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Identidades e o Necessário A Posterior

No documento UMA DEFESA DO NECESSÁRIO A POSTERIORI (páginas 77-87)

CAPÍTULO III TAXONOMIA DO NECESSÁRIO A POSTERIOR

1- Identidades e o Necessário A Posterior

De entre os casos de verdades necessárias que só empiricamente podem ser conhecidas, discutirei primeiramente os de identidades verdadeiras formuladas à custa de nomes próprios. Como exemplos paradigmáticos temos os da identidade de Fósforo e Véspero ou de Cícero e Túlio. Trata-se de casos de verdades necessárias a posteriori, dadas as seguintes premissas: 1ª- todas as identidades verdadeiras formuladas à custa de nomes próprios são necessariamente verdadeiras; 2ª - aquelas identidades só empiricamente podem ser conhecidas.

1.1- A necessidade das identidades verdadeiras formuladas à custa de nomes próprios: o argumento de Kripke.

Mostrei que o argumento geral de Kripke que suporta a versão forte da sua tese partia da premissa de que conhecemos a priori o estatuto modal geral de certas proposições necessárias. Esta premissa a priori é uma condicional da forma geral P → 'P. Nos casos agora em questão, essa premissa resulta directamente quer da tese semântica da Designação Rígida quer da Tese da Necessidade da Identidade (conforme adoptemos o ângulo de visão linguístico ou não).

A Tese da Necessidade da Identidade é um teorema da habitual lógica modal quantificada e é, informalmente, a tese metafísica segundo a qual aquilo que é na realidade um objecto não poderia ser dois objectos (∀x ∀y ( x=y → 'x=y)). A contraparte linguística desta tese, que diz que qualquer frase de identidade verdadeira na qual ocorram apenas designadores rígidos é necessariamente verdadeira, é um corolário lógico da tese metafísica substituindo variáveis por designadores rígidos (constantes individuais): (a=b → 'a=b).

Exemplificando, a premissa condicional a priori é a seguinte (tomando um caso clássico):

(1) Se Véspero é Fósforo, então necessariamente Véspero é Fósforo.

(1) resulta directamente da tese da Designação Rígida de nomes. Se “Véspero” e “Fósforo” são designadores rígidos de Vénus, então designam Vénus não só no mundo actual, mas em qualquer mundo possível em que Vénus exista. Assim, se a frase “Véspero = Fósforo” é verdadeira no mundo actual, então é verdadeira em todos os mundos possíveis em que Vénus exista.

(1) resulta também directamente da tese da Necessidade da Identidade. Quando se pergunta : poderia Véspero não ter sido Fósforo?, a pergunta é acerca de coisas, e não de nomes, e a resposta é negativa, se a tese da Necessidade da Identidade for verdadeira (se um objecto não pode ser dois objectos).

A contingência das identidades verdadeiras constituídas só com nomes poderia ser defendida se se adoptasse a teoria descritivista dos nomes. Para esta teoria, nomes são abreviaturas de descrições e referem via propriedades, pelo que a frase “Véspero=Fósforo” é contingentemente verdadeira porque ela é vista como dizendo o mesmo que “O corpo celeste visto à tarde em tal e tal posição = O corpo celeste visto de manhã em tal e tal posição”, e esta última frase é contingentemente verdadeira. Kripke argumenta contra a teoria descritivista dos nomes, defendendo que as descrições associadas aos nomes não são sinónimas dos nomes; na melhor das hipóteses, e em alguns casos, apenas fixam a referência por meio de características contingentes do referente. Assim, é uma verdade necessária que Véspero é Fósforo mas é contingente que o corpo celeste visto à tarde em tal e tal posição seja o corpo celeste visto de manhã em tal e tal posição.

A identificação de aprioridade (modalidade epistémica) e necessidade (modalidade metafísica) está, segundo Kripke, na raíz da confusão relativamente ao problema da necessidade da identidade: porque é empiricamente que sabemos que Fósforo é Véspero, então pensa-se, é contingentemente verdadeiro que Fósforo é Véspero. Acontece que a maior parte dos argumentos contra este tipo de exemplos de necessidades a posteriori confunde o “poderia” epistémico com o metafísico:

podemos ter situações idênticas - quer do ponto de vista epistémico (daquilo que sabemos) quer qualitativo ( da fenomenologia) - em que determinamos a referência dos nomes “Fósforo” e “Véspero” através daquelas descrições identificadoras, e em que numa, chamamos “Fósforo” e “Véspero” a um mesmo corpo celeste e, noutra, a corpos celestes diferentes. Mas esta última situação não é uma situação em que Fósforo não seja Véspero, pois o termo “Fósforo” é aqui usado para designar outro planeta, não é usado tal como nós o usamos. Assim, uma situação contrafactual em que “Fósforo” não é usado para designar Fósforo (=Véspero) é ainda uma situação na qual Fósforo é Véspero (ver Kripke 1988: 102-105).

Mostrei que estes casos de verdades necessárias a posteriori resultam directamente quer da tese semântica da Designação Rígida de nomes quer da tese da Necessidade da Identidade, pelo que a maneira mais óbvia de os rejeitar consiste em rejeitar aquelas teses.

1.2- Identidades contingentes: o contra-argumento de Allain Gibbard

Alain Gibbard(1975: 187-221) rejeita ambas aquelas teses, defendendo que nem todas as identidades verdadeiras formadas com nomes próprios são necessárias. O exemplo apresentado por Gibbard diz respeito a estátuas de barro e peças de barro, e pressupõe que estátuas de barro e peças de barro são objectos específicos, podendo portanto ser designados através de nomes próprios. O objectivo é mostrar que, debaixo de certas circunstâncias, uma estátua de barro é idêntica à peça de barro da qual é feita, mas esta identidade é apenas contingente.

Para uma estátua de barro ser idêntica à peça de barro da qual é feita, têm de ter todas as propriedades em comum, nomeadamente têm de começar a existir ao mesmo tempo e deixar de existir ao mesmo tempo. Ora, os critérios de persistência para estátuas de barro e para peças de barro são diferentes. Uma peça de barro P persiste enquanto todas as partes de P estiverem ligadas umas às outras; e deixa de existir quando as partes de P deixam de estar ligadas umas às outras ou se ligam

a porções de barro que não estão em P. Uma estátua de barro E persiste enquanto a peça de barro de que é feita perdura e mantém a sua forma específica; e deixa de existir quando a peça de barro deixa de existir ou deixa de ter essa forma.

Dados os critérios de persistência para estátuas de barro e peças de barro, uma estátua de barro é idêntica à peça de barro da qual é feita na seguinte situação. A estátua de Golias é feita em duas etapas: primeiro a parte de cima da cintura e depois a parte de baixo, sendo em seguida as duas partes ligadas. Neste momento começa a existir simultaneamente uma nova peça de barro e uma nova estátua; se, um pouco mais tarde, se destruir a estátua quebrando-a em pedaços, esta deixa de existir juntamente com a peça de barro. Nesta situação a estátua, que designamos por “Golias”, e a peça de barro, que designamos por “Pebar”, começam a existir ao mesmo tempo e perduram durante o mesmo período de tempo, pelo que Golias=Pebar. No entanto, argumenta Gibbard, esta identidade é contingente: suponhamos uma outra situação contrafactual, digamos o mundo possível m1, onde Pebar começou a existir ao mesmo tempo que Golias, tal como foi descrito na situação acima, no mundo actual ma, mas, antes do barro secar, foi moldada uma bola. Neste momento Golias deixou de existir; mas Pebar continuou a existir com uma nova forma. Logo, em m1, Golias ≠Pebar.

A situação exemplificada, isto é, Golias=Pebar no mundo actual, ma, e Golias ≠Pebar naquela situação contrafactual, m1, é incompatível com a tese de Kripke da designação rígida de nomes. É incompatível porque “Golias” e “Pebar” não referem o mesmo objecto em todos os mundos possíveis em que o objecto existe. Gibbard propôe uma outra teoria acerca de nomes próprios, segundo a qual nomes próprios são designadores rígidos não dos objectos em si mesmos, mas dos objectos sob uma categoria ou tipo a que estão associados. “Golias” refere uma coisa x enquanto estátua e “Pebar” refere uma coisa x enquanto peça de barro. Assim, porque “Golias” e “Pebar” referem uma coisa que pertence a duas diferentes categorias, com critérios de persistência diferentes, a identidade é contingente. É

verdadeira porque, à luz dos dois conjuntos de critérios, os dois nomes designam a mesma coisa (que começa a existir e deixa de existir ao mesmo tempo); mas é contingente porque há uma situação contrafactual na qual, depois da coisa ter vindo à existência, e à luz dos dois conjuntos de critérios, Golias, contrariamente a Pebar, poderia ter deixado de existir.

Assim, segundo Gibbard, a referência de um nome num mundo possível m1, ramificado a partir do mundo actual ma, depende de duas coisas: da sua referência no mundo actual (que determina como é que se origina a coisa que denota em m1) e dos critérios de persistência que invoca (que determina qual das coisas que se originaram dessa maneira o nome denota em m1).

Deste modo, no mundo actual, Golias=Pebar, pois os dois nomes referem a mesma coisa enquanto estátua e enquanto peça de barro: Golias e Pebar começaram a existir ao mesmo tempo e deixaram de existir ao mesmo tempo. Em m1, Golias ≠Pebar pois, tendo em conta os critérios de persistência para estátuas e peças de barro, Golias (a estátua que teve aquela origem) deixou de existir, e Pebar (a peça de barro que teve aquela origem) permanece.

O argumento de Gibbard pressupõe que nomes não são designadores rígidos de particulares simpliciter mas de particulares sob categorias a que pertencem. Segundo Gibbard, não tem sentido falar de um particular em diferentes mundos independentemente do modo como é designado. Da teoria da referência de nomes proposta por Gibbard segue-se a rejeição da identidade transmundial de particulares e a sua substituição pela identidade transmundial sob um género. A rejeição da identidade transmundial de particulares significa que não tem sentido falar da mesma coisa particular em diferentes mundos possíveis independentemente do modo como é designada, não faz sentido perguntar se dois indivíduos são o mesmo, tem que se responder primeiro à questão: ”o mesmo quê?”. Segue-se ainda a rejeição da modalidade de re , isto é, não tem sentido falar de um particular como possuindo em si uma propriedade essencial, uma propriedade que possui

necessariamente, uma propriedade que essa coisa possui em todos os mundos em que existe, independentemente de qualquer descrição.

2.3- Réplicas ao argumento de Allain Gibbard

De que modo o argumento de Gibbard pode ser contrariado?

A réplica pode tomar duas direcções. A primeira vai no sentido de mostrar que Gibbard assume (disfarçadamente) o descritivismo. A segunda vai no sentido de mostrar que o argumento de Gibbard viola a lei de Leibniz.

Gibbard defende a ideia de que nomes não designam rigidamente objectos, mas objectos descritos de certo modo, sob categorias a que estão associados. Ora, se nomes são descrições, se “Golias” designa um determinado objecto enquanto estátua com uma determinada forma e “Pebar” designa um determinado objecto enquanto peça de barro, segue-se que o facto da frase “Golias = Pebar” ser verdadeira, não implica que seja necessariamente verdadeira. A frase de identidade “Golias = Pebar” comporta-se como qualquer frase de identidade onde ocorrem designadores não rígidos, isto é, do facto de ser verdadeira não se segue que seja necessariamente verdadeira.

Esta réplica ao argumento de Gibbard não serve os propósitos de Kripke porque assume o descritivismo.

A outra maneira de refutar o argumento de Gibbard é pressupôr a designação rígida de nomes e mostrar que não é o caso que “Golias=Pebar” pois, a ser o caso, violar-se-ia a Indiscernibilidade de Idênticos. Suponhamos que Pebar = Golias num determinado tempo t. Logo Pebar e Golias têm todas as propriedades em comum. Assim, se Pebar, em t, tem uma determinada propriedade modal M, então Golias tem, em t, essa propriedade. Acontece que, em m1, Pebar teria a propriedade de continuar a existir em t se a forma (e só ela) mudasse, mas Golias não teria essa propriedade. Logo, afirmar que Golias=Pebar é violar a Indiscernibilidade de Idênticos.

2.4- Refutação de alegadas objecções ao conhecimento a posteriori das identidades verdadeiras envolvidas nestes casos.

Regressando então a (1), e admitindo a tese da designação rígida de nomes, temos por modus ponens :

(1) Se Fósforo é Véspero necessariamente Fósforo é Véspero. (2) Fósforo é Véspero

(3) ∴Necessariamente Fósforo é Véspero.

O argumento de Kripke em defesa do carácter a posteriori de (3), isto é, de que (3) só pode ser conhecida empiricamente, já foi discutido anteriormente: porque (3) é uma consequência lógica ( e epistemicamente relevante) de (1) e (2), e dado (2) só poder ser conhecida por meios a posteriori, (3) só pode ser conhecida por meios a posteriori. Admitindo a plausibilidade deste argumento, o único modo de refutar que (3) seja a posteriori ou só possa ser conhecida a posteriori, é defender que (2) não é a posteriori ou que (2) pode ser conhecida independentemente da experiência.

Pavel Tichý (1983: 225-241), na sua crítica a Kripke e na sua defesa da conexão tradicional necessidade-aprioridade, pretende refutar precisamente a ideia de que a premissa (2) seja a posteriori. Tický argumenta que, dado “Fósforo” e “Véspero” serem designadores rígidos, (2) é uma particularização do princípio lógico de que qualquer objecto é idêntico a si mesmo, e logo que é conhecida a priori. Esta alegada refutação pressupõe que nomes co-referenciais satisfazem o princípio da substituibilidade em todos os contextos, inclusivamente em contextos epistémicos.

Eis o argumento de Ticky:

(4) A proposição que Fósforo é Véspero é idêntica à proposição que Fósforo é Fósforo.

(6) ∴Posso saber a priori que a proposição que Fósoforo é Véspero é verdadeira.

A ideia de Ticky é a de que, admitindo, de acordo com Kripke, que a única função semântica do termo “Fósforo” é referir Vénus e a do termo “Véspero” é exactamente a mesma de “Fósforo”, e logo que ambos os termos são designadores rígidos de Vénus, então ao afirmar (2) estamos a imputar auto-identidade a Vénus. (2) é um caso particular do princípio lógico da reflexividade da identidade, logo é conhecida a priori e é necessária.

Admitida a conclusão (6), refuta-se que a premissa (2) do argumento de Kripke seja a posteriori, ou, pelo menos, que só possa ser conhecida por meios empíricos.

Parece incompreensível, argumenta Tický, que, segundo Kripke, tenhamos que recorrer à observação empírica do movimento de vários corpos celestes e da sua visibilidade em diferentes momentos do dia para saber que (2), pois (2) nada afirma acerca dessas matérias: o que (2) afirma é que Vénus é idêntico a si mesmo. O único modo de dar sentido à argumentação de Kripke de que (2) é a posteriori é, segundo Tický, admitir que aquele confundiu uso e menção de uma proposição, e que o que de facto Kripke quer dizer quando diz (2) é que:

(2*) A frase “Fósforo é Véspero” é verdadeira.

Ora, (2) e (2*) são diferentes proposições. (2) é a priori e necessária: é a priori que conhecemos a verdade necessária que Vénus é idêntico a si mesmo. (2*) é a posteriori e contingente: é a posteriori que conhecemos o facto contingente de “Fósforo” e “Véspero” serem expressões da Língua Portuguesa que designam o mesmo objecto.

Assim sendo, continua Ticky, o argumento de Kripke não pôe em causa a tese da co-extensionalidade necessidade-aprioridade, pois (2*) exemplifica o contingente-a posteriori, e (2) o necessário- a priori.

A argumentação de Tický não pode, no entanto, ser usada contra Kripke pois este não aceita o que está pressuposto no argumento de (4) e (5) para (6). O que

está aí pressuposto é que frases que expressam a mesma proposição são permutáveis em contextos epistémicos: se eu sei a priori que P, e P é a mesma proposição que Q, então sei a priori que Q. O que está aí pressuposto é que nomes co-referenciais são permutáveis em contextos epistémicos, pelo que mudando uma frase pela substituição de um nome próprio por outro com a mesma referência produzir-se-á sempre uma nova frase que expressa a mesma proposição que a anterior. Ora, segundo Kripke, que não se cansa de distinguir a necessidade metafísica da epistémica, nomes são modalmente rígidos mas não epistemicamente rígidos, isto é, satisfazem o princípio da substituibilidade em contextos modais mas não em contextos epistémicos. Embora a proposição expressa pela frase “Fósforo é Fósforo” e a expressa pela frase “Fósforo é Véspero” sejam ambas necessárias e equivalentes em contextos modais, não são ambas a priori e equivalentes em contextos epistémicos: (2) é a posteriori pois só empiricamente podemos descobrir este caso particular da identidade de um objecto consigo mesmo, que aquilo que designamos rigidamente por “Fósforo” e aquilo que designamos rigidamente por “Véspero” é um e o mesmo objecto, Vénus. Assim, na medida em que Kripke não aceita a pressuposição do argumento de Tický, a crítica deste à suposta confusão Kripkeana entre uso e menção de uma proposição deixa de ter sentido. Por outro lado, aquela interpretação de Kripke é implausível dado que este revela ser sensível à distinção uso-menção em “Naming and Necessity” (1988: 62; n.25).

Curtis Brown (1984: 379-397) admite também, contrariamente a Kripke, que nomes co-referenciais são permutáveis em contextos epistémicos. Deste modo, aceita a conclusão (6) do argumento de Tický, de que podemos saber a priori que Véspero é Fósforo. Assim, admitindo (6), defende que o argumento de Kripke (de que sei a priori que (1) e a posteriori que (2) pelo que sei a posteriori que (3)), não mostrou (pelo menos para aqueles que aceitam a permutabilidade de nomes coreferenciais em contextos epistémicos) que há proposições necessárias que não podem ser conhecidas a priori. Apenas mostrou que há proposições necessárias

que podem ser conhecidas a posteriori (não mostrou que (3) não é a priori, mas apenas que pode ser conhecida empiricamente). Deste modo seria refutada a tese segundo a qual existem verdades necessárias a posteriori, isto é, existem verdades necessárias que só podem ser conhecidas empiricamente.

A doutrina da substituibilidade universal de nomes está na base das argumentações acima delineadas, as quais constituem objecções ao conhecimento a posteriori de identidades verdadeiras formuladas à custa de nomes próprios. Tal doutrina envolve questões relativas ao modo como nomes co-referenciais se comportam em contextos epistémicos, questões que são, segundo Kripke, muito problemáticas, pelo que não tem nenhuma “doutrina oficial” (1988: 21) acerca delas. Contra a doutrina da substituibilidade universal de nomes, argumenta que o facto da frase portuguesa “Véspero é Fósforo” poder ser usada para levantar uma questão empírica e a frase “Fósforo é Fósforo” não poder ser usada para tal, mostra que as frases não são completamente permutáveis. A questão está então em saber se podemos, sem contradição, aceitar a permutabilidade de nomes co-referenciais em contextos modais e recusá-la em contextos epistémicos. A argumentação de Kripke em “Naming and Necessity” acerca da distinção entre necessidade metafísica e epistémica e acerca das descrições não serem sinónimas dos nomes, fixando em alguns casos apenas a sua referência, mostrou que a doutrina da substituibilidade para contextos modais pode ser mantida mesmo que ela seja omitida para contextos epistémicos.

1.5- Esquema do argumento para estes casos do Necessário A Posteriori: (EI) Os casos do Necessário A Posteriori que tenho estado a discutir são, apesar de tudo, os menos problemáticos. De facto, a defesa de tais casos não exige premissas essencialistas não triviais e o essencialismo aí envolvido é trivial.

A admissão de verdades necessárias a posteriori expressas por identidades construídas a partir de dois termos singulares distintos que designam rigidamente o

mesmo item, resulta directamente da tese da designação rígida, do carácter empírico das identidades verdadeiras, e de alguma lógica e semântica modal elementar. De facto, Kripke conclui que só empiricamente podemos saber que frases de identidade verdadeiras onde ocorrem apenas designadores rígidos são necessariamente verdadeiras, com base na tese semântica da designação rígida de nomes e na descoberta empírica das identidades em questão. Por meio da tese da designação rígida sabe-se que se uma frase de identidade onde ocorrem apenas designadores rígidos é verdadeira então é necessariamente verdadeira (sabe-se a priori que (1)); por meios empíricos sabe-se que aquelas identidades são verdadeiras (sabe-se a posteriori que (2)).

Helen Steward (1990: 385-398) sugere que estes casos podem ser plausivelmente argumentados por meio do seguinte esquema, a que chama esquema da identidade (EI):

(EI) (i) (a=b)

→Nec (a=b)

(ii) a=b

(iii) “a” e “b” são designadores rígidos (iv) Nec (a=b)

A premissa a priori (i ) é a formulação linguística da tese da necessidade da identidade. A premissa a posteriori (ii) é o resultado de descobertas científicas. A premissa (iii) é de natureza semântica. A conclusão (iv) é a posteriori dado o input empírico em (ii).

O objectivo de Steward é mostrar que este esquema se não aplica aos casos de necessidades a posteriori que envolvem termos para categorias naturais e que passo a discutir.

No documento UMA DEFESA DO NECESSÁRIO A POSTERIORI (páginas 77-87)