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4.3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS

4.3.1 Identidade negra

Nessa categoria, a palavra identidade é entendida, enquanto base de uma investigação científica; dessa forma, busca-se a identidade do docente negro para além da primeira vista (senso comum), a partir de estudos que têm essa temática, sobretudo no que diz respeito às ciências humanas, ou melhor, estudos na construção de tal conceito. Assim, inspira-se em Neusa Santos Souza (1983), a partir da contribuição do livro Tornar-se negro. As vicissitudes da Identidade do Negro Brasileiro em Ascensão Social, que apresenta algumas categorias primordiais para entender a representatividade do(a) negro(a) na sociedade brasileira, racista e capitalista. Desse modo, para a realização da análise das entrevistas (semiestruturadas e reflexivas), utilizam-se as categorias propostas pela autora; são elas: a representação que o negro(a) tem de si; a representação do corpo; ser e não ser negro; ser o melhor; negar as tradições negras; não falar do assunto (silenciamento); o preço da ascensão. Sendo

assim, essas categorias convocam vários fatores: históricos, psicológicos, culturais, políticos, econômicos, sociais, ideológicos, e são o ponto em comum na experiência das entrevistadas, dos entrevistados, pois, ao sistematizar as falas desses, pode-se constatar que essas dialogam diretamente com a construção da identidade negra brasileira. Portanto, compreendem-se três aspectos inseparáveis: o ser pessoal, subjetivo; o ser étnico, racial; o ser profissional na construção da identidade negra. Sabe-se que os sujeitos escolhidos para a realização desta pesquisa são professoras e professores, especificamente, da disciplina educação física. E foram selecionados pelos temas da dissertação, publicações e/ou apresentações dos relatos de experiências promovidos nas EMEFs, eventos (seminários), participações em grupos de estudo,33 que têm como foco a Educação das Relações Étnico-Raciais. Do mesmo modo, constata-se que a temática étnico-racial, racial ainda é interpretada, enquanto assunto que diz respeito, especificamente, à população negra. Porém, isso não significa que não há docentes brancos e não negros na rede municipal de ensino de São Paulo desenvolvendo essa temática; mas, nesse estudo, percebeu-se um ponto em comum, isto é, todos os docentes selecionados são negros.

Pode-se identificar que todos os docentes se autodeclaram negros (em concordância com a caracterização dos sujeitos da pesquisa apresentada na introdução), e isso é um avanço significativo para os saberes identitários no âmbito escolar. Isto posto, a finalidade de construir a educação física antirracista nessa instituição social implica em reconhecer os espaços de disputas, isto é, a disputa epistêmica, política e identitária.

Representatividade das meninas negras, meninas não negras, mulheres negras nas aulas de educação física

Tendo em vista as ações pedagógicas antirracistas, insiste-se nas práticas pedagógicas comprometidas com a perspectiva interseccional, considerando a representatividade das meninas negras, meninas não negras, mulheres negras nas aulas de educação física, uma vez que o diálogo sobre essa representação social exige o entendimento de suas denúncias e lutas, ou seja, outras noções de cidadania mencionadas no capítulo três. Nessa perspectiva, é possível notar os comentários

33 Para maiores informações, conferir em: http://yle-educare.wixsite.com/educare/pesquisadores.

referentes à contribuição das aulas de educação física para a construção da identidade étnico-racial das crianças e dos adolescentes, no sentido de demonstrar a necessidade de romper com a sub-representação das meninas negras e das meninas. Assim, as entrevistadas relatam:

Por exemplo, as meninas negras participam da educação física. Eu vejo uma

participação muito grande dos alunos aqui na educação física [...]. (Professora 1).

Eu gosto de trabalhar com ginástica rítmica, ginástica artística. E aí, a gente via aquela coisa, que você vai para as competições e não tinha muitas negras. E aí, eu fui

levando as minhas meninas, as minhas gordinhas, as minhas negras, pra

participar disso e hoje é tranquilo. Que antes você via mais dentro do atletismo. Na parte da dança e na parte da música era muito mais difícil. E aí, eu sou negra e vamos que vamos. (Professora 3).

Por exemplo, a aluna Diana, negra, que sofre com a questão do racismo, ela fala o tempo todo. E ela [Diana] relatou que, no primeiro momento que a professora

passou o vídeo para eles [os alunos], ela ficou em choque, falou: “É macumba, é macumba. Não posso, não posso, porque eu sou evangélica!”. Aí, quando a gente começou a fazer, né, tocando o tambor, as meninas dançando, aí, ela [Diana] foi se aproximando, se aproximando. E aí, ela [Diana] participou da apresentação. E a professora relatou que, dentro da sala de aula, ela [Diana] mudou o comportamento dela. Ela [Diana] começou a participar das atividades e ficou menos isolada. Ali

[na dança afro] ela [Diana] se encontrou. (Professora 4).

É importante destacar que há, nesse discurso, o conflito entre a cultura de matriz africana (dança afro) e as religiões, na qual o sentido e o significado do termo “macumba”34 é entendido de forma equivocada e generalizada pela sociedade; por conseguinte, pela escola. Assim sendo, toda atividade que tem o tambor, os instrumentos afros são desafios e possibilidades pedagógicas para romper com os discursos, atitudes racistas e/ou preconceitos e promover a pesquisa na utilização do instrumento e na vivência da cultura negra.

Ao retomar o tema (sobre a representatividade das meninas negras, meninas não negras, mulheres negras nas aulas de educação física), a Professora 6 relata: Lá nessa escola que eu criei um vínculo muito grande. E eu dizia para as meninas

pretas, para os meninos pretos: “Você é preta, sim. Aumenta esse P, levanta esse cabelo e vamo que vamo!”. E eu vi que elas gostavam [...].

34 Segundo Rivas (2015), o termo tem dois significados. “A primeira macumba é a tão propalada

religião mágica entendida como o ‘berço’ da umbanda, e a segunda macumba é um estilo musical presente nos salões cariocas esvaziada de conteúdo religioso, mas repleta de ritmo afro-brasileiro que antecedeu o samba [...]”. À vista disso, o termo “macumba” apresenta uma ambiguidade, ora entendido como instrumento musical, ora entendido enquanto conteúdo religioso.

À vista disso, esse primeiro tema enfatiza a participação e o processo de transformação das meninas negras, não negras nas aulas de educação física enaltecendo a importância do vínculo entre docente e discente, o desenvolvimento da valorização e da autoestima positiva das(os) educandas(os) negras(os) (pretas, pretos) na construção de suas identidades afro-brasileiras. Nessa perspectiva, há um ponto que precisa ser destacado, ou seja, a identidade das professoras negras também se constitui, é instável, dinâmica, afeta e é afetada no cotidiano, numa interdependência com os discentes, reconhece e é reconhecida na manifestação do cabelo, na corporeidade negra, na vestimenta, no diálogo, sobretudo na comunicação solidária, na qual todas (docentes e discentes) são igualmente falantes e ouvintes, expressando suas experiências e saberes identitários. Em razão disso, são representações sociais que produzem efeitos positivos. Elas fazem os sujeitos num processo de transformação e resistência sociocultural, sociopolítica e socioeducacional (sem desconsiderar as relações de conflitos, tensões sociais presentes nas instituições que sustentam a ideologia do branqueamento); por isso, a constituição da representatividade negra situada na interseccionalidade é relevante e necessária. Nesse enfoque, o Professor 2 e o Professor 5 não comentaram sobre a questão da sub-representação das meninas negras e das meninas nas aulas de educação física, porém apresentam o tema A representatividade da mulher negra, na qualidade de debate com os discentes.

Conforme viu-se no capítulo 3, a identidade negra mais ampla é entendida enquanto identidade política; assim, no que se refere à construção da identidade política, é indispensável a perspectiva interseccional (raça e gênero) nas aulas de educação física.

A respeito da construção da identidade negra, considera-se que a população negra se autovaloriza a partir do momento que não busca a assimilação com a população branca, mas sim a autoafirmação intelectual, estética, ética, política, no resgaste da história anulada, na recuperação dos valores, por exemplo, das tradições culturais de matriz africana, na reconstrução individual e coletiva negra; isso significa a negritude. Diante do exposto, é importante lembrar que a categoria raça revela a violência denominada racismo (por isso, a negritude é um posicionamento político necessário como resposta a essa manifestação desumana), e também é por meio da articulação da mesma que a população negra se identifica na luta antirracista, ou melhor, opta pela negritude como forma de reconhecimento da resistência.

A partir desse conjunto de temas, pode-se afirmar que, historicamente, a representação que o(a) negro(a) tem de si perpassa por essas questões. Então, esse primeiro assunto apresenta a associação entre a cor negra e a emoção. Isso significa ver o ser negro(a) como um primitivo; logo, a emoção precede a razão, por isso, é caracterizado(a) como subalterno na comparação com o sujeito branco (um ser intelectual). Aqui, percebe-se que a população negra foi e é estigmatizada, alocada a uma posição inferior (do ponto de vista cultural e intelectual) nas relações raciais hierarquizadas, com base na falsa ideia de incapacidade intelectual e natural de ser negro(a). Sobre isso, a entrevistada relata a sua experiência:

A ideia do subalterno falar. Por que a gente não pode falar? A gente só tem que

ouvir e agradecer? E responder: Sim, senhor! Vosmecê tem razão, né!? E a gente só faz isso? Então, era sempre um incômodo [...]. (Professora 6).

Esse incômodo que a Professora 6 apresenta demonstra a ideia historicamente construída de que ser negro(a), na sociedade brasileira (racista, capitalista, machista), é ser inferior, portanto, pode-se emitir uma opinião, após pedir licença à sabedoria científica branca, esperando ser autorizado(a) a falar, pois, por ser negro(a), o discurso é excluído, uma vez que a dita “pobreza intelectual” é uma consequência do racismo, do preconceito racial, da discriminação racial, ou seja, das violências e, se permitido falar, é desvalorizado(a), porque não é uma fala legítima, é uma consequência proporcionada pelos bons modos brancos. Essa crítica expõe a existência da rejeição e ratifica a relevância do processo de autovalorização da população negra. Desse modo, o trabalho intelectual é extremamente importante, enquanto peça fundamental na luta pela libertação da população oprimida e explorada que, ao descolonizar e libertar o seu pensamento, deixa de ser objeto de representação para buscar o protagonismo da própria história, ou seja, tornar-se sujeito na representação.

Representação do corpo

O segundo tema emerge da representação do corpo; por exemplo, as características físicas do corpo negro, o cabelo crespo, o nariz achatado, lábios grandes, a pele escura, logo, características associadas a seres primitivos. Do mesmo modo, o padrão de beleza eurocentrado (pele clara, cabelo loiro, olhos azuis, etc.) adota para o corpo negro a ideia de feiura e sujeira, desvalorizando, inferiorizando

esse corpo, enquanto objeto e não sujeito, inserido nos parâmetros do racismo à brasileira. À vista disso, o relato do Professor 2 confirma essa interpretação sobre a representação do corpo:

E quando eu era menor, quando eu estava na fase criança, adolescente, eu sempre

ouvi: “Cabelo duro!”. E até certo momento da vida eu ficava refletindo: “Nossa, meu, por que eu não tenho um cabelo igual do David Beckham, por exemplo? De alguém

que é famoso?!” E muitas das vezes isso tira a identidade do próprio ser humano, pois eu comecei a me espelhar em pessoas que não eram de uma cultura próxima da minha, ou que não faziam parte da minha vida. Eu pensava: “Ah! Eu quero ser determinada pessoa porque ele é considerado uma pessoa legal e bacana!” [...].

Sobre isso, a Professora 6 também relata a sua experiência, demonstrando a relevância da manifestação do cabelo no processo de autotransformação, na qualidade de busca pela construção da identidade negra:

Ajudou as minhas ações pedagógicas, ajudou, principalmente, quando eu fiz a

transição de cabelo, na verdade, eu não fiz a transição, eu cortei meu cabelo né.

[...] Eu usei alongamento durante muitos anos, até o momento que eu falei: Peraí! Tem alguma coisa errada nesse espelho aqui! Isso foi em 2014, depois de seis anos usando alongamento. A cada três meses aquele sofrimento todo. Eu pensava: Puxa aqui! Refaz ali! Cansei! E 2014, não era o auge para assumir o crespo. Entrei no salão e falei: Corta! Até as crianças [na escola] olharam e perguntaram: Prô! Posso perguntar? Por

que você cortou o cabelo? Eu respondi: Resolvi ser eu! [...].

Sabe-se que a estética negra na sociedade brasileira está imersa no contexto de negação, rejeição e aceitação do cabelo diante dos conflitos das relações raciais, do racismo, da tentativa de repreender as tradições culturais de matriz africana, ao longo da história, sobretudo na ação de assumir o cabelo crespo. Dessa maneira, a manifestação do cabelo é uma das possibilidades para entender a cultura negra e reconhecer a beleza negra, seus símbolos e significados. Cabe ressaltar, aqui, o cabelo interpretado como resistência, pois observa-se, na atitude da Professora 6, a referência, a identificação étnico-racial, a partir do olhar das crianças negras. É um olhar de aceitação, de encontro à autoimagem positiva, autoestima de também afirmar “Resolvi ser eu”, “Me encontrei” (por exemplo, a aluna Diana, do relato de experiência da Professora 4), ou seja, há a construção da identidade negra, o Eu negro, (identidade étnico-racial, identidade afro-brasileira) num processo de autotransformação na relação docentes e discentes.

Nesse sentido, o Professor 5 relata sobre a representação do corpo, do ponto de vista dos discentes negros em relação ao padrão de beleza eurocentrado:

Quando ele [o aluno] consegue ter a leitura, o significado, eles [os alunos] compreendem alguns aspectos que, até então, era tido de uma maneira pejorativa,

ou, então, não era valorizado, ou, então, era o diferente, porém, diferente, feio,

em relação ao que é padrão [padrão branco].

Entre os problemas que a criança negra, o(a) adolescente negro(a) passa na trajetória escolar, a construção da autoimagem é um deles, pois a estética do padrão branco é a imagem valorizada. Então, a ausência na formação da estética negra, ao longo da história, reafirma e atualiza os discursos racistas. A respeito disso, a Professora 6 afirma que os(as) educandos(as) foram ensinados a gostar, especificamente, do padrão de beleza eurocentrado:

Ele [a criança e o adolescente] não tem culpa. Ele é ensinado a achar que o cabelo

liso e o olho azul é o mais bonito, e os demais é tudo feio [...].

Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a criança negra tem as referências estéticas eurocentradas, logo, traços físicos, cor da pele e outras características que não condizem com a construção da sua autoimagem. Nesse sentido, do ponto de vista da comparação com a criança branca, tanto a educação como a cultura introjetam nos discursos positivos as características dessas crianças (olhos claros, pele clara, cabelo liso, entre outras) que se aproximam ao estereótipo de beleza do padrão branco. Enquanto isso, na tradição pedagógica, o discurso dos valores universais da igualdade supervaloriza esse padrão, não permite questionar o mito da democracia racial, construindo a identidade da criança branca e tornando a criança negra refém da sua própria imagem, ou seja, “a ferida do corpo transforma-se em ferida do pensamento”, pois houve e há a construção e divulgação da imagem negativa da população negra. Dessa maneira, a criança negra, na trajetória escolar, pode adquirir aspectos negativos, isto é, a inferioridade estética, a incapacidade intelectual, consequências, por exemplo, de um processo de comparação, classificação entre as crianças, numa leitura binária que determina, define, por exemplo, quem são as crianças negras, quem são as crianças brancas, com base no modelo de sucesso escolar (branco, inteligente, rico, privilegiado, entre outros), naturalizando e normalizando os dilemas e conflitos vivenciados nas relações raciais. Esse malfeito cultiva a desigualdade racial e social alicerçada pela ideologia e ditadura do

branqueamento, do mesmo modo está no imaginário social brasileiro a negação da pele escura nos padrões de beleza.

Por isso, é necessária e urgente a recuperação da autoestima da população negra que perpassa pela sua própria valorização, envolve intensos processos socioculturais de reconstrução, por meio da resistência e enfrentamento na sociedade como um todo.

Em conformidade com a ampliação dessa análise, encontram-se aqui múltiplos exemplos sobre a representação do corpo negro, desde o sentir-se negro(a) fora do contexto da identidade étnico-racial, de uma maneira acrítica, e o sentir-se negro(a) na construção da identidade étnico-racial numa leitura crítica. Ou melhor, há elementos para realizar a leitura crítica; são eles: a manipulação do cabelo e o processo de apropriação da corporeidade negra, na qual o modelo de beleza eurocentrado é anulado e deixa de ser referência, valorizando a autoimagem.

Ser e não ser negro(a)

Um bom caminho para pensar a questão de classe e raça está no terceiro tema ser e não ser negro, que no imaginário social é descolado dos reais sentidos históricos, ou seja, das condições de vida da população negra entregue à própria sorte (desde sempre); a ideia de que ser negro(a) é ser naturalmente desvalorizado(a). Descreve-se, assim, o estereótipo do ponto de vista cultural, social e econômico; por exemplo, ser negro(a) é morar na favela, ser pobre financeiramente e intelectualmente, logo, é símbolo da miséria, da fome (entre outras características).

A partir das reflexões acima apresentadas, quando se questiona os sujeitos entrevistados sobre a identidade de classe, compreende-se, do ponto de vista histórico, a relação entre classe e raça situadas na possibilidade de ascensão social. Nessa lógica, do ponto de vista histórico, a desigualdade racial é ocultada a partir da ideia de que a raça (o conceito biológico do século XVIII) é inexistente, porém, a apropriação cultural dessa categoria expõe a representação negativa da população negra com base na análise social do embranquecimento (a ascensão de negros e mulatos significava tornar-se brancos), determinando, assim, o seu espaço social e a manutenção da violência simbólica (o racismo) de não se reconhecer como negro(a).

Sendo assim, se o discurso não se sustenta na ideia de raça, a desigualdade social deixará a desigualdade racial subentendida, pois cabe afirmar que a identidade de classe envolve cor, status, cultura e poder econômico; assim sendo, essa política de negação e os mecanismos de silenciamento mantêm a afirmação de que os grupos étnicos são identificados pela classe social e não pela categoria raça que é inoperante. Por isso a classe, tão somente, não pode ser um elemento de avaliação para explicar a manutenção das desigualdades e dos privilégios que correspondem ao padrão branco. Observa-se a identidade de classe dos sujeitos pesquisados que apresenta os termos: classe média, proletário, assalariada, classe trabalhadora. Se isolados, não explanam o problema das desigualdades raciais. Assim sendo, não dá para diminuir a discriminação racial em desigualdade racial, pois, ao reconhecer a identidade negra, a pressão da discriminação racial evidencia que há, na coexistência negra, um ponto em comum; isto é, não importa a classe, toda a população negra encontra-se na situação de excluída no Brasil.

Outra questão que também se apresenta no tema ser e não ser negro é a identidade. Assim, o Professor 2 diz:

Eu sou negro. A partir do momento que existe o branco e o negro! Depois vieram

outras nomenclaturas e que muitas vezes é até pejorativa, por exemplo, o mulato. O mulato tem origem da palavra mula. Então, branco ou negro, eu me considero

negro.

A partir desse relato, é importante relembrar a desconstrução da oposição binária entre brancos e negros, do mesmo modo percebida como uma lógica bivalente (ser ou não verdadeiramente negro, ser ou não ser verdadeiramente branco). assim, considera- se a existência das diferenças entre a população negra no próprio grupo das pessoas que se autodeclaram negras, portanto, diferenças na subjetividade, na experiência de vida, no comportamento, na identidade racial, no caráter, entre outras características; por exemplo, o formato do nariz, o tipo de cabelo, a cor dos olhos e da pele. Lembre- se, portanto, que a identidade é intrínseca à unidade. Assim, a leitura da unidade, por exemplo, ser negro (identidade coletiva), também aponta as suas diferenças, que no processo de discriminação não foge do contexto da comparação e da classificação da própria identidade (identidade individual), com base no padrão branco. Em outras palavras, essas diferenças que constituem a identidade nas relações raciais brasileiras, e coexistem nas diversas regiões geográficas, satisfazem a lógica do padrão branco; ou seja, a pele clara discrimina a mais escura, conforme a aproximação ou

distanciamento desse suposto “status” de ser branco, num procedimento de comparação entre os sujeitos. Dessa forma, há uma regra geral: quanto mais escura a cor da pele, maior a exclusão, pois ser negro, nessa lógica, é ser excluído.

Há nesse processo, também, a relevância dada ao papel da família nas relações raciais, nos discursos raciais, na presença ou não de casos de preconceito racial, discriminação racial. À vista disso, a família é uma instituição de referência que pode construir atitudes antirracistas ou manter o silenciamento, internalizando, assim, atitudes racistas, o preconceito racial. A respeito dessas questões, a Professora 3 relata:

[...] quando eles [os alunos] falam [perguntam]: “Professora como você se vê?”. E eu falo [respondo]: “Ah! Eu sou negra!”. E eles [os alunos] questionam: “Ah! A cor da

minha pele é igual à dela, será que eu sou negro também?”. E aí, você vê que tem famílias

que já trabalha isso e outras não, por exemplo: “Ah! Eu sou moreninho!”. E aqui na

unidade, a gente têm várias professoras negras e professores negros. Nós tivemos um diretor negro. Por isso, é mais fácil trabalhar essa temática [educação das relações étnico- raciais]. A questão da representatividade fica mais forte.

A frase “eu sou moreninho” expõe algumas questões que, do ponto de vista