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7 DOS DOCUMENTOS E APARATOS INSTITUCIONAIS ÀS MUDANÇAS

8.5 Ocorrências da dimensão do cotidiano nos Coletivos Educadores fomentados pelo

8.5.3 Da Identidade

Para Giddens (2002) a construção da identidade é um processo que não tem fim nem destino, é sempre um projeto incompleto. Os desafios de se firmar uma identidade dentro da diversidade são imensos, devido às múltiplas influências da sociedade contemporânea. Para o autor, a questão da auto-identidade é um problema moderno, originado no individualismo ocidental.

Segundo Bauman (2001), ela é transitória e deixada de lado, logo que passe a satisfação de tê-la consumido, caracterizando a atual fase da história moderna como líquida. Para Sá (2005), a fluidez da identidade revela um sentimento de desenraizamento, de não pertencimento, que a autora conecta diretamente à crise socioambiental.

A ideologia individualista da cultura industrial capitalista moderna construiu uma representação da pessoa humana como um ser mecânico, desenraizado e desligado de seu contexto, que desconhece as relações que o tornam humano e ignora tudo que não esteja direta e imediatamente vinculado ao seu próprio interesse e bem- estar. (p. 247)

Neste sentido, Sorrentino et al (2013) afirmam que

Durante o processo educador ambientalista, no contexto da formação das identidades, é importante resgatarmos os componentes locais da cultura e da identidade, que devem ser trabalhados para que o local não seja entendido como o atrasado, o ultrapassado e para que possamos assim, manter nossa conexão com a infinidade de influências culturais, conciliando a ansiedade da conectividade com o mundo e ao mesmo tempo mantendo a essência da prosa caipira (p. 38).

Dentre os conceitos e princípios que são fundamentais para a perspectiva de educação ambiental contida no ProFEA (Brasil, 2006), está o princípio da Identidade (p. 9). Esta fala de uma das entrevistas traz a presença desta diversidade dos Coletivos:

Não era uma política fechada, num fazer todos “rezarem a mesma cartilha” ... no I Encontro dos Coletivos Educadores em Brasília, pudemos ver a riqueza da diversidade dos participantes envolvidos, cada território com sua expressão, o respeito ao saber do outro. (Professora universitária, integrante de Coletivo Educador)

Para Brandão (2005), a construção de uma identidade coletiva pode caracterizar uma comunidade de aprendizagem. O depoimento abaixo, retirado de artigo de Santos, Prudêncio e Oliveira (2010), que estudou o Coletivo CESCAR, evidencia esta identidade coletiva:

As histórias de vida dos participantes do CESCAR se mostraram uma importante ferramenta para revelar que o coletivo, apesar de todas as dificuldades, é formado por pessoas comprometidas com as questões socioambientais, que incluem os aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos, de forma a garantir uma qualidade de vida saudável para todos, demonstrando assim que acreditam na EA transformadora, crítica e emancipatória proposta pelo ProFEA. (p. 94)

A construção das identidades individuais passa pelo mergulho no outro para compreendê-lo em sua totalidade. Para avançar neste diálogo profundo com o outro, sem nos levar à auto-anulação, é preciso inicialmente nos conhecer, reconhecer, fortalecer-nos enquanto nós mesmos. Este depoimento demonstra que estar no Coletivo contribuiu com este fortalecer individual e coletivo.

Eu inicialmente em 2007 era bolsista, primeiro ano de graduação em pedagogia e estagiária, não tinha experiência e nem compreendia o ProFEA, contudo, foi me dada a oportunidade de atuar, expor ideias, ter autonomia, desenvolver um sentimento de pertença local e global, de forma individual e comunitária. (Coletivo Ipê Roxo)

É necessário realçar que os Coletivos têm uma missão de aprofundamento conceitual sobre, primeiramente, a identidade de grupo: não há grupo ou coletivo, sem que haja uma reflexão de seus integrantes sobre esta identidade coletiva e consequentemente sobre o projeto de sociedade que o grupo intenciona construir. Não parece suficiente uma reflexão individualizada de alguns integrantes do grupo, mas a riqueza existe justamente na busca desta identidade coletiva.

Durante um curso que aconteceu em 2008, utilizamos a metodologia MAPPEA e o resultado foi o mapeamento do município nos temas Terra, Homem e a Mulher e a Luta. Os participantes se apropriaram disso de uma tal forma que durante o curso sentimos desenvolverem um sentimento de pertencimento para com o território, mesmo em pessoas não nativas, emocionante de se ver. (Coletivo Ipê Roxo).

Não basta se nomear como Coletivo Educador para que isto seja efetivo, os integrantes precisam refletir sobre “quem somos” ou “o que buscamos”. O grupo é justamente este reconhecimento de cada um se sentir pertencente ao grupo.

A identidade CESCAR ficou naquele período, com ainda algumas ações em 2009... por outro lado, o que estamos fazendo hoje ainda somos um Coletivo Educador, com o nome CESCAR ou não, somos em essência. (E-4)

Já neste depoimento de integrante do mesmo Coletivo acima, o entendimento é de que o Coletivo não conseguiu manter sua identidade:

Acredito que o curso ajudou a construir a identidade de “educadoras/es ambientais” em cada participante e PAP (PAP 2 e 3)... nós fizemos algumas tentativas de manter um grupo com a identidade do CESCAR, mas acho que não conseguimos. (Integrante Coletivo CESCAR).

Ocorre que esta reflexão, este pertencimento, não ocorre de forma estática “ad eternum”, mas se constrói cotidianamente no mergulho e aprofundamento conceitual do projeto de sociedade do qual o Coletivo busca participar. É necessário um processo coletivo de construir este incessante questionar e agir. Aqui, reforça-se o potencial das utopias como estimuladoras do caminhar dos grupos. E nesta caminhada reflexiva, tanto o sujeito como o grupo que constituem uma identidade não “voltam para trás”. É o que Santos (2008) chama de saber militante.

Santos, Prudêncio & Oliveira (2010) concluem, sobre a experiência do Coletivo CESCAR, que os processos formadores deram passos na direção do despertar para o saber militante, isto é, aquele em que o conhecimento estimula a mudança e a transformação.

A identidade é um processo que não tem fim nem destino. Os Coletivos estudados deram passos na direção de suas identidades, quando integrantes relatam a transformação pessoal e a proximidade com uma identidade de grupo. No entanto, o desafio é manter o constante exercício de estar em comunidades interpretativas e de aprendizagem construindo juntos um projeto de futuro, com o compromisso com o bem comum e com relações mais harmoniosas com a terra, com natureza e com a vida, humana e não humana.