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Identidade Mimética

No documento marinacarvalhofreitas (páginas 95-97)

4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS E DISCUSSÃO

4.3 CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS

4.3.1 Identidade Mimética

Denomina-se como identidade mimética as construções identitárias que se caracterizam pela assunção de características ou comportamentos que são comuns a outros grupos sociais que não o de origem. Segundo o dicionário Michaelis, mimetismo significa: “1. Capacidade de certos organismos de adaptarem-se ao meio em que vivem, assumindo características que os tornem confundíveis com outras espécies ou com o próprio ambiente; 2. Processo de mudança e adaptação a uma nova situação.”10 Nesse sentido, o mimetismo é aqui compreendido como o

10 Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=mimetismo. Acesso em: 20 jan.

processo de adaptação frente às injustiças sociais que fazem com que indivíduos assumam comportamentos de outros grupos, na busca de camuflagem e reconhecimento.

Como discorrido ao longo desta pesquisa, existem construções sociais e históricas que definem atributos pessoais e ambientes mais privilegiados, mais dotados de reconhecimento e valor que outrem, estereótipos de reconhecimento ou de estigmatização, bem como grupos estabelecidos e outsiders. Isso fez com que alguns indivíduos ou grupos menos favorecidos,

outsiders, tentassem ocultar algumas de suas características, além de assumirem

comportamentos de outros grupos como forma de se sentirem parte dos “estabelecidos”.

Eu não consigo me sentir como um gay que seja potencial para esse preconceito, porque hoje eu adoto um padrão estético mais normativo, que é o que a sociedade espera. Então, muitas vezes, isso é mais aceitável. (Lucas)

Porque a gente tende a, primeiro, esconder esse lado nosso na vida profissional, tipo, nossa, não posso falar da minha sexualidade ou nada relacionado a ela: não posso falar que tenho namorado, não posso falar que sou casado. (Augusto)

Você não vê uma realidade, por exemplo, que foi a minha por muitos anos, uma menina negra com um cabelo alisado. (Maitê)

Nos depoimentos acima, visualizam-se sujeitos que, de certa forma (conscientemente ou não), assumiram comportamentos de outro grupo, buscando ocultar ou ocultando em algum momento de suas vidas o fato de pertencerem ao grupo de minorias. Isso é evidenciado na medida em que dizem vestir roupas mais “normativas”, não falam a respeito de suas sexualidades e alisam o cabelo.

A estratégia de mimetizar tem por objetivo camuflar os estigmas historicamente vivenciados nesse novo espaço social que é a universidade. A universidade é vista como uma possibilidade de ascensão em relação ao passado, pois abre possibilidades que o grupo social de origem não teve. A necessidade de pertença a grupos valorizados socialmente é predominante, uma vez que se trata de um reconhecimento social que é oposto ao do estigma.

Entre os participantes da pesquisa, verifica-se que essa configuração identitária foi assumida por vários deles em seus processos de socialização inicial. No entanto, essa configuração traz repercussões subjetivas relacionadas ao estranhamento de si mesmos e à impotência ao não se sentirem aceitos, nem em condições de acompanhar os hábitos dos grupos escolhidos.

Eu por exemplo, não queria chegar em um espaço comum da universidade, que era um sonho meu, há muito tempo... eu tentava passar na universidade e chegar aqui e simplesmente não me encaixar, não estar perto do pessoal. Então, na época que eu entrei eu trabalhava né, então eu tinha... no meu primeiro período eu gastei muito

dinheiro com festa, gastei muito dinheiro que eu não tinha, que eu não podia gastar para me sentir enturmado, para ir em calourada, choppada... e esse tipo de coisa. Demorou um tempo também, e aí, como você falou do seu processo, também demorou um tempo para eu falar assim: “não, não é neste ambiente que eu quero estar, não é aqui que eu quero ficar, e eu não tenho dinheiro para isso.” Então essa questão também é interessante né. Porque eu, e para essas pessoas, também me ver pode ser essa quebra né, esse estouro da bolha, é muita doideira isso. (Lebron)

Eu também não tive coragem [falar sobre sua orientação sexual]. Até eu me sentir seguro o suficiente para poder perceber que aquilo ali não seria uma zombaria e que seriam pessoas falando abertamente, porque elas são bem resolvidas ou no sentido de conseguir falar. É, publicamente foi um processo. Não foi tipo “nossa, um mês aqui e eu já estou confortável em conseguir falar abertamente. ” Mas, foi aprendendo diariamente que homens de saia, com vestimenta feminina, e outras peculiaridades, vamos colocar assim... que a gente não vê tão presente nos outros institutos, que foi me dando liberdade e conforto de conseguir falar para mim mesmo, de não ter mais vergonha se alguém me perguntasse sobre a minha sexualidade e eu virar e falar assim: “ah, então... eu fico com meninos mas também se tiver uma menina eu fico. ” Não, eu fico com meninos e ponto. Então, foi um processo de conseguir para mim mesmo. Por que que as pessoas aqui podem, não sentem vergonha de admitir isso e por que eu que tenho que continuar vedando isso e mensurando até que ponto eu posso falar abertamente. Foi um processo, mas que num primeiro momento me causou um estranhamento, de tão livre que era esse local de fala, sabe?! (Lucas)

Esse último depoimento pode ser articulado com pesquisas sobre a quantidade de homossexuais que não se assumem, que não “saem do armário”. Sedgwick (2007, p. 36) afirma que “o reconhecimento dessa desproporção não significa que as consequências de atos como a saída do armário possam ser circunscritas dentro de limites predeterminados, tais como entre os domínios ‘pessoal’ e ‘político’, nem requer que neguemos quão poderosos e destrutivos tais atos podem ser”. A autora discorre sobre a limitada influência das revelações individuais quando comparadas às opressões em grande escala, que já foram institucionalmente materializadas.

Em suma, o processo de manter uma identidade com características que não são as suas revelam a interiorização de estigmas referentes ao grupo de pertença original, o receio vivenciado na relação com os estabelecidos e o desejo de pertencer e de ser reconhecido socialmente.

No documento marinacarvalhofreitas (páginas 95-97)