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Pedagogia dialógica, pesquisa qualitativa, etnográfica e a multirreferencialidade como

3.1.1 Do contexto e percurso da pesquisa

Os trabalhos de campo nos quais a pesquisadora esteve inserida, a implantação da política de educação ambiental do DEA/MMA e a participação em diferentes Coletivos Educadores – ofereceram os insumos para um trabalho etnográfico, com foco da análise sobre a institucionalização de políticas públicas de educação ambiental. A tese, em seu conjunto, configura-se como um estudo exploratório, que busca subsídios na prática, na vivência e na sondagem dos acertos e erros, para a formulação e implementação de políticas públicas na área.

Motivada pelo sentido e inquietações do envolvimento com a política em foco, este estudo etnográfico deve oportunizar novos trabalhos complementares. Esta pesquisa, ao se declarar qualitativa, mesmo se resguardando no método científico e acadêmico, não se enquadra em algumas normas da tradição da metodologia científica, em especial, no que diz respeito à impessoalidade da/o pesquisador/a em relação ao objeto de estudo.

O início da trajetória da pesquisa deu-se pela prática e, posteriormente, transformou- se numa pesquisa acadêmica. Assim, o diálogo entre a teoria e a prática é intencional e dialoga com a etnografia, no mergulho com a própria pratica, se propondo a um processo reflexivo de interpretação, no que CARVALHO (2002) chama de sujeito intérprete, no qual o sujeito e os sentidos do mundo vivido estão se constituindo mutuamente na dialética da compreensão/interpretação. Desta forma os sujeitos da pesquisa, aqui são identificados como testemunhas.

O fio condutor da pesquisa, que será desenvolvido ao longo dos artigos, partiu da relação dos pilares regulação e emancipação apresentados por Santos (1995, 2002), considerando que o pilar da regulação social é constituído pelo princípio do Estado, princípio da comunidade e princípio do mercado, enquanto o pilar da emancipação consiste em três lógicas da racionalidade: a racionalidade estético-expressiva das artes e literatura, a racionalidade instrumental-cognitiva da ciência e tecnologia e a racionalidade moral-prática da ética e do direito (Santos, 2002), para, então, trabalhar-se o conceito de institucionalização. A pesquisa se deu com o recorte em Coletivos Educadores constituídos desde o ano de 2005 em distintos territórios do país, em especial os do estado de São Paulo. Não foi realizado um

censo exaustivo e sim o levantamento de elementos que permitiram a presente reflexão etnográfica. Dialogando com Teresa Pires do Rio Caldeira (RIO CALDEIRA, 1984) e Clifford Geertz (GERTZ, 2008), vieram inspirações para interpretar o caminho percorrido – que e um caminho que busca escavar, identificar elementos significativos na vivência da pesquisadora em dez anos de envolvimento na construção da política de formação de educadoras/es ambientais implementadas por Coletivos Educadores.

O delineamento do campo, ocorreu entre 2012 e 2014, com integrantes oriundos de onze Coletivos Educadores, alguns ativos e outros inativos ou dormentes. Partiu-se da formulação de pressupostos: em que medida a dialética regulação/emancipação perpassa estes Coletivos? O Programa de Formação de Educadoras/es que subsidia a constituição dos Coletivos Educadores tem intenção de que estes pilares estejam fortalecidos e em equilíbrio10? E a partir destes pressupostos, chegou-se à defesa da necessária inclusão da dimensão da política do cotidiano como uma dimensão das políticas públicas.

A pesquisa buscou a presença dos pilares, regulação e emancipação em documentos oficias, em documentos dos Coletivos, com o levantamento indireto de dados e nos discursos/depoimentos apresentados em questionários/entrevistas/conversas por e-mail e encontros presenciais com as técnicas de pesquisa (detalhadas a seguir), desenvolvidas ao longo do trabalho de campo.

Característica importante foi a convivência com distintos Coletivos desde o ano de 2005, ou seja, desde a constituição dos primeiros Coletivos Educadores, o que propiciou a percepção mais aguçada, densa, da realidade e dos desdobramentos, que somado ao pertencimento da pesquisadora ao grupo formulador e implementador da política em nível federal, assume a pesquisa caráter etnográfico, num exercício de arqueologia que contribuiu com a identificação de obstáculos e potencialidades.

Dentro deste contexto, a pesquisa partiu do objetivo geral de contribuir para a melhor compreensão sobre processos de institucionalização de políticas públicas de educação ambiental (EA) e como objetivos específicos: i) mapear, sistematizar e contribuir com a avaliação de experiências de institucionalização da política de formação de educadoras(es) ambientais fomentados pela gestão 2003-2008 de EA do DEA/MMA no Brasil, em especial

10 Na perspectiva de Santos, o equilíbrio exige a priorização da parte mais fragilizada, a comunidade e

suas forças instituintes, e do conhecimento e emancipação como caminho, o que “não implica, de modo nenhum, a barbárie, significa, sim, a oportunidade de reinventar um compromisso com uma emancipação autêntica, que se revela como senso comum emancipatório” (SANTOS, 2002, p.383).

as do estado de São Paulo; ii) analisar a compreensão de distintos atores sobre processos de institucionalização de políticas públicas à luz da literatura sobre institucionalização e autonomia/emancipação; iii) analisar as possibilidades dos Coletivos Educadores se constituírem em um caminho de institucionalização de políticas públicas de educação ambiental.

Para o desenvolvimento dos objetivos, os referenciais metodológicos adotados se relacionaram com o campo da educação, a partir da pedagogia dialógica de Paulo Freire, adotando a multirreferencialidade como embasamento para a pesquisa de perspectiva majoritariamente qualitativa.

3.1.2 A pedagogia dialógica de Paulo Freire

O campo da educação é um campo com muitas vertentes e perspectivas, indo da educação tradicional, de modelo positivista, ou como denomina Paulo freire, educação “bancária”, baseada na transferência e acúmulo de conhecimentos depositados pelas/os educadoras/es, à educação libertadora. A concepção de educação sobre a qual este trabalho se baseia é a da educação libertadora, dialógica e crítica.

Segundo Freire, autor referência da educação crítica, a educação possui um viés político/ideológico, jamais podendo ser considerada neutra. Pelo contrário, a educação libertadora, crítica, está fundamentada na transformação do mundo e não na adaptação a ele. Para Freire, o caminho é a promoção da ingenuidade, da curiosidade ingênua para a criticidade, que não se dá automaticamente. Assim, “uma das tarefas da prática educativo- progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita com o que se pode defender dos “irracionalismos” decorrentes do ou produzidos por certo excesso de ‘racionalidade’ do nosso tempo altamente tecnologizado” (FREIRE, 1996, p. 32).

Não se está falando em educação para mão-de-obra no mercado, mas sim uma educação que contribui para a transformação do cotidiano, do momento presente. A busca é pela compreensão dos seres humanos e suas relações com o mundo: a dialética sujeito-mundo como possibilidade/história e não como determinação (FREIRE, 2000). Na pedagogia libertadora de Paulo Freire, o futuro é construído.

Freire (1983) defende ainda que sem a disponibilidade para o diálogo, não há ensino- aprendizagem, com a transformação das relações sociais e ambientais, e alerta o desastre que é:

Não perceber que, das relações homem-natureza se constitui o mundo propriamente humano, exclusivo do homem, o mundo da cultura e da história. Este mundo em recriação permanente, por sua vez, condiciona o seu próprio criador, que é o homem, em suas formas de enfrentá-la e de enfrentar a natureza. Não é possível entender as relações do homem com a natureza sem estudar os condicionamentos histórico- culturais a que estão submetidas suas formas de atuar (FREIRE, 1983, p. 14).