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CAPÍTULO 2: “SOU QUILOMBOLA PELA MINHA ANCESTRALIDADE, PELA

2.3 Identidade negra a partir da negritude

Falar sobre identidade pressupõe pensarmos que ela não é algo inato, mas é uma construção de ser no mundo e com os outros. Sendo assim, a estética da mulher negra, vincula-se ao discurso sobre a identidade do negro, cuja base seria a negritude (MUNANGA, 1986) que passaria pela construção de um novo olhar do negro sobre ele mesmo. Em outras palavras, caracteriza-se por um processo de ressignificação, em que os aspectos da cultura, história e, como consequência, da estética negra fossem valorizados e motivo de orgulho.

[...] Graças à busca de sua identidade, que funciona como uma terapia do grupo, o negro não poderá despojar-se do seu complexo de inferioridade e colocar-se em pé de igualde com os outros oprimidos, o que é uma condição preliminar para uma luta coletiva. A recuperação dessa identidade começa pela aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais, intelectuais, morais e psicológicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os aspectos da identidade. (MUNANGA, 1986, p. 20).

Para compreendermos a identidade negra, a partir da negritude (MUNANGA, 1986), faz-se necessário explanarmos as respectivas influências para o surgimento desse conceito. Inicialmente o movimento pela negritude teve seus expoentes fora da África, isto é, seu provável surgimento se deu nos Estados Unidos, chegando as Antilhas, Europa e posteriormente às Américas. Du Bois27 foi o primeiro a adotar um discurso voltado para o orgulho das raízes negras, considerado o pai do pan-africanismo (movimento de luta pela independência e construção da unidade de países africanos). Por isso, de acordo com

27William Edward Burghardt “W. E. B.” Du Bois, sociólogo, historiador, ativista, autor e editor estadunidense. Nasceu no interior do estado de Massachusetts. Foi o primeiro afro-americano a obter um doutorado na Harvard, onde se tornou professor de história, sociologia e economia na Universidade de Atlanta. Disponível em: https://www.geledes.org.br/w-e-b-du-bois/. Acesso em 10/10/2017.

Domingues (2011), ele é considerado o pai do movimento da conscientização do que é ser negro.

Esse mesmo autor afirma que, em 1920, surgiu uma série de movimentos contra o preconceito e reconhecimento do povo negro: em Nova Iorque, o movimento literário e artístico New Negro; no Caribe, o movimento Negrismo cubano e no Haiti, o movimento de valorização das línguas crioulas e da religião vodu, “o Haiti foi o país em que a negritude se ergueu pela primeira vez” (ZILA, 1984, p. 30 apud DOMINGUES, 2011, p. 27).

A publicação da revista Legitime défense (Legítima Defesa), em 1932, feita por estudantes das Antilhas, em uma única publicação, foi carregada de críticas àqueles escritores que escreviam obedecendo o enredo e forma francesa; a revista defendia a autenticidade na escrita para divulgar a cultura e pensamento negro (DOMINGUES, 2011). Com o mesmo propósito nasceu, em 1934, em Paris uma nova revista intitulada Étudiant Noir (Estudante Negro), na qual se destacou Aimé Césaire28, o criador da palavra “negritude”. Seguindo os mesmos ideais estabelecidos anteriormente, o sentido da negritude está no respeito ao ser negro, na consciência racial e na valorização da cultura de matriz africana, em outras palavras, é um movimento de ruptura. Nessa perspectiva, a negritude tem os seguintes objetivos, segundo Munanga (1986, p. 52):

O exame da produção discursiva dos escritores da negritude permite levantar três objetivos principais: buscar o desafio cultural do homem negro (a identidade negra africana), protestar contra a ordem colonial, lutar pela emancipação dos povos oprimidos e lançar o apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma civilização não universal como a extensão de uma regional imposta pela força - mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares.

Para a construção de uma civilização na qual as particularidades sejam respeitadas, a partir de suas características, o fator globalização mostra-se como um complicador, visto que as identidades sofrem o efeito da busca de uma universalização dos hábitos e culturas, estimulando o tratamento de inferiorização daqueles que estão fora dos “moldes” estabelecidos.

28 Aimé Césaire nasceu no dia 26 de Junho de 1913. Césaire, aluno destaque no Liceu Schœlcher de Fort-de- France conseguiu continuar seus estudos secundários no Liceu “Louis le Grand”, em Paris. Em Setembro de 1934, Césaire fundou com outros estudantes antillo-guianeses e africanos (Léon Gontran Damas, os senegaleses Léopold Sédar Senghor e Birago Diop), o jornal ” L’Étudiant noir. Formado em Letras ele escreveu mais de mais de catorze obras, compilações de poesias, peças de teatro e ensaios. Césaire faleceu em 2008 com 94 anos de idade. Disponível em https://www.geledes.org.br/aime-cesaire/. Acesso em 10/10/2017.

Assim, dos três objetivos da negritude apresentados por Munanga, exploraremos o primeiro: “buscar o desafio cultural do homem negro (a identidade negra africana)”. A questão da identidade dos povos negros envolve um debate marcado pela negação e imposição de outros aspectos culturais, a negação da história. Para Munanga (1986, p. 52), “a identidade consiste em assumir plenamente, com orgulho, a condição de negro, em dizer, a cabeça erguida: “sou negro”. A palavra foi despojada de tudo que carregou no passado, como desprezo, transformando este último numa fonte de orgulho para o negro”.

Isso pode ser observado no trecho da narrativa da interlocutora Amária quando questionada sobre o que representa ser mulher negra: “olha, eu sou quilombola, eu sou negra, eu estou aqui porque muita gente lutou para eu estar aqui. Esse aqui é o meu espaço, é meu direito. Meu espaço eu vou fazer, vou ser alguém aqui dentro, eu vou representar o meu quilombo aqui dentro”. Sua fala revela seu orgulho e identificação com o quilombo, isto é, o fato de ser quilombola para ele é motivo de orgulho e deve ser reconhecido, além disso a consciência do passado histórico de negações, lutas e resistências também ficam marcados por meio de sua fala.

A identidade negra, balizada pela negritude, é engendrada em atitudes e falas mas parte principalmente da consciência do ser negro; na busca de valorização social e tratamento igualitário, ou seja, expressa-se a partir da literatura do negro narrando sua cultura, os mitos e romances afro, da religião negra que foram confiscados e estigmatizados, passando por um discurso como forma de afirmação, pautado por uma personalidade autêntica de reconhecimento e valorização do ser negro.