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Identificação das fases do choque cultural no expatriado

4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

4.1 Experiência de expatriação

4.1.4 Identificação das fases do choque cultural no expatriado

Na prática, a experiência de exposições a outras culturas estrangeiras poder-se-iam traduzir como choque cultural, pois se entra em uma etapa de desorientação, confusão, admiração ou recusa quando se está em um meio social totalmente distinto, impossibilitando a capacidade de assimilar a nova cultura e assim criando dificuldades em distinguir o que é apropriado e o que não é. De acordo com Rocha e Magalhães (2002) o choque cultural pode ser entendido como sinal positivo na integração do indivíduo. E nesse caso, como ressalta Chanlat (1996), a tríplice composição (biológico, psíquico e social) do indivíduo explica como as pessoas se comportam ou reagem para aceitar ou criticar a nova cultura.

Com o objetivo de identificar as fases do choque cultural, nas quais os respondentes tiveram maior dificuldade na sua comunicação e adaptação à cultura brasileira/carioca, adotamos três das quatro fases propostas por Joly (1996): fase do encantamento, fase da hostilidade e fase da integração ou ajuste. A quarta fase não foi considerada por estar relacionada à repatriação e neste estudo não é objeto de análise.

Assim também, cabe mencionar que nesta análise comparativa encontramos uma figura bastante detalhada, a seguir, que mostra o impacto ambiental do expatriado em choque cultural, mas não foi tratada na revisão de literatura, pois somente o item das diferenças culturais nos ajudaram a entender o fenômeno que ilustra melhor as fases mencionadas. Consideramos que os itens sobre as diferenças físicas e sensoriais poderiam ser outro tema de pesquisa.

Figura – 6. O expatriado em choque cultural

Observando a figura anterior e de acordo com as respostas recebidas da maioria dos expatriados, a fase que representou maior dificuldade para eles nesta expatriação foi a fase da hostilidade. Não obstante, alguns responderam não terem sentido dificuldade alguma, outros terem tido dificuldade na primeira fase, e outros terem sentido o impacto das fases ao contrário.

Na primeira fase a expatriada argentina mencionou que teve certa dificuldade de assimilar o que percebia e observava na cultura carioca, pois não estava acostumada à liberdade que encontrou aqui. Por outro lado, o expatriado equatoriano e sua família sentem que passaram pela primeira fase e agora estão na segunda, devido a que nas primeiras semanas consideraram e acharam a cidade muito linda, mas disseram que não demoraram em criticá-la e compará-la com sua cultura. Segundo eles, um fator que lhes influenciou nos primeiros meses foi a falta de apóio da empresa para mostrar-lhes os processos e todos os trâmites que precisavam fazer, pois não tiveram tempo suficiente para apreciar bem a cidade e o que ela lhes podia oferecer, que ao contrario, a criticaram porque de certa forma sentiram frustração por não saber comunicar-se.

Na segunda fase o expatriado holandês explica que sua hostilidade foi marcada no sentido de não ver educação de boas maneiras nas pessoas, nem receber bons serviços “os brasileiros não sabem o quê é um bom serviço, por exemplo: o serviço nos restaurantes é péssimo. Na Holanda os carros respeitam o semáforo, lá mesmo não tendo semáforo se respeita o pedestre e ainda mais os idosos para que atravessem a rua.” Nessa mesma linha a expatriada canadense concorda em que o serviço em geral é terrível “parece que é um favor o que me fazem, passei quase uma hora no telefone com funcionários de uma empresa tentando resolver um assunto e me passavam a ligação com diferentes funcionários, ninguém sabia me ajudar, mas se você fala português o brasileiro talvez seja mais amável com você.”

Na análise da fala do expatriado norueguês 1, sua hostilidade se manifestou devido a que foi assaltado duas vezes, ele respondeu: “a insegurança aqui me incômoda, e pelo fato de ser gringo e não falar bem o português tentam de aproveitar-se de mim.” Esse acontecimento também foi considerado pelo expatriado chileno, pois disse que lhe incomodava que os taxistas colocassem bandeira dois quando percebiam que era estrangeiro, por isso acha que “carioca é mesmo malandro.” A expatriada sul-africana conta que sua hostilidade foi marcada devido a que sentiu muitos problemas para organizar sua vida, principalmente por não saber bem o idioma, pois lhe dificultou encontrar apartamento.

Aqui todas as pessoas te olham com cara de rico por ser estrangeira, é comum que os preços para gringos são sempre mais altos. Querem tirar vantagem de tudo! Quando me dava conta do que as pessoas queriam fazer comigo ficava frustrada porque não podia brigar com eles, pois não sabia como brigar em português. Agora já apreendi e tento me defender. (Resposta da expatriada sul-africana).

A dificuldade que ainda sente o expatriado norueguês 2 é relacionada a não saber bem comunicar o que quer em português, ele acha que o idioma é difícil e que lhe representa um desafio, pois está muito longe da sua língua nativa. Ele concorda com o expatriado holandês em que os brasileiros não sabem de boas maneiras “me surpreendia quando olhava no ônibus que os homes ficavam sentados na poltrona e não davam o lugar às mulheres grávidas ou pessoas idosas, mas agora não me surpreendo mais porque parece que aqui é normal.”

O expatriado americano 2 disse que levou um ano para ir adaptando-se à cultura do Rio de Janeiro, pois ele se sente a vontade com pessoas humildes, e devido a que morou em Vitória, ele acha que as pessoas lá são mais humildes do que as cariocas. Considera que aqui há uma janela que transporta uma idéia muito diferente “os brasileiros sabem que sou gringo, que sou ‘branco’ e as pessoas de classe alta acham que sou igual a elas. São muito racistas e de pensamentos arraigados. Aqui a classe social é muito marcada e há um nepotismo muito alto.”

Por outro lado, essas fases aconteceram ao contrário para o expatriado peruano. Segundo sua resposta, primeiro se adaptou, pois encontrou um ambiente de amizade, mas disse que seu caráter impulsivo lhe causou hostilidade nas coisas que olhava com as quais não concordava. No entanto, manifestou que agora guarda distâncias para quando considere oportuno, já que hoje ele tem confiança de falar com seus colegas e amigos das coisas erradas que vê nesta sociedade, mas que pensa bem antes de se expressar para não ser mal interpretado e assim não entrar em conflito com ninguém.

Na terceira fase podemos referenciar o depoimento do expatriado armênio e de sua esposa (também armênia). Eles consideram que desde que chegaram ao Rio de Janeiro se adaptaram à cultura. Os costumes e tradições da cultura carioca, segundo eles, são parecidos com sua cultura. De acordo com as respostas de ambos, o choque cultural que vivenciaram foi bastante positivo, o impacto foi no fato de terem saído da Rússia fechada para chegar a um Brasil mais aberto e caloroso. “A Rússia não gosta de estrangeiros, não aceita outras culturas e se você não sabe a língua eles não lhe ajudam. Aqui as pessoas nos têm ajudado muito, eles se surpreendem quando dizemos que somos estrangeiros, eles aceitam outras culturas. Acho que já nos sentimos cariocas.”

Consideramos que as respostas anteriores comprovam como as fases propostas por Joly (1996), são realmente vivenciadas pelos expatriados, devido a que os primeiros meses (fase da lua de mel) em uma cultura diferente são marcados por um sentimento de reconhecimento. Isso porque de acordo com o autor, dura o tempo que duram as descobertas, pois o expatriado após ter contato direto com a sociedade pode sentir certo incômodo (fase do negativismo) caso o ambiente não seja do seu agrado, sua hostilidade cresce para fora. Neste caso como mencionado pelos entrevistados, a linguagem, a segurança e os aspectos sociais foram os fatores que mais incômodo ressaltaram na sua adaptação. Cabe ressaltar que nesta fase observamos que as respostas que têm a ver com o sistema social refletem no que Mendenhall, Punnet e Ricks (1995) apontam: os cortejos, as boas maneiras, a interação com pessoas de diferentes classes etc., já que são atividades que os autores consideram importantes na experiência de expatriação, porque é preciso que os expatriados apreciem formas alternativas de ver o mundo e assim evitar confrontos com a nova cultura.

Atendendo a última fase (ajuste), as respostas dos armênios se encaixam no que Joly (1996) referencia, sobre as atitudes positivas à nova cultura. Devido que eles encontraram um ambiente agradável que lhes fornecia as condições necessárias para se integrar na sociedade, e por esse fato, consideraram importante apreender o idioma e relacionar-se com as pessoas para aproveitar o que a cultura tinha a oferecer-lhes.