ib.:114).

O congresso também propiciou o encontro de médicos ortopedistas, os "especialistas" em tenossinovite e outras lesões músculo-esqueléticas, com médicos da Secretaria de Medicina Social do INAMPS, cuja competência era a assistência médica aos casos de acidentes e doenças ocupacionais, desde a definição do diagnóstico até o estabelecimento do nexo causal clínico com o trabalho.

Além de aspectos médicos e previdenciários, abordou-se as "condições de trabalho em processamento de dados" que fomentavam o sofrimento da categoria, com a participação de ergonomistas, ortopedistas, médicos do trabalho e trabalhadores participantes do congresso. E, para abordar o "Enquadramento e Prevenção" da LER,

estavam presentes médicos e engenheiros do Ministério do Trabalho, cuja competência institucional era legislar e fiscalizar a prevenção ocupacional desse tipo de acidente ou doença nas empresas.

Nas conclusões do encontro estava a definição de recomendar às empresas que, diante de um caso de tenossinovite ou outro tipo lesão musculoesquelética que pudesse estar relacionada à repetitividade das tarefas, elas apoiassem-se na Lei 6367/76 e notificassem o caso, através de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), à Previdência Social, nos moldes de um acidente do trabalho (ib.:242).

No que se refere à organização do trabalho, os principais pontos ressaltados são o controle direto e indireto da quantidade diária de toques dos digitadores, a introdução de pausas durante a jornada de trabalho e a orientação para cada regional desencadear uma "campanha intensa buscando acabar com horas extras dos digitadores", "lutando pela extinção gradativa do trabalho noturno" e advertir aos digitadores que trabalham em dois empregos sobre o risco maior de adoecer. Nesse sentido, também propõem campanhas de alerta para os trabalhadores sobre o uso de estimulantes, analgésicos e outras drogas "que possam provocar sensações de conforto e atenuar as más condições de trabalho" (ib.:241).

O terceiro leque de conclusões refere-se à divulgação das "informações sobre saúde": é preciso informar aos trabalhadores da própria categoria o que é a doença; é preciso "que a comissão de saúde das APPD" leve "ao conhecimento de todos os digitadores e funcionários de processamento de dados o que é tenossinovite e quais são os problemas de saúde que atingem os profissionais da nossa categoria" (ib.:242).

Define-se, também, a necessidade de incentivar "as ações sindicais de saúde", seja no âmbito das empresas, como no item que preconiza "buscar, nas pautas de reivindicações, a criação de comissões de saúde" de modo que envolva "a

representação dos sindicatos, associações e CIPA", seja num plano mais amplo, ao recomendar às "APPD estaduais que se mobilizem no sentido de acompanharem os efeitos na saúde dos trabalhadores das mudanças tecnológicas..." etc. (ib.:242).