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CAPÍTULO 3: “É UMA COISA QUE NASCE DE DENTRO DE VOCÊ, DA RAIZ”:

3.1 Narrativas de Histórias de vida: a voz de oito acadêmicas quilombolas

3.1.5 Jacqueline Alves de Santana

Estudante do curso de Pedagogia filha da Dona Ednalda Alves de Araújo Santana e do senhor Edmilson Dionísio de Santana; tem duas irmãs a Jarlene Alves de Santana e Denise Alves de Santana e um sobrinho chamado Davi Luíz Dioniso de Santana.

Jacqueline, carinhosamente chamada de Jaque, mora em Palmas com suas irmãs, onde estudam e trabalham. Elas saíram do quilombo de Chapada da Natividade, uma comunidade urbana, próximo à Natividade. A infância de Jacqueline foi de muita proximidade com as irmãs, cursando o Ensino Fundamental e Médio na sua cidade natal. O deslocamento para Palmas se deu a partir do desejo de fazer uma faculdade e de trabalhar: “a minha mãe e meu pai criaram a gente muito assim: ‘vocês vão crescer, tem que estudar e ser independente, entendeu?’”. Os pais de Jacqueline sempre evidenciavam a importância dos estudos.

A acadêmica nasceu em 1991 e, de sua infância, salienta que os pais viviam juntos e lutavam para não faltar nada em casa: “Lá em casa nunca faltou nada, mas também nunca sobrou” conta a acadêmica. Seguindo o exemplo dos pais, Jaque sempre buscou trabalhar e se sustentar. No ano de 2015, quando se mudou para Palmas, começou a trabalhar com estagiária na junto ao Projeto de Assessoria ao Movimento Quilombola no Tocantins, nomeado em suas narrativas como “Apa-TO”.

[...] A partir do momento que eu vim trabalhar aqui na Apa-TO, eu estou conhecendo a realidade de comunidades, agora está sendo assim tudo novo para mim, para minha vida e eu estou gostando de conhecer comunidades [...] hoje eu posso dizer que eu sou uma pessoa independente, eu trabalho, estudo, eu que me mantenho em tudo, entendeu? [...]

Como a acadêmica vem de uma comunidade que é urbana, o contato com as comunidades rurais só aconteceu depois de iniciar o estágio. Na Universidade, ela procura levar os debates para os espaços que são disponibilizados: “na semana passada fizemos um

debate na sala de aula sobre a lei 10.63933, muitos colegas meus não sabiam que eu sou quilombola”.

Foi na adolescência que Jacqueline alisou o cabelo pela primeira vez, “para dizer que eu nunca alisei, eu fiz escova na adolescência, pela primeira vez [...] nesse período também fiz selagem, mas a selagem que eu fiz não acabou com os cachos só deu um banho de brilho”

Jacqueline almeja casar e constituir família, esse é um dos seus maiores sonhos: “casar, construir família, acho que toda mulher sonha, né?”. Esse sonho impulsionou o descontentamento com relação à separação do pai e da mãe: “minha mãe ficou casada com meu pai por vinte e dois anos, hoje ela não está mais com meu pai. Eles não estavam mais vivendo bem, aí resolveram se separar”.

3.1.6 Mayra Chaves Borges[...] um fato marcante deixa eu ver... Eu acho que eu posso falar que foi a partida dos meus avós, que foi agora recentemente, marcou muito a gente, porque eles eram muito presentes na nossa infância e tudo que a gente aprendeu, assim, da zona rural, da vida na roça foram eles que ensinaram muitos valores foram eles que ensinaram e a gente perdeu eles recentemente tanto a vó como o vô[...]

Mayra fala dos avós com muito entusiasmo e saudosismo, eles moravam em uma chácara e estiveram presentes na sua vida, desde a infância. Mayra e seus irmãos, Aristóteles e Salomão, nas férias escolares, feriados e finais de semana sempre estavam com os avós.

[...] tanto eu quanto os meus irmãos, a gente viveu metade do tempo na cidade e metade na chácara dos meus avós, não que a gente morava lá, mas todo final de semana, feriado, férias a gente ia para lá, para chácara deles, hoje eles não são vivos mais, mas ainda tem a chácara[...]

Toda a relação de respeito e lida com a terra foi aprendida com os avós, ir para a chácara representava diversão e ensinamento, eles desbravavam as matas e ajudam o avó no plantio e colheita do feijão e milho.

Atualmente Mayra cursa biologia na UFT – câmpus Araguaína, ela reside no quilombo Dona Juscelina, que fica a 60 km de Araguaína, e utiliza o transporte escolar, ofertado pela prefeitura do munícipio de Muricilândia, para frequentar a universidade. Seus irmão também estudam na UFT, Aristóteles e cursa Turismo e Salomão é calouro do curso de História.

Filha de professores, Mayra tem a certeza de que, embora esteja fazendo o curso

33 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

de licenciatura em Biologia, não tem interesse em ministrar aulas. Inicialmente ela chegou a cursar três períodos do curso de História, mas não teve afinidade com o curso e por influência materna resolveu fazer o vestibular para Biologia.

[...] fiz História até o terceiro período, gostei do curso mas não me identifiquei tanto quanto eu me identifiquei com a Biologia. A minha mãe começou a fazer Biologia e de ouvir ela falar me interessei pela área. E ai eu fiz o último vestibular da UFT e passei fiz por cotas quilombolas e estou gostando muito do curso [.... Bom quando eu concluir o curso, eu não quero dar aula, eu não tenho desejo de dar aula, embora eu esteja fazendo licenciatura em Biologia não é o meu desejo... Se surgir a oportunidade vou agarrar ela sim, com certeza, mas eu fiz e me identifiquei com o curso, depois por poder fazer concursos. Tem muito concursos que exigem apenas nível superior; não especifica qual o nível superior que você tem, tem muitos concursos assim, eu posso também fazer bacharelado, incluir mais dois anos para ter licenciatura e bacharelado[...]

A pretensão da acadêmica é concluir o curso e fazer concursos, interessa-se também por fazer o concurso da polícia miliar, embora ela considere que a polícia esteja agindo contra os movimentos sociais; mesmo assim ela acredita que se conseguir ingressar tentará agir de forma diferente: “Polícia ultimamente tem só atacado o povo, atacado violentamente, tem agido de forma truculenta com os movimentos sociais, mas eu acredito que eu possa entrar e fazer diferente, ficar do lado desses movimentos”.

A família de Mayra tem uma ligação muito forte com a militância o pai, Manoel Filho, atualmente é Secretário da Educação do município de Muricilândia e ex-presidente da Associação Quilombola. São constantes os debates e reuniões com o intuito de discutir as necessidades dos quilombolas e para reforçar a luta territorial.

Foi nessa fase, adulta, que ela deixou de alisar os cabelos “cheguei a usá-lo comprido, cheguei a cortar umas vezes, aí agora eu deixei ele cachear”. Para ela, “o cabelo cacheado representa parte da luta que a Associação Quilombola trava contra todas as formas de preconceito”.

Casada desde os dezenove anos de idade, Mayra mora com os pais irmãos e o marido; para ela isso não representa nenhum problema, uma vez que os pais sempre ficaram ausentes por gostarem da chácara da família. Sobre isso ela diz: “não casamos de papel passado, não. No início até que eu tinha vontade, mas o tempo foi passando a gente vai vendo que não tem necessidade dessas coisas, é só gasto à toa, só faz para agradar a sociedade”.

Por influência da militância do pai, hoje Mayra faz parte da Associação do Quilombo, ocupando o cargo de primeira secretária entretanto, por conta das aulas noturnas na Universidade, ela pouco participa das reuniões. Sobre sua participação na militância ela

diz,

[...] na comunidade, antes, poucas pessoas se envolviam nisso, aí agora, este ano, o pai cobrou de todo mundo, sempre eram poucos acadêmicos que estavam envolvidos, sempre era eu e a Amaria. A maioria não, e aí este ano ele cobrou de todo mundo e foi assim uma coisa boa, ajudou muito. É uma responsabilidade muito grande você estar ali tentando passar para os quilombolas, principalmente, conhecimento sobre eles, a raça, sobre a vivência deles, seu passado, sobre tudo, e aí, às vezes, nem eles não aceitam isso [...].

Como vimos, a participação nas atividades no quilombo aconteceu desde a infância, pois sempre acompanhava os pais. Atualmente, Mayra planeja contribuir com a comunidade quando formar, porém, o desejo de passar em um concurso público fala mais alto, o que pode exigir que ela se mude da comunidade.