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CAPÍTULO 3: “É UMA COISA QUE NASCE DE DENTRO DE VOCÊ, DA RAIZ”:

3.1 Narrativas de Histórias de vida: a voz de oito acadêmicas quilombolas

3.1.3 Noelma Martins Alburquerque

[...] Eu morei com a minha tia dos meus 10/11 anos até os 19 anos de idade, eu morei com ela em Dianópolis. Eu estudava, conclui o Ensino Fundamental, depois o Ensino Médio e nessa faixa aí eu já estava trabalhando. Eu comecei a trabalhar com os meus 14 anos de idade em casa de família. Trabalhei em algumas casas cuidando de criança e conclui o meu Ensino Médio em 2010. Eu só consegui estudar mesmo para uma faculdade e consegui passar em 2012. Eu fiz o vestibular do IFTO de Palmas para Agronegócio, que é o curso que eu estou fazendo, e eu passei. Vim morar com uma prima, a Maria Aparecida. Eu trabalhava durante o dia e estudava durante à noite, essa era a rotina que eu tinha durante muito tempo e até atualmente assim[...]

O relato acima descreve parte da trajetória de vida da interlocutora Noelma, acadêmica, em fase de conclusão do curso de Agronegócio no Instituto Federal do Tocantins - Câmpus Palmas. Noelma nasceu no ano de 1993, na cidade de Dianópolis e pertence a comunidade quilombola Lajeado, que fica no mesmo município. Faz parte de uma família de quatro irmãos, sendo três mulheres: Nelma Alburquerque (mora na Bahia); Suzana Alburquerque (mora em Dianópolis); Jéssica Alburquerque (mora com a Noelma em Palmas), e um homem Josivan Alburquerque (mora em Goiânia).

O ingresso na escola se deu aos seis anos de idade, porém ela já sabia ler e escrever, pois era uma prática da mãe ensinar o alfabeto aos filhos em casa e, os irmãos mais velhos ficavam a responsabilidade de ensinar os mais novos.

[...]a minha infância ela foi muito boa [....]Foi uma infância bem tranquila a gente estudava, eu estudava pela manhã. Eu já entrei na escola super tarde, [...] não sei de onde que surgiu isso, que você só poderia ter acesso à escola com seis anos completos. Infelizmente, então eu já entrei bem tarde, mas quando eu entrei

na escola eu já sabia escrever meu nome, eu já sabia ler o alfabeto, eu já sabia fazer algumas continhas porque a minha mãe ela tinha esse hábito de ensinar a gente em casa e às vezes até os nossos irmãos eles ajudavam[...]

A infância da interlocutora foi marcada por brincadeiras infantis com os irmãos e primos mais próximos. Eles mesmos confeccionavam os brinquedos e se divertiam nos quintais, em outros momentos, a avó fazia bonecas de pano para eles se divertirem, chegavam a perder a hora envolvidos nas brincadeiras: “às vezes a minha mãe tinha que buscar a gente para comer ou para tomar banho, essas coisas, porque a gente perdia a hora”. Ela estudou até a quarta série na escola do quilombo e para continuar os estudos teve que se mudar, juntamente com seu irmão, para a cidade de Dianópolis,

[...] por volta dos 10/11 fui morar na cidade com a tia Leoneia e estudar, porque na comunidade infelizmente a escola só oferecia até a antiga quarta série, hoje é o quinto ano, se eu não me engano. A gente foi morar com ela na cidade, então eu convivi com ele [irmão] durante muito tempo, acho que foi o que eu mais convivi. Segundo Noelma, essa prática de mudar de cidade para continuar os estudos é comum no quilombo, isso acontece devido os moradores considerarem a escola de baixa qualidade. Assim, ela morou oito anos com a tia na cidade de Dianópolis, até concluir o Ensino Médio. Posteriormente se mudou para a capital do Estado do Tocantins (Figura1), porque ela pretendia cursar uma faculdade e trabalhar.

[...] eu vim para Palmas tentando buscar uma vida melhor porque na minha cidade, na época quando eu sai de lá, tinha Ensino Superior, mas as condições eram muito precárias, né? Lá só tinha uma universidade que proporcionava o ensino superior, só depois que eu vim para cá, agora mais recente, que além da Unitins32, que atualmente tem um campus lá, tem também o IFTO que tem os cursos superiores. Mesmo com essa chance de ter o ensino superior lá e ter a oportunidade de voltar, se eu pudesse eu voltava, mas a gente acaba que vem para cá e começa a trabalhar, a construir as suas coisas, aí você já vê novos sonhos [...]vão aparecendo outras coisas para você fazer que você vê que não dá para voltar. Eu vim pra cá mesmo assim, era tentando buscar uma vida melhor mesmo, não só para mim mas também para minha família, para meus pais, ajudar de alguma forma os meus irmãos. Desde que vim para cá, eu sempre trabalhei, graças a Deus nunca tive essa boa vida de ficar assim sem trabalhar. E estudei! Estudando e trabalhando desde que vim para Palmas é isso: buscar uma vida melhor! Apesar que o custo de vida aqui ser caríssimo, mas a gente vai lutando né?[...]

A saída do quilombo para Palmas foi motivada pela possibilidade de mudança de vida, isto é, representou a possibilidade de mudança de vida para ajudar os familiares.

Noelma é casada há um ano e meio e está grávida. Seu esposo também é

quilombola e, segundo ela, no início do relacionamento algumas dificuldades apareceram, principalmente por serem primos, mas esses problemas foram superados e hoje moram em Palmas.

[...]o meu marido também é quilombola e é da mesma comunidade que eu, a gente meio que é primo, assim, meio distante. No começo do relacionamento foi um pouco complicado porque tinha aquela história do povo dizer que era parente, apesar de a gente não se reconhecer como parente. Já tenho um ano um ano e meio que estou casada com ele [...]. Juntos mesmo estamos a três anos e meio, mas a gente se conhece desde a infância, estudamos juntos lá na comunidade, em um escola que tem lá, até a quarta série, só que éramos duas crianças totalmente diferentes, a gente não se dava muito bem nessa fase da infância. Mas eu acho que, muitos fatores, fomos amadurecendo, crescendo, foram acontecendo coisas. Então a gente começou a namorar e depois de dois anos namorando, a gente resolveu casar e estamos aí, mais de um ano juntos e agora estamos grávidos esperando um bebê [...].

Concluir o Ensino Superior representa a materialização dos esforços feitos no passado; sair do quilombo, ir para a cidade de Dianópolis para concluir o Ensino Médio e posteriormente para a cidade de Palmas para fazer faculdade. Ela será a primeira pessoa da família a ter um diploma de Ensino Superior.