• Nenhum resultado encontrado

Identidade de classe/raça: relevância para a pedagogia de ensino de línguas

PRODUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL

2.7 Linguagem, identidade social de classe/raça e a pedagogia de ensino de línguas

2.7.2 Identidade de classe/raça: relevância para a pedagogia de ensino de línguas

Um ponto importante que deve ser mencionado aqui se refere a como as instituições

públicas de ensino lidam com a questão de classe social e raça. De acordo com Azevedo (2012), “ao frequentemente trabalhar sob um viés monocultural, a escola simplesmente ignora

o caráter de construção dos discursos e das identidades sociais, orientando-se para a diluição das diferenças” (AZEVEDO, 2012, p. 55). Ou seja, as instituições de ensino não

problematizam as categorias sociais de classe e raça (o porquê do privilégio de determinadas

classes/raças em detrimento de outras), funcionando, assim, como instrumentos que mantêm

as hierarquizações sociais. No que diz respeito ao processo de ensinar e aprender línguas,

observa-se como o racismo opera ao desqualificar os corpos negros, excluindo-os do processo

de aprender línguas estrangeiras. De acordo com Mastrella (2007) e Norton (2000), a língua

inglesa é um capital simbólico associado à classe dominante (geralmente composta por

pessoas brancas de olhos claros), de acordo com um discurso dominante que legitima tal fato. Ferreira (2009) enfatiza que “o racismo pode ser poderoso porque ele comunica para os

alunos negros que eles não têm uma posição privilegiada no ambiente da escola, nem na sociedade como um todo (...). A ênfase na cor ‘negra’/‘preta’ está frequentemente associada

com aspectos pejorativos e negativos que demonstram como a negritude é construída

(Ferreira, 2009, p. 07). Não obstante, embora existam leis em documentos educacionais

oficiais26 que tratem de questões acerca de identidades sociais de raça e diversidade étnico-

racial e a importância de inserção de tais temas no currículo escolar, observamos que no

26 A exemplo: Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira do Ensino Fundamental (BRASIL,

1998, p. 27); Lei 10.639 de 2003 e 2005 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica (BRASIL, 2003; BRASIL, 2005, p. 08). Para mais informações, consultar Ferreira (2012, p.22-23).

49 contexto de sala de aula esse assunto ainda não é contemplado e quando é abordado, não é

problematizado criticamente (SOLÓRZANO e YOSSO, 2001; GILLBORN, 2000;

FERREIRA, 2012; AZEVEDO, 2012).

De acordo com Ferreira (2012) existe ainda um abismo entre teoria e prática. Portanto, é

de fundamental importância que a escola27 comece realmente a trabalhar questões referentes à

classe e raça de modo a formar profissionais mais capacitados e mais reflexivos que possam

compreender melhor como a linguagem funciona como prática social sendo, portanto, um

lugar onde identidades são construídas e reconstruídas incessantemente. É importante trazer

para a sala de aula discussões sobre identidade de classe e de raça/etnia, problematizando-as, refletindo com os nossos alunos “a respeito dos tipos de discursos sobre os corpos negros que

têm circulado nas salas de aula e intervir nesses discursos, tornando a escola um espaço

reflexivo sobre as práticas discursivas que nos constroem” (AZEVEDO, 2012, p. 55). Assim,

as instituições de ensino28 estariam cumprindo o seu papel de instituição social que forma

sujeitos críticos e reflexivos. Ferreira (2012) assevera que uma educação antirracista29 pode

ser uma estratégia imprescindível para acionar a reflexão dos sujeitos-alunos sobre como o discurso veicula “verdades” referentes à raça.

27

Como professor da rede pública de ensino médio e superior, acredito que a universidade seria um instrumento social auspicioso, responsável pela produção de recursos humanos de excelência (professores reflexivos, não simplesmente aplicadores de teorias linguísticas, mas, principalmente, produtores de teorias, usando o espaço sala de aula como um lugar de investigação) para trabalharem na educação básica.

28

Mais uma vez ressalto a importância das instituições de ensino superior que estariam formando sujeitos professores crítico-reflexivos que, por sua vez, atuariam no ensino fundamental e médio com uma base teórica mais consistente para discutir/problematizar temas de impacto e relevância social na atualidade. Gênero, raça, sexualidade e etnia são temas que estão sendo foco de muitas investigações científicas contemporâneas cujo escopo é a desnaturalização de paradigmas fixos, estáveis e engessados que giram em torno de tais temas.

29 Uma educação antirracista (TROYNA &CARRINGTON, 1990; DEI, 2000; GILLBORN, 1995; GILROY,

1992; HALL, 1985) “refere-se a uma vasta variedade de estratégias organizacionais, curriculares e pedagógicas como o objetivo de promover a igualdade racial e para eliminar formas de discriminação e opressão, tanto individual como institucional. Essas reformas envolvem uma avaliação tanto do currículo oculto como do currículo formal” (FERREIRA, 2006, p. 53). Dei (2000) nos apresenta algumas características de uma educação antirracista, a saber: o antirracismo desafia as definições do conhecimento “válido” e interroga como o conhecimento é produzido e repassado, tanto nacionalmente como globalmente; questiona a marginalização de certas vozes na sociedade, desligitimização/desvalorização do conhecimento e experiências de subordinados/grupos minoritários; questiona o papel das instituições na sociedade (escola, casa/família, museus, local de trabalho, artes, justiça e mídia) ao reproduzirem desigualdades com relação a raça/etnia; reconhece a necessidade pedagógica para confrontar o desafio da diversidade e a diferença em responder às preocupações e aspirações das minorias (DEI, 2000, p. 34 apud FERREIRA, 2006, p. 54-55).

50 Também de acordo com Ferreira (2012, p. 26) a teoria racial crítica30 “fornece uma

maneira de desenvolver essa discussão”. A prática pedagógica31 que aborda questões referentes à raça/etnia, de acordo com essa pesquisadora, “contribui para a educação dos/as

alunos/as para que eles/as possam tornar-se pensadores críticos” (FERREIRA, 2012, p. 26),

sujeitos sociais que atuem no mundo social, desconstruindo paradigmas culturais e estruturais

da educação que mantêm subordinação de posições de classe e raça dentro e fora da sala de

aula.

30 Segundo Ferreira (2006), “a teoria racial crítica é uma perspectiva que tem sido usada recentemente no campo

educacional, sobretudo no contexto dos Estados Unidos, para examinar as experiências de estudantes africanos- americanos (African-American). De acordo com Delgado & Stefanicic (2000, p. xvi), ‘a Teoria Racial Crítica surgiu em meados dos anos 1970 com o trabalho de Derrick Bell (um africano-americano) e Alan Freeman (um branco). Os dois estavam extremamente cansados do passo lento da reforma racial nos Estados Unidos’. Teoria Racial Crítica é vista como uma resposta das falhas do estudos críticos legais (Critical Legal Studies – CLS). Apesar de a teoria racial crítica ter sido usada principalmente no campo de pesquisa legal, Ladson-Billings & Tate (1995) são conhecidos por introduzi-la no campo educacional” (FERREIRA, 2006, p. 51). Ferreira (2006) afirma que desde então, muitos pesquisadores (BELL, 2003; FERREIRA, 2004; LYNN, 1999; TATE, 1997; TAYLOR, 2000, dentre outros) têm aplicado a abordagem da Teoria Racial Crítica como referencial teórico e analítico no campo da pesquisa educacional. De acordo com a pesquisadora, alguns dos elementos que formam base para o modelo da teoria social crítica são: a teoria social crítica vê o ‘racismo como endêmico’ na sociedade; critica e desafia a afirmação de “neutralidade, objetividade, o não ver cor (color-blindness) e meritocracia (LADSON-BILLINGS & TATE, 1995, p.55-56 apud FERREIRA, 2006, p. 52); a teoria social crítica desafia a opressão racial e o status quo, e, algumas vezes usa a forma de ‘contar estórias’ (storytelling), em que escritores analisam “mitos, pressuposições e sabedoria recebidos que mascaram a cultura comum sobre raça e que invarialvelmente prestam serviço para fazer com que os negros blacks e outras minorias se sintam derrotados” (DELGADO & STEFANICIC, 2000, p. xvi apud FERREIRA, 2006, p. 52). Ao se embasar em Ladson-Billings (1999), Ferreira (2006) assevera que “um dos princípios essenciais da teoria racial crítica é que as narrativas e “estórias” são importantes para entender suas experiências e como essas experiências podem apresentar uma confirmação ou contra-argumentar acerca de como a sociedade funciona” (FERREIRA, 2006, p. 54).

31 Embora essa discussão se refira à “prática pedagógica” em seu sentido geral, aplica-se, mais especificamente,

51

Capítulo 3