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2. A transformação médica da tenossinovite em LER

2.2. O NUSAT de Belo Horizonte

Em estudo que levantou todas as doenças profissionais registradas no Brasil durante a década de 1980, o médico Tarcísio Buschinelli ressalta que o aumento de casos de tenossinovite registrados como doença do trabalho iniciou-se pelo Estado do Rio de Janeiro:

Interessante o fato de que no Rio o aumento tenha se dado em 1986, enquanto em São Paulo o mesmo tenha ocorrido em 1987. Pode-se explicar o fato pela proximidade física dos Serviços de Atenção Médica dos centros de decisão. Como a sede Nacional do INAMPS situava-se no Rio de Janeiro, rapidamente a Circular passou a ter conseqüências práticas, enquanto, em locais afastados, o mesmo ocorreu somente em 1987 (Buschinelli, 1993:58).

Em Minas Gerais, por exemplo, "a epidemia de LER foi mais tardia", os casos de doença ocupacional no Estado só começaram a ser registrados a partir de 1989, após a estruturação de uma unidade médica de referência, o NUSAT (Núcleo de Saúde do Trabalhador), que reuniu o INPS, a FUNDACENTRO e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A evolução da "epidemia" em Minas, conforme os dados do NUSAT, registra 3 casos em 1986, 95 casos em 1987 e 132 em 1988 (ib.:63). Esse "perfil epidemiológico", salienta o autor, resulta de "um conjunto de fatores", mas, principalmente, das seguintes ações:

A implantação de um serviço voltado para o atendimento das doenças dos trabalhadores, sendo este o resultado de uma união de esforços de instituições diferentes; a participação do INPS facilitando o registro e a oficialização dos casos atendidos; e uma busca ativa por parte da fiscalização. Naturalmente, todo este conjunto de esforços não teria tido um resultado tão positivo se os trabalhadores não tivessem exercido um papel relevante, pressionando as instituições para que estas agissem... (ib.:66).

Além de Minas Gerais e São Paulo, esse mesmo aumento do registro de doenças ocupacionais ocorreu no Paraná e no Rio Grande do Sul, a partir de 1987 (ib.:82), em Pernambuco, em 1990, e na Bahia, a partir de 1991, com a instalação do CESAT

(Centro de Estudos de Saúde dos Trabalhador) (ib.:94). Em cada um desses estados inauguraram-se unidades públicas de referência nessa modalidade médica que se comportavam como uma agência legitimadora da LER/DORT.

Outra contribuição decisiva para a instituição da LER como doença do trabalho no Brasil foi dada em 1991, através de um artigo intitulado simplesmente Lesão por Esforços Repetitivos (LER), da autoria de Chrysóstomo Oliveira, perito do INPS, médico do trabalho e coordenador do NUSAT de Belo Horizonte (Oliveira, 1991). Esse ensaio consiste numa análise da experiência mineira obtida a partir da observação dos pacientes do NUSAT, mediante um estudo dos casos atendidos nos dois primeiros anos da epidemia. Oliveira identifica-se como integrante da tradição médica na qual se insere os mesmos autores apontados por Rocha e defende a terminologia LER para designar todas "desordens neuro, músculo-tendinosas de origem ocupacional, que atingem os membros superiores, espádua e pescoço, causadas pelo uso repetido e forçado de grupos musculares ou manutenção de postura forçada..." (ib.: 60).

Esse autor considera que o conceito "lesão por esforços repetitivos" "pressupõe a origem ocupacional das desordens encontradas..." (ib.: 60). Prefere, assim, a denominação LER (que traduz repetitive strain injury), oriunda da experiência australiana, ao termo "lesões por traumas cumulativos" (cumulative trauma disorders), defendido por Silverstein e Armstrong nos EUA, por sublinhar os componentes esforço e repetitividade e tornar o conceito mais abrangente (ib.:60).

A revisão teórica apresentada por Oliveira incluiu, além das publicações de Ferguson (1971, 1984) e Browne (1984) na Austrália, Kivi (1984) na Finlândia, Maeda (1977) no Japão e Luopajarvi (1979) na Escandinávia. Ele concorda com todos esses autores que apontam a subestimação do número de casos dessas "desordens" que ocorrem em seus países, principalmente devido ao fato de que muitas dessas alterações

musculoesquelético não terem suas relações com o trabalho consideradas, tanto pelos médicos quanto pelos próprios pacientes (ib.:61).

A dimensão do problema no Brasil não foge à regra, principalmente porque os sistemas de registros de doenças ocupacionais são falhos. Uma evidência nesse sentido é o aumento de casos de LER procedentes da Grande Belo Horizonte após a implantação do NUSAT. Observa-se, nesse universo de pacientes, conforme Oliveira, "uma nítida diversificação quanto à incidência da doença", tanto nos ramos de atividades econômicas quanto nas mais variadas funções exercidas pelos trabalhadores que adoecem (ib.:64).

Além disso, começa a se consolidar, dentro da experiência do grupo mineiro, o conjunto das formas clínicas adquiridas pelas LER, algumas síndromes específicas, com formas de apresentação bem individualizadas ou estudadas, como "síndrome do dedo em gatilho", "doença de De Quervain", "síndrome do túnel do carpo", "síndrome do túnel ulnar", epicondilites, bursite, cervicobraquialgia, miosite e poliomiosites etc. Em seu ensaio, Oliveira descreve de modo didático cada uma dessas síndromes clínicas, caracterizando a região anatômica de comprometimento, os sintomas, a patogenia e as atividades profissionais dos trabalhadores que podem desencadeá-las (ib.:65-8).

Mas nada nesse tema é cartesiano. Muitas vezes o quadro clínico é constituído somente pela dor e outras sensações subjetivas que não obedecem a essas regiões geográficas e que tornam o diagnóstico difícil e complexo. Nesse sentido, Oliveira apóia-se em Ferguson para subdividir a LER em dois tipos principais de quadro clínico:

O primeiro é constituído por entidades [clínicas] bem definidas e estudadas e o segundo por quadros mal definidos. O segundo é a grande maioria dos casos. O diagnóstico não é simples e deve ser

investigado o processo de trabalho do qual resultaram as injúrias [lesões] musculares. O paciente não apresenta nenhum sinal físico inicialmente, mas suas queixas são persistentes e sempre relacionadas com a massa muscular mais utilizada no exercício da função ou envolvidas em tensão estática em decorrência de posições forçadas ou viciosas... (Oliveira, 1991:71).

Nesses casos, o médico deve investigar as condições particulares do trabalho, deve levar em conta os movimentos repetitivos e a força com que tais movimentos são executados, como ensina Silverstein (1987). Além disso, posições estáticas prolongadas, pressão psicológica para aumentar a produção e monotonia de funções "são emocionalmente desgastantes, condicionando o aparecimento da doença". "Vários autores assinalam a presença de neuroses e stress emocional em portadores de LER" (Oliveira, 1991:71). Nesse sentido, a função de digitador é paradigmática de uma situação ocupacional que pode combinar todos esses fatores causais da doença.

Além dessas considerações etiológicas, o estudo traz também uma "patogênese" em que a doença resulta da agressão que o trabalho provoca no corpo, visto como uma estrutura de tecido muscular interligado aos ossos através de tendões, que formam um conjunto irrigado por vasos sanguíneos e nervos. Esse sistema mecânico de forças e alavancas pode sofrer esforço compressivo, contrações repetidas ou prolongadas que provocam alterações no aporte sangüíneo e resultam na produção de dor pelos nervos (ib.:72).

De acordo com casuística de Oliveira, o quadro clínico é constituído pelos sintomas iniciais de fadiga e desconforto muscular, que se associam freqüentemente a formigamento e a parestesias. "A dor é, contudo, o sintoma cardinal", que se inicia como pontadas esparsas, que duram pouco, mas, gradativamente, vão se tornando contínuas e exacerbadas por ocasião de determinada seqüência de movimentos ou ao final de uma jornada de trabalho. A sede mais freqüente de início da sensação dolorosa era o terço proximal do antebraço, seguido pelos punhos e mãos

(corroborando a casuística de Ferguson). A intensidade da dor, que de início relaciona-se com as atividades – ocupacionais, domésticas ou de lazer – aumenta sempre à medida que a doença avança e passa a ser o sintoma determinante. Os períodos de exacerbação das dores aparecem espontaneamente e mesmo quando o trabalhador está em repouso. "Uma das queixas freqüentes neste estágio é a dor noturna, às vezes com caráter terebrante e de remissão demorada, que impede o sono e promove significativo desgaste psíquico" (ib.:74).

Ao contrário da história rica em nuances e detalhes da vida e das ocupações do paciente, o exame físico é muito pobre. O aumento de volume dos músculos – a hipertonia de extensores e flexores – é um dos primeiros sinais clínicos que podem ser observados pelo médico, os pacientes tornam-se doloridos à palpação, mas esses achados são mais comuns em "quadros agudos e virgens de tratamento". Outro sinal é o edema recorrente de dorso das mãos e dedos, que "ausente no início, aparece nos estágios mais avançados da doença" e pode tornar-se definitivo e deformar dedos e mãos. Ao fim, as funções motoras são comprometidas, as mãos incham e os dedos atrofiam (dedos em fuso) (ib.:74).

Com esse entendimento da história natural da doença, Oliveira critica a classificação de Browne (1984), que "nos parece muito condensada, deixando de enfatizar os extremos do curso clínico da doença", e propõe uma classificação em quatro estágios evolutivos. Resumidamente, seriam:

I - O período das sensações de peso e desconforto, além de dores esporádicas e localizadas, que melhoram com o repouso. Os sinais clínicos estão ausentes, exceto pela dor referida à compressão dos músculos. O prognóstico é bom.

II - A dor aparece em pequenos episódios durante a jornada de trabalho, ou durante trabalhos domésticos após a jornada; é tolerável, mas compromete cada vez mais a

produção do trabalhador; pode circunscrever-se numa determinada localização anatômica ou irradiar-se para outras regiões. Sintomas como formigamento, calor, alterações da sensibilidade etc. podem também aparecer. O exame continua pobre, mas é possível palpar nódulos nas bainhas musculares envolvidas. O prognóstico é favorável.

III - A dor é persistente, forte e irradiada, atenua-se apenas pelo repouso prolongado ou pela medicação; há crises paroxísticas, pois ocorrem durante o repouso ou mesmo durante a noite. A musculatura perde a força, a produtividade ocupacional cai e há incapacidade doméstica. O edema, a parestesia e as alterações de sensibilidade estão instaladas e a palpação muscular revela dor forte. O prognóstico é reservado.

IV - A dor é forte, contínua e leva o paciente ao sofrimento intenso, pois se acentua com qualquer movimento e as crises paroxísticas aparecem mesmo com o membro superior imobilizado. A mão ou o braço perde a força e o controle dos movimentos, a capacidade para o trabalho torna-se nula e os atos da vida cotidiana ficam prejudicados. Edema e atrofias estão presentes, às vezes há deformidades visíveis. Neste estágio, depressão, ansiedade e angústia fazem parte do quadro e o prognóstico é sombrio (Modificado de Oliveira, 1991: 75-76).

Em suma, o diagnóstico da LER é "essencialmente clínico", deve contemplar três momentos: "a história ocupacional, a história da doença e um exame físico detalhado"; os exames laboratoriais são, nesse sentido, "até agora, apenas exames complementares". A anamnese ocupacional deve ser concebida como um "estudo da função realizada", que inclui:

[...] seus movimentos básicos, freqüência desses movimentos, uso ou não de ferramental, posição no posto de trabalho, jornada diária, pausas, condições ambientais, nível de relacionamento com supervisores e tempo exercido na função (Oliveira, 1991:76).

Além do trabalho, devem ser exploradas também as atividades cotidianas, principalmente as atividades domésticas, lazer e hábitos do paciente, assim como o passado de práticas físicas, "que podem ser aparentemente diversas, mas consistir na continuidade da atual, pela similitude dos movimentos exercidos" (ib.: 76). Além disso, faz-se necessário que se historie também o curso da enfermidade:

A história da doença deve remontar ao seu início, quais os sintomas iniciais e os segmentos atingidos, como evoluíram, sua exacerbação ou não durante a jornada de trabalho, sua remissão após cada jornada ou nos fins de semana ou férias (ib.:76).

Além de interrogar sobre essas qualidades e localizações dos sintomas, o médico deverá realizar o exame físico bem detalhado do aparelho locomotor do paciente. É ressaltado que ele deve pesquisar a dor aos movimentos ativos e passivos dos segmentos corporais, e palpar as estruturas anatômicas tentando localizar e estimar a intensidade dolorosa (ib.:76). A última fase do exame físico é a pesquisa das funções musculares e nervosas comprometidas. Nesses casos, certamente é obrigatório que o médico deva realizar algumas manobras, entre elas: a) "manobra de Finkelstein", pela qual o examinador provoca o estiramento do tendão do abdutor longo e do extensor curto do polegar sobre a apófise estilóide do rádio e que, caso provoque dor, sugere tendinite de De Quervain; b) manobra de Tinnel, em que o examinador comprime a porção mediana do punho e, caso observe dor ou parestesia na região de enervação correspondente, deve suspeitar de Síndrome do Túnel do Carpo (STC); c) manobra de Phalen, o examinador força a flexão dos punhos durante mais de um minuto e se ocorre a presença de dor ou formigamento indica STC; d) por último, a manobra de Gilliart-Wilson, que consiste em manter o tensiômetro pressionando o braço do paciente e observar dor e parestesia no trajeto do mediano, também sugerindo STC (ib.:77). É fácil supor que durante a realização desses "testes físicos" que lidam com a dor ou que a provocam, o médico deve contar com a plena confiança e colaboração do paciente.

Ao comentar sobre os exames complementares ao diagnóstico da LER, Oliveira chama a atenção que o NUSAT é bastante comedido na solicitação de exames subsidiários: "os exames utilizados como rotina são a eletroneuromiografia, o estudo radiológico da coluna cervical e as provas de atividades reumática". A experiência de sua casuística mostrou que a eletroneuromiografia parece ter valor, "pois a proporção de alterações encontradas foi alta", mas questiona esse achado em função de sua amostra: "o grupo estudado provinha de um universo representado pelos primeiros casos reconhecidos como doença profissional pela Previdência Social e, quase todos, apresentavam evolução mais longa e sintomatologia mais grave". O estudo radiológico da coluna cervical tem valor de diagnóstico diferencial e pode revelar alterações estruturais que contribuem para o estabelecimento do quadro clínico da LER ou o invalidam. As provas reumáticas, por sua vez, têm valor somente excludente (ib.: 78).

Após o diagnóstico e o estadiamento da LER em quatro graus de gravidade, conforme vimos, Oliveira discute o tratamento e a prevenção da doença, chamando atenção para que "a recuperação do lesado envolve aspectos médicos e aspectos profissionais". Do ponto de vista médico, o tratamento consiste em uso de antiinflamatórios, fisioterapia, imobilização ou indicação cirúrgica para "os casos de compressão nervosa" (ib.:78).

Do ponto de vista profissional, os casos classificados em estágios I e II, "o tratamento médico pode recuperar o trabalhador, permitindo-lhe retornar até mesmo para a mesma atividade, desde que alteradas as condições de trabalho". Nesse ponto, ele reporta o tratamento político dado através das cláusulas específicas sobre a LER, negociada em contratos coletivos de trabalho assinados pelo sindicato SINDADOS em Belo Horizonte, como exemplo de medidas preventivas amplas que estavam surtindo efeitos na redução da incidência da doença (ib.: 78).

Já para os pacientes classificados como pertencentes aos graus III e IV, entretanto, além do tratamento médico, "impõe-se a reabilitação profissional". Para o grau III, o trabalhador deve aprender uma nova atividade profissional, sob supervisão cuidadosa, preconiza Oliveira, "a fim de se evitarem recidivas, que não são incomuns". Para o grau IV, entretanto, o prognóstico é sombrio:

No estágio IV o tratamento médico e a reabilitação profissional apresentam resultados precários. As recidivas são muito freqüentes e qualquer esforço maior, mesmo fora do trabalho, reabre o quadro sintomático. A quase totalidade dos casos caminha, mais cedo ou mais tarde, para a invalidez. Há realmente a impossibilidade de exercício de trabalho produtivo regular necessário ao ganho útil compatível com a sobrevivência financeira. Neste estágio, os problemas emocionais são agravados e os pacientes apresentam-se quase sempre deprimidos e emotivos (ib.:78).

Frente a esse quadro clínico de gravidade progressiva, Oliveira exorta os médicos do trabalho das empresas a se empenharem no "acompanhamento cuidadoso dos trabalhadores submetidos a trabalhos repetitivos e de esforço" e assinala que "o exame periódico deve ser dirigido para o diagnóstico precoce da LER". Essas atribuições pressupõem uma autonomia do médico em relação à empresa, para que ele possa, "aos primeiros sintomas", manter o trabalhador sob vigilância médica que inclui às vezes a "re-adequação do trabalho". "O aumento de casos dentro em um mesmo setor de produção deve ser objeto de análise da função, com alteração de sua sistemática dentro de princípios ergométricos". Além disso, o médico deve comunicar "por escrito, aos superiores ou responsáveis pela produção, as ocorrências e sugestões para correções cabíveis no processo de trabalho" (ib.:79).

Na perícia, como o trabalhador só chega após quinze dias de afastamento do trabalho, "muitas vezes após tratamentos instituídos, especialmente com imobilização, e já apresentando atenuação dos sinais físicos que antes estavam presentes", ele "traz para o médico perito maior dificuldade na identificação da doença e de seu estágio, dificultando-lhe, conseqüentemente, sua conclusão técnica".

Mesmo assim, a tarefa do perito ao receber um trabalhador com suspeita de doença ocupacional é realizar "o exame detalhado" da história profissional e da doença e dos achados físicos. Os exames complementares, por sua vez, só têm um valor positivo ou negativo em função da clínica (ib.:79).

Oliveira, enquanto perito, descreve os passos que se utiliza para afastar o doente do trabalho e transformar a doença em acidente: "Confirmado o diagnóstico, cabe o reconhecimento do nexo causal e o afastamento do trabalho para tratamento e reabilitação profissional, quando indicada". Como num texto legal, relembra como enquadra os respectivos benefícios previdenciários para os segurados:

Nos casos de recuperação total caberá o auxílio doença acidentário durante o período de tratamento e, quando da alta, deve o trabalhador ser orientado quanto às suas condições de trabalho e à possibilidade da "reabertura" em face de recidiva da doença. Nos casos em que houver necessidade de reabilitação profissional, o retorno à atividade produtiva se fará com a concessão do auxílio acidente. A possibilidade de recidiva deve ser colocada para o trabalhador de modo a orientá-lo quanto aos próprios cuidados que deve ter para se preservar e quanto a seus direitos previdenciários. A impossibilidade de uma reabilitação eficaz, a persistência de sinais com sintomatologia ou recidivas freqüentes caracterizam o quadro de invalidez, cabendo ao perito fixá-la (ib.: 79).

Em conclusão, Oliveira afirma que "a LER é a doença ocupacional mais freqüente nas sociedades industriais" e que essa tendência é aumentar cada vez mais, face à industrialização crescente. "É doença de notificação compulsória em muitos países", os quais, preocupados com essa incidência, "mantêm comitês especiais para seu estudo e equacionamento". Na gênese da LER está o um tipo de trabalho "exercido em más condições ergonômicas", caracterizado pela repetição e esforços prolongados, durante longas jornadas, assim como a "utilização de ferramental inadequado" e a "falta de treinamento para a função exercida (ib.:79). O remédio prescrito envolve uma série de mudanças nas agências médicas e instituições envolvidas no conhecimento da doença, mas a principal delas é que:

[...] a identificação da LER está relacionada com o nível de conscientização dos profissionais para o complexo trabalho/doença, com a eficiência dos serviços médicos de empresas e oficiais, com a conscientização do trabalhador e de seus órgãos de classe, além de legislação adequada pertinente às doenças ocupacionais (ib.: 84). A necessidade premente de adoção de medidas que reduzam a incidência da doença, propõe Oliveira, é uma ação conjunta que deve contar com a participação de "sindicatos, médicos de empresas e do serviço público, profissionais em ergonomia e engenharia de produção", "sem preconceitos", para que se possa "alterar a sombria perspectiva que se apresenta, transformando o trabalho em fator de promoção do homem, e não motivo de sua degradação" (ib.: 84).

A posição de Oliveira, que enquanto médico do trabalho e perito da Previdência Social, estrutura e coordena um dos primeiros ambulatórios de referência em doenças ocupacionais no Brasil, ao tempo em que sistematiza toda uma experiência nacional relacionada aos principais elementos para o diagnóstico e o enquadramento previdenciário da LER, é um dos fatores fundamentais para a instituição dessa doença no Brasil.

Outra contribuição importante para que se difundisse no Brasil o conhecimento médico sobre a LER entre os médicos do trabalho também veio de Belo Horizonte, desta vez de um médico do trabalho, Hudson Couto16, procedente da iniciativa

empresarial privada e também da academia, que escreveu talvez o primeiro livro médico sobre o tema no Brasil, intitulado Guia Prático: tenossinovites e outras lesões por

16 O autor apresenta-se respaldado pela experiência de dez anos como médico do trabalho, chefe de

saúde e segurança de importante setor metalúrgico mineiro, professor titular de Fisiologia e com especialização em Ergonomia nos Estados Unidos, além de assessor e consultor técnico em saúde ocupacional, referendado por uma seqüência de nomes constantes nos agradecimentos, que incluem