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3.1 TEORIAS DA EDUCAÇÃO

3.1.1 Teorias críticas do currículo na educação física

Muito se discutiu sobre as teorias pedagógicas da educação física, assim sendo, será realizada uma breve apresentação, com base em estudos de alguns autores e autoras que investigaram a trajetória da área no Brasil, como Bracht (1999), Lavoura, Botura e Darido (2006), Nunes e Rúbio (2008).

Ao longo da trajetória da educação física, conhecida como área que trata pedagogicamente do corpo, este componente curricular constituiu-se por diversas abordagens de ensino que se desenvolveram a partir de estudos em diferentes matrizes filosóficas, isto é, antropologia, sociologia, psicologia, teorias da educação, filosofia, entre outras. Do mesmo modo, a área se fez nas múltiplas tendências curriculares que expressam diferentes pontos de vista e defendem um tipo de sociedade, racista ou antirracista, democrática ou antidemocrática, ou seja, delineando a construção dos sujeitos num tempo, espaço e ensino sócio-político,

caracterizando o papel social da escola, da educação física, fundamentado nas teorias da educação. Em razão disso, há muitas teorias pedagógicas na área, que se constituíram sobretudo a partir da década de 1980.

Em defesa do papel da educação física existiu e existe um debate intenso a respeito de novas propostas que tentam superar as práticas pedagógicas direcionadas tão somente à manutenção do esporte e/ou à proeminência na aptidão física. Assim, especialmente, a partir do final da década de 1970, outras especificações, outros ideais de ser humano e de sociedade surgem dos estudos teóricos da educação, ou seja, a disseminação das ideias críticas, progressistas e socialistas. Desse modo, nas décadas de 1970, 1980, a educação física apropria-se das discussões pedagógicas, com base nas ciências humanas, especialmente, a sociologia e a filosofia da educação de orientação marxista (BRACHT, 1999). Para Oliveira (1994, p. 95),

Os anos 1970 incorporaram elementos da pedagogia ao corpus teórico da Educação Física brasileira, ainda que em sua versão tecnicista, via didática. O velho jargão de que a Educação Física é educação tornou-se realidade. Apenas nos anos de 1980 parece surgir a perspectiva de Educação Física como prática social. Até o final dos anos 1970, apesar de pedagogizada, a Educação Física ainda não era analisada em suas implicações políticas. Nesse cenário, até a década de 1970, a educação física apresentava a intervenção educativa em relação ao corpo (caráter pedagógico), com base na biologia. A educação integral (caráter biopsicossocial) confere à área a especificidade no desenvolvimento da aptidão física e esportiva, porém não considera uma área legítima no âmbito escolar (BRACHT, 1999). É justamente a legitimidade que a educação física buscou e ainda busca na escola, assim como a sua própria identidade que está em crise e precisa urgentemente ser reconstruída.

Segundo Pina (2008, p. 167),

Os crescentes questionamentos que ganharam força na década de 1980 colocaram em crise esse quadro de referências que havia direcionado a educação física por mais de um século. A inflexão na área, configurada como uma crise de legitimidade abriu um período de buscas para se construir a autonomia pedagógica da educação física frente a um quadro histórico de vínculo ao projeto dominante.

É no fim da década de 1970 que muitos debates ocorreram na chamada “crise da educação física brasileira”, dentre eles, a formação profissional, o mercado de trabalho, a política, a ideologia da educação física e do esporte, entre outros. Do mesmo modo, observa-se com cuidado os mencionados processos e percebe-se que

a análise crítica a respeito do paradigma da aptidão física ocasionou o movimento renovador nessa disciplina na década de 1980, pois os docentes renunciaram ao modelo biomédico e à hegemonia do esporte (projeto dominante), demonstrando, por exemplo, a inserção das ciências humanas e sociais no contexto da área (BRACHT, 1999).

Sendo assim, a partir desse período ressaltam-se as seguintes tendências psicomotricidade, desenvolvimentista, construtivista, crítico-superadora, crítico- emancipatória, saúde renovada, parâmetros curriculares nacionais (PCNs), entre outras (DARIDO; RANGEL, 2005).

Diante do exposto, destacam-se as propostas pedagógicas que demonstram a influência das teorias educacionais críticas. Nesse momento histórico (década de 1980), a educação física se viu nas teorias críticas do currículo, motivada pelo pensamento de autores(as) marxistas. Com base nas ideias de Paulo Freire, Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, as abordagens críticas do ensino são manifestadas na área, como, por exemplo, as abordagens denominadas de crítico- superadora e crítico-emancipatória.

Nesse segmento, um importante momento histórico para a educação e, em especial, para a educação física escolar foi a publicação da obra Metodologia do Ensino de Educação Física, realizada pelo Coletivo de Autores (SOARES et al., 1992), na década de 1990. Trata-se de uma obra que expõe a reflexão crítica a respeito da cultura corporal, orientada na pedagogia histórico-crítica que defende a tematização dos conteúdos de maneira crítico-superadora, com o objetivo de formar educandos(as) conscientes da realidade social em que vivem, logo, sujeitos históricos e críticos. A leitura que essa abordagem traz é a interdependência entre os diferentes conteúdos da cultura corporal (dança, ginástica, luta, jogo, esporte) e os problemas sócio-políticos, por exemplo, preconceitos raciais e sociais (PINA, 2008).

Segundo Lavoura, Botura e Darido (2006), fundamentada na análise fenomenológica do movimento, proposta por Merleau-Ponty, de acordo com as contribuições da pedagogia crítica de Paulo Freire, apresenta-se a tendência crítico- emancipatória16. Nessa concepção, defende-se o ensino crítico, o processo de emancipação dos(as) educandos(as); do mesmo modo, considera-se que o

movimento humano é o diálogo do ser com o mundo, sendo esse mesmo ser um ser do mundo, oferecendo o sentido e o significado no “se-movimentar” de ser humano. Para Neira (2018b, p. 100),

Professores que atuam com base nos princípios teóricos da pedagogia crítica não abordam conteúdos desconectados da vida social. As temáticas que compõem o currículo advêm das decisões coletivas estabelecidas com a comunidade escolar. Após a Assembleia de Escola, a Assembleia Docente e a conversa com os alunos, o grupo problematizará uma determinada manifestação cultural a partir dos conhecimentos disponíveis.

A pedagogia crítica tem a proposta de analisar os conteúdos a partir da ótica da classe trabalhadora. Divulga que a relação educação e sociedade é motivada dialeticamente, isto é, a escola é influenciada pela sociedade e vice-versa. Neste sentido, o papel dos(as) educadores(as) críticos(as) está em proporcionar a democratização dos saberes universais. Dessa maneira, entende-se o papel que o ambiente escolar representa no interior de uma sociedade marcada pelas relações de poder e de disputa identitária. Para a concepção da pedagogia crítica, o ser humano constrói a sua própria existência, e tem o dever “[...] de atuar frente às possibilidades históricas de transformação das suas condições de vida desde que possa refletir criticamente sobre a realidade” (NUNES; RÚBIO, 2008, p. 71). Assim sendo, a ideia é eliminar as relações de exploração e opressão no contexto social.

Segundo Pina (2008), é possível falar sobre “Atividade Física e Saúde”, de acordo com o método dialético apresentado pela pedagogia histórico-crítica (essa teoria da educação já foi descrita neste capítulo, considerando a contribuição dos estudos do autor Dermeval Saviani). Assim, o autor revela nessa experiência que inicialmente os(as) educandos(as) reproduziram o discurso dominante, a respeito da relevância da educação física situada na obtenção da saúde por meio da prática de atividade. A partir de uma leitura crítica, construindo com os discentes um novo entendimento, ultrapassando o senso comum, apresentou-se o objetivo geral na unidade didática, ou seja,

[...] conhecer relações existentes entre exercício físico e saúde, a fim de adquirir uma consciência crítica sobre o tema e assumir um compromisso efetivo com a superação dos problemas sócio-políticos atuais que determinam a obtenção da saúde (PINA, 2008, p. 159).

Nesse exercício de análise foi possível perceber que o debate no campo educacional influencia a educação física. Dessa forma, compreendem-se, principalmente, a contribuição da pedagogia histórico-crítica, isto é, a proposta crítico-

superadora, bem como a inspiração na pedagogia crítica de Paulo Freire, denominada de proposta crítico-emancipatória. Do ponto de vista histórico, o atual momento evidencia a diversidade, ou seja, as identidades (cultura, raça/etnia, gênero, sexualidade, deficiência, religião, região, classe social) que ficaram fora do projeto dominante, no país da diversidade; assim sendo, a crise das identidades ocorre dentro e fora do âmbito escolar. À vista disso, em que medida a educação física, quando começa a pensar criticamente a sua trajetória, consegue demonstrar experiências pedagógicas para conquistar o projeto de educação democrático, pautado na diversidade étnico-racial? Esta tarefa exigirá a reconstrução da sua própria identidade, que deverá representar a sua autonomia intelectual.

3.2 EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E CULTURA NEGRA: CAMINHOS PARA UMA