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PRODUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL

2.7 Linguagem, identidade social de classe/raça e a pedagogia de ensino de línguas

2.7.1 Linguagem e identidade: implicações para o ensino-aprendizagem de línguas

Falar uma língua estrangeira não é apenas reproduzir mecanicamente palavras,

estruturas linguísticas ou emitir sons descontextualizados: significa produzir significados que

situam o indivíduo no mundo social dando a este determinada posição identitária. Sendo

assim, é importante que reflexionemos sobre crenças que subjazem à nossa prática

pedagógica: “crenças em relação não só ao processo de ensino-aprendizagem, mas também às

noções de linguagem, identidade, produção de conhecimento e a articulação de tudo isso com o meio social” (AZEVEDO, 2012, p. 55). Como venho afirmando até aqui, ao entender língua

45 criar possibilidades de intervenção no mundo social, através de nossas práticas, reflexões e

ações. Nesta seção apresento e tento discutir duas implicações importantes que o conceito de

linguagem e identidade (abordado neste trabalho) traz para a questão de ensino e

aprendizagem de línguas: 1) a necessidade de lançarmos um olhar crítico a teorias/hipóteses

que ditam o que é normal no processo de ensino e aprendizagem de línguas, 2) o contexto

chamado sala de aula, concebido não como um lugar neutro de transação pedagógica, mas

como um ambiente onde identidades são (re) produzidas.

Investigadoras como Mastrella (2007); Mastrella-de-Andrade (2011); Norton (2000);

Norton & Toohey (2004); Norton & Pavlenko (2004), dentre outros pesquisadores, sinalizam

a necessidade e urgência de lançarmos sempre um olhar crítico a teorias e hipóteses que ditam o que é “normal”, “natural” e “aceitável” em relação ao que está envolvido no processo de

ensino e aprendizagem de línguas. De acordo com as pesquisadoras citadas anteriormente, as

teorias e hipóteses concernentes ao ensino e aprendizagem de línguas, através de um discurso legitimado, lança o modelo do “bom aprendiz de línguas” (o sujeito motivado, extrovertido,

desinibido, atento aos detalhes, que procura oportunidades para praticar a língua-alvo, etc.)

sem levar em conta o contexto social onde o sujeito se encontra; sem argumentar que esses

fatores afetivos (ansiedade, inibição, etc.) são construídos socialmente e não são traços

permanentes da personalidade dos aprendizes.

O discurso dominante25 tenta excluir aqueles que não se encaixam no perfil do “bom aprendiz de línguas”. Escamoteado nas diversas teorias de ensino e aprendizagem de línguas,

força o aprendiz a responsabilizar-se pela própria aprendizagem e progresso em relação ao

investimento (NORTON, 2000) que faz na aprendizagem de uma língua estrangeira.

25

De acordo com Foucault (1996), um discurso dominante é aquele que tem o poder de determinar o que é aceito ou não em uma determinada sociedade. É ele quem produz uma verdade (sendo, portanto essa verdade arbitrária), legitimando um certo campo de enunciados/verdades e marginalizando outros.

46 Aprender uma nova língua significa construir significados, é um processo de negociação

contínua entre a identidade do sujeito em relação ao contexto social mais amplo, regido por

relações assimétricas de poder (NORTON & TOOHEY, 2001). Porém, de acordo com Mastrella (2007), as “oportunidades de aprendizagem (reais e concretas) não são

democraticamente disponibilizadas, mas servem para reproduzir e manter as desigualdades e exclusões que já existem” (MASTRELLA, 2007, p. 303). A sala de aula se constitui como um

dos campos férteis, responsáveis pela veiculação desses discursos reguladores que excluem.

Mastrella (2010) ressalta que o contexto específico de aprendizagem de línguas,

enquanto lugar habitado por identidades fragmentadas, não é espaço neutro de transação pedagógica, mas lugar de hierarquias definidas. O desafio então reside em questionar as teorias que normalizam, isto é, de antemão decidem o “normal” na sala de aula. Assim, podemos então questionar de que maneira a sala de aula abriga práticas interacionais que excluem, concedendo direito à voz apenas aos que apresentam determinados requisitos considerados aceitáveis. Cabem, aqui, por exemplo, perguntas do tipo: quem pode falar na sala de aula? Quem pode responder? A quem é dado crédito e valor? De que maneira a sala de aula estrutura as chamadas interações comunicativas, consideradas de grande importância para a aprendizagem? Quem pode delas participar? (MASTRELLA, 2010, p. 115).

As palavras de Mastrella (2010) demonstram que a sala de aula não constitui um

ambiente onde as coisas acontecem de maneira natural, mas, sim, um contexto marcado por

relações de poder. A autora continua argumentando que

as identidades, também não são entidades neutras, mas imbricadas constantemente em relações desiguais de poder. Isso implica, por exemplo, no fato de que determinadas identidades possuem maior acesso, maior prestígio, maior aceitação, etc., do que outras. Dessa maneira, o processo de ensino/aprendizagem de LEs é marcado como espaço de produção identitária, ou seja, lugar onde as pessoas são constantemente identificadas (segundo os discursos circulantes que ditam verdades) como bons/maus aprendizes, que possuem ou não uma boa pronúncia, etc., sendo- lhes garantido ou negado acesso a diferentes possibilidades (MASTRELLA, 2010, p.114).

Poderíamos ainda questionar sobre o que motiva o silêncio de alguns alunos, que

história de vida eles trazem consigo, como essas pessoas são vistas nas comunidades de onde

47 são construídas dentro desse contexto escolar. Com base em que tachamos os nossos alunos

como bons e/ou maus aprendizes? Estamos inovando o nosso ensino, trazendo para a sala de

aula, atividades interativas que permitem àqueles alunos que falam menos, oportunidade para

praticar a língua-alvo? Tiramos um tempo para conversar com os nossos alunos, escutar suas

histórias de vida (seus medos, seus desejos e anseios, etc.), compreender suas lutas, seus

esforços rumo à apropriação da língua alvo, apesar das dificuldades sociais enfrentadas por

eles? Nós, como professores pesquisadores e reflexivos, devemos fazer o contradiscurso,

fazendo que os discentes entendam o poder da linguagem e o porquê de algumas de suas

limitações.

O professor precisa entender que ensinar uma língua estrangeira não é se limitar em

transmitir conhecimentos linguísticos, descrevendo a língua como um sistema de signos que

deve ser aprendido através de exercícios e repetições mecânicas. O aluno deve ser incentivado

a produzir sentidos na língua estrangeira, através da interação em sala de aula com os seus

colegas e professores, concebendo o outro (a diferença) como alguém importante na

constituição e definição de sua própria identidade. Dessa forma, o aprendiz vai ser capaz de

(re) significar-se na língua alvo, e, (re) significando-se, torna-se mais consciente do papel da

linguagem e o poder que ela desempenha na sua formação dentro de determinado contexto

social, impregnado por relações desiguais de poder.

São muitas as implicações que as novas concepções de linguagem e identidade têm

trazido para o processo de ensino-aprendizagem de línguas. Destaquei apenas duas dentre as

muitas implicações relacionadas ao redimensionamento do papel da linguagem e da

identidade nesse processo. O objetivo desta seção não foi esgotar teoricamente essas questões,

mas apresentá-las como forma de incitar novos desafios e pesquisas sobre o assunto, pois

48 está associada a relações desiguais de poder, tendo sempre um olhar crítico para teorizações

que tratam das relações humanas de maneira natural e/ou homogeneizante.