PRODUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL
2.5 Sobre identidades: linguagem como estrutura e agência humana
Se o discurso21 posiciona os indivíduos, dando a eles posições de sujeitos, existe
também a possibilidade de os sujeitos aceitarem ou não essas posições identitárias, impostas pelo discurso. Foucault (2011, p.15) salienta que “não há relação de poder sem resistência (...)
toda relação de poder implica, portanto, ao menos de forma virtual, uma estratégia de luta”.
De acordo com esse filósofo, o discurso é responsável tanto pela veiculação, produção e
reforço do poder como também por sua desestruturação, debilitação e, portanto, neutralização (FOUCAULT, 1988, p. 96). Weedon (1997) argumenta que “onde há um espaço entre a
posição de sujeito oferecida por um discurso e o interesse individual, resistência a essa posição de sujeito é produzida” (WEEDON, 1997, p. 109). As identidades são produzidas na
linguagem (onde estão envolvidas questões de poder), em situações de conflito, sendo,
portanto, negociadas constantemente já que umas são construídas em oposição a outras.
Nesse sentido, é evidente que identidades de prestígio são construídas, fabricadas em
relação àquelas destituídas de valor social. O poder disciplinar22 (FOUCAULT, 1977) cumpre
21 Discurso, nesta investigação, tem por base o pensamento de Michel Foucault (1970). Para o autor, discurso é
um conjunto de ideias que são organizadas por meio da linguagem. O filósofo analisa a formação e manutenção dos discursos a partir de questões de poder, ideologia e controle social. Entende discurso como algo que sustenta e ao mesmo tempo é sustentado pela ideologia de um grupo, classe e/ou instituição social.
22 De acordo com Foucault (1977), o poder disciplinar é uma nova estratégia para o exercício do poder de
castigar, não o castigo do corpo literal, a exemplo, esquartejamento corporal como acontecia antigamente em praças públicas com a finalidade exemplar. Ao contrário, é um novo regime de governo onde a questão do poder
41 a sua função, seu objetivo, através da imposição de uma “conformidade” que deve ser
atingida. Ele normaliza, molda os indivíduos em uma direção daquilo que estipula como
certo, um padrão a ser seguido. Os sujeitos são assujeitados a esse tipo de poder que, por sua
vez, é veiculado por um discurso legitimado por instituições sociais que ditam o que é certo e
errado, usando técnicas disciplinares que avaliam, classificam e objetificam os sujeitos de acordo com o que é “certo”, “natural” e “normal”. Tendo em mente que “onde há poder há
resistência” (FOUCAULT, 1988, p. 91) e que “não há relações de poder sem resistência”
(MORRIS&PATTON, 1979 apud NORTON, 2000, p. 15) os sujeitos têm a possibilidade de
exercer agência humana23, no sentido de resistir a esse discurso inexorável e normalizador que
tenta construir corpos dóceis, obedientes e acríticos. Mastrella-de-Andrade (2011), seguindo o
raciocínio foucaultiano, apresenta algumas alternativas que poderiam ser adotadas com a
finalidade de denunciar o que o poder disciplinar escamoteia em seu interior, objetivando
desestruturá-lo. A autora argumenta que
nesse caso, não passa exatamente pela necessidade de extinção do poder ou pela possibilidade de relações isentas de assimetrias, mas sim pela problematização e desnaturalização dos discursos que formam e sustentam o poder (na verdade, um saber/poder), até mesmo por perguntas que questionam a fixidez das regras da vida humana, como, por exemplo: “a quem interessa isso?” ou “por que isso é dito aqui, deste modo, nesta situação e não em outro tempo e lugar de forma diferente?” (MASTRELLA-DE-ANDRADE, 2011, p. 351-352).
é concebida a partir de um saber, de técnicas, de discursos científicos que se formam, se entrelaçam sobre a prática do poder de punir e, assim, produz o sujeito moderno. O poder disciplinar tem como objetivo adestrar os sujeitos sociais. Segundo Foucault (1977), o sucesso do poder disciplinar reside no uso de instrumentos simples, naturalmente operacionalizados nos regimes desse tipo de poder, sendo alguns mecanismos de seu exercício o exame, a confissão e a instauração da vigilância. Esses mecanismos participam da formação dos sujeitos a partir das diversas áreas (educacional, religioso, a exemplo) que, de certa forma, integram-se para produzir o indivíduo, pois age na mente desses sujeitos, tornando-os membros “dóceis” mais ativos e produtivos no mundo social.
23 De acordo com Norton (2000), agência humana se refere à possibilidade que os aprendizes de língua têm em
reivindicar e construir para si, por meio da própria linguagem, identidades alternativas mais poderosas e, portanto, dignas de mais prestígio e respeito social.
42 De acordo com a pesquisadora, não haveria outro lugar para questionar o poder
disciplinar, legitimado pelo discurso, a não ser pelo próprio discurso: o chamado
contra-discurso.
Essa resistência se faz por meio de questionamentos incisivos e problematização. Mais
uma vez, faço questão de afirmar que é pelo uso da própria linguagem que se pode chegar à
desnaturalização e à quebra de discursos que sustentam o poder opressor e excludente nas
diversas esferas sociais. Neste caso, está em questão a área de ensino e aprendizagem de
línguas, onde certas posições de sujeitos são impostas pelo discurso que dita regras sobre
quem pode e quem não pode aprender uma língua estrangeira (discutirei essa questão mais a
frente). Mas, o que leva os sujeitos a investirem na aprendizagem de uma língua estrangeira?
A seção seguinte buscará discutir essa pergunta.
2.6 Língua estrangeira e identidade: sobre a questão do investimento
Na contemporaneidade, a linguagem tem se tornado um meio de comunicação
imprescindível na integração entre os vários povos do planeta. Dentre as várias línguas
faladas no mundo, a língua inglesa é a principal responsável pela maior parte da comunicação
da rede social bem como a segunda língua mais falada no mundo, devido ao status que tem
alcançado até então (LE BRETON, 2005). O número de falantes de inglês já ultrapassa, em
grande parte, o número de falantes nativos dessa língua, o que faz com que o inglês seja a
lingua franca das nações (MOITA LOPES, 2005, p. 06). No Brasil falar inglês está associado a posições identitárias de mais prestígio. A língua inglesa constitui-se como um capital
simbólico que dá ao sujeito oportunidades de participar em determinadas comunidades de
prática. Se o indivíduo não fala inglês, perde muitas oportunidades de estabelecer relações