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Identidade aqui não é problema/ Os medos da diáspora/ Pura armenidade spyurqhay vs Sovietização hayastants

PARTE DOIS No relógio 19:15, passados mais de 100 anos em guerra

I) Identidade aqui não é problema/ Os medos da diáspora/ Pura armenidade spyurqhay vs Sovietização hayastants

Lilit: Bom quero começar primeiro que aqui na Armênia creio que, por que temos sim um país,

temos a Independência e tudo isso e sabemos sim somos armênios não temos o problema de identidade de ser armênio. Não está como na diáspora que não buscamos de onde viemos, as raízes e tudo isso porque dizemos que somos armênios e já está, não? O problema é um pouco diferente aqui e por isso não... faz alguns anos que comecei a ver de minha família. Porque antes, quando perguntava a meu pai, (ele) dizia: “e por que queres saber?” Assim que eu nasci em um povoado muito, muito pequeno próximo da fronteira do Azerbaijão e eu sabia que não somos dali porque o cemitério de meus bisavós não estava ali.134 Meu avó sim, sabia que estava enterrado aí, mas não

meu bisavô e sempre tinha a pergunta: De onde vêm? Mas ninguém sabia, ninguém. Tinha uma história geral do povoado de onde vieram, mas não especificavam, assim que comecei a perguntar às pessoas, aos mais velhos que sabem em geral de onde vêm e encontrei que vieram de Nagorno- Karabakh, então não era esta zona, era zona de Nagorno-Karabakh e as rotas eram mais que Nagorno. Eles haviam chegado da Pérsia e antes de Pérsia estavam no que é agora Armênia do oeste ou Turquia, não? Assim que não sei muito e ninguém sabe exactamente de onde e porque

134 Sobre isso Gagnebin nos recorda que túmulo e signo são em grego a mesma palavra, o que para ela “é um indício evidente de que todo o trabalho de pesquisa simbólica e de criação de significação é um trabalho de luto. E que as inscrições funerárias estejam entre os primeiros rastros de signos escritos confirma-nos, igualmente, quão inseparáveis são memória, escrita e morte” (Gagnebin, 2006: 45).

decidiram a Pérsia e depois a Nagorno-Karabakh e depois vir ao que é hoje em dia Armênia, norte de Armênia. No se sabe muito, sei que meu avô da parte de meu pai foi um “smith”, como se diz...?

Artur: Ferreiro.

Lilit: Sim e minha avó muitas vezes me disse que, bom, vieram de Kars135 porque se lembra de

como sua mãe sempre falava de sua bisavó que vivia em Kars, assim que vêm desde lá, mas de novo lamentavelmente a gente não busca essa identidade. Já se esqueceram sobre isto e eu quero dizer lamentavelmente. As histórias de hoje e do Genocídio eu conheci de minha vizinha que agora tem 103 anos e ela sempre falava de como mataram a seus pais e ela tinha que chegar aqui à Armênia despois teve que casar-se aos 10 anos, a menina, assim que, bom, já isto é sobre a família e o Genocídio, de onde vêm as famílias.

Artur: Esta señora de 103 (anos) é parte de sua família ou uma conhecida? Lilit: Não, para mim não, é conhecida, minha vizinha no povoado.

Artur: Se casou com 10 anos? Lilit: Sim.

Artur: Com?

Lilit: Com alguém do povoado que não era da Armênia do oeste, não era sobrevivente do

Genocídio, mas alguém local.

Artur: (…) outra pergunta relacionada com isto que são as diferenças em termos ideológicos e de

identidade entre os “hayastantsi” e a diáspora?

Lilit: É diferente. Bom primeiro falei que...e muitas vezes sempre notamos que aqui em Armênia temos, por exemplo, algumas coisas na cozinha que em Hayastan nós sabemos como fazê-lo, mas a gente da diáspora o sabe melhor, por exemplo, essa sopa, não sei...essa canção, tal e qual. Porque creio que aqui não tivemos este medo de que podemos perder-nos ou o medo de perder a identidade e a pátria, não sei. Mas na diáspora sempre tiveram esse medo. Por isso puderam conservar melhor em alguns aspectos que aqui em Armênia e creio que isso também surge a diferença entre a mentalidade porque o desenvolvimento foi diferente e já depois do Genocídio em desenvolvimento tivemos a União Soviética que, eu creio que para muita gente da diáspora não se entende, não

135 O romance “Neve” de Orhan Pamuk tem como o foco narrativo a vida de um turco de nome Ka que viveu em Frankfurt por alguns anos e volta à Turquia, mas não para a cidade natal Istanbul, mas sim para a quase fronteiriça cidade de Kars, que para os armênios é uma espécie de patrimônio histórico da Igreja Apostólica Armênia pois a 40 km desta cidade estão as ruínas de Ani, “a cidade das mil igrejas” que fora capital de uma das muitas transhistóricas armenidades. A neve, tema que vai e vem nas desventuras da personagem Ka em Kars, foi para nós um impeditivo de por Kars e Ani passar em nossa viagem pelo norte da Turquia dias depois dessa entrevista. A decadente Kars do romance, muitas vezes descrita sob neve por Pamuk, vive tempos sombrios envolta em uma onda de suicídio de jovens mulheres que à primeira vista tem relação com a polêmica sobre o uso de hijab (manto sobre os cabelos) como uma espécie de conflito frente a “ocidentalização da Turquia”, mas vai para muito além, o pêndulo kemalista, militar e islâmico que move as personificações políticas na sociedade turca é habilmente costurado na trama e seus conflitos da personagem que nos é apresentada como um amigo pessoal do autor. As casas vazias armênias são abordadas algumas vezes no romance.

entendem porque de as coisas que fazemos aqui e a maior parte é porque aqui tivemos a União Soviética que mudou muitas coisas na mentalidade e eu creio que a diáspora está sempre um pouco mais crítica, não sobre os armênios, os “hayastantsi” que estamos aqui, da língua que usamos muitas palavras em russo que queremos as fronteiras abertas com Azerbaidjão ou com Turquia, por exemplo. Encontrei a uma senhora no ano passado do Uruguai que dizia: “não foram teus avós que foram mortos no Genocídio, claro que queres a fronteira aberta”, mas como pode é algo tão vergonhoso, não?, para eles o que queremos aqui. Eu lhe disse: “senhora, não é você que vive aqui em Armênia”. Eu noto cada vez que seria melhor para a economia e tudo isto. Assim creio que está aqui e surge a diferença e que aqui em Armênia temos muitos outros problemas que cremos que são mais urgentes e mais importantes para a gente que vive aqui que, por exemplo, se vai Obama dizer a palavra genocídio ou não, ou vai o mundo reconhecer o genocídio ou não. Eu creio que aqui especialmente aos mais jovens, para os mais velhos não posso dizer isso porque a geração de meus avós e de meus pais também é para eles importantíssimo e cada vez, pelas tevês e tudo isso, escutamos a ver o que diz Angela Merkel ou não sei, se dizem a palavra ou não, mas creio que para os jovens isso não é a parte mais importante. Nós sabemos que o Genocídio sim há ocorrido, mas não nos importa se alguém de elite política do mundo vai reconhecer-lho ou não porque, enfim, sabemos que eles também o sabem, é uma coisa política e sabemos que as forças que necessitamos agora são para outras coisas, desenvolvimento do país em geral e eu creio que aqui temos esta ideia que se somos os sobreviventes por isso queremos criar um país mais desenvolvido e melhor que nossos antepassados falecidos, bom, que lhes mataram, eles não tiveram e cremos que para a memória deles temos que fazer mais isto que é tomar as bandeiras armênias e queimar as bandeiras turcas.

Quero acrescentar algo sobre isto porque temos também outro aspecto da União Soviética. Quando queriam matar a identidade da gente em geral porque não eram armênios, não eram russos, com sua cultura com sua história e tudo, mas era uma gente soviética que não teve nada da cultura e da história sua e creio que por isso a geração de nossos pais, todavia, tem este aspecto, por exemplo, quando queremos ir a uma igreja ou não sei, conhecer esta cova que é a quinta maior do mundo e está em Armênia, meu pai sempre me diz “por que te interessa, por que queres ir?” Eles não entendem, para nós é importante conhecer a cultura, a história e os monastérios também é uma parte de nossa identidade e eu creio que os jovens e eu creio que tu também, não sei se foste aos bailes em Naregatsi136[Art Institut], os bailes armênios. Isto foi um movimento incrível, antes

não sabíamos nada dos bailes porque durante a U.S. ninguém, não os importava tinham algumas coisas que eram para a gente soviética, os bailes não, que eram como no Quirguistão e na

136 http://www.naregatsi.org/index.php?section=0&

Armênia, ninguém tinha algo cultural específico e agora há gente que quer de novo tomar os elementos da história e mostrar-nos que sim, nós temos e eu creio que uma dessas coisas foram os bailes que temos uma pessoa que foi na guerra de Nagorno-Karabakh, bom, ele estava aí também e depois chegou e trouxe os bailes e agora os jovens encontram um ao outro e que fazemos? Vamos a bailar no metro, nos ônibus, nas ruas, sempre temos “flashmobs”. Eu creio que é algo muito importante também de ideologia e identidade.