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O nosso atual ordenamento jurídico constitucional, foi promulgado com o objetivo de instituir um Direito de Família menos estagnado e categórico, especialmente porque veio em contrapartida a legislação adotada anteriormente, buscando, sobretudo, alterar todos os dispositivos inseridos, a fim de favorecimento e discriminação (MADALENO, 2018, p.94).

Neste sentido, Madaleno (2018, p. 116) faz uma crítica acerca do casamento septuagenário no Código Civil:

Nem é essa a melhor proteção conferida pelo Estado ao discriminar o casamento do septuagenário (Lei n. 12.344/2010) restringindo-lhe a livre escolha do regime de bens na formatação conjugal de sua entidade familiar, muito embora o Código Civil de 1916 fosse bem mais cruel, porque obrigava a adoção do regime da total separação de bens no casamento de homem maior de 60 (sessenta) anos e de mulher maior de 50 (cinquenta) anos, ou seja, envelhecendo a mulher dez anos antes do homem, enquanto o Código Civil vigente promoveu pequena cirurgia estética ao igualar os sexos no envelhecimento etário, em sua versão atual, aos setenta anos, mas não deixou de seguir discriminando os idosos que presume incapazes e presas fáceis de núpcias de puro interesse material. (grifo do autor)

Madaleno (2018, p. 94) explica que “Vive a família de hoje um processo de emancipação de seus componentes [...]convertendo-se para o futuro em pessoas socialmente úteis, em qualquer idade [...] e ninguém mais pode ser alijado por diferença de sexo, raça ou idade da convivência social”.

De mais a mais, é o princípio da dignidade humana que consagra as temáticas dos direitos fundamentais, instituídos na Constituição Federal de 1988, na qual legítima a postulação da isonomia, que por sua vez, procura maneiras de limitar o poder, isto é, prevenir o arbítrio e a injustiça (MADALENO, 2018, p. 94).

Contudo, é imperioso, na Constituição Federal, em seu artigo 5º, § 1º, a eficácia dos direitos fundamentais:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (BRASIL, CF, 2020).

Da leitura do referido artigo constitucional se extrai o comando que os dispositivos constitucionais, terão a sua imediata aplicabilidade, perante o Poder Público, isto é, independe de norma regulamentadora para sua eficácia.

Outrossim, Moraes (2003, p. 50) leciona “[...] todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico”.

Por sua vez, segundo o mesmo autor a eficácia do direito de igualdade se caracteriza como um direito que ultrapassa o caráter individual, isto é, transcende aos casos singulares, desse modo sempre que uma norma for contrária aos valores constitucionais, não deverá ser recepcionada (MORAES, 2003, p. 51).

Em linhas gerais, a desigualdade normativa estaria caracterizada quando de maneira arbitrária ou não razoável traz um tratamento diferenciado as pessoas. Nesse norte, Moraes (2003, p.51) afirma:

Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cujo a existência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

Sendo assim, o tratamento diferenciado somente será justificado quando comprovado a presença de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim pretendido. Nesse sentido, o poder público não poderá utilizar-se da lei, de maneira que aumente as desigualdades arbitrárias (MORAES, 2003, p. 51).

Nesse passo, Madaleno (2018, p. 95) leciona sobre a eficácia da norma constitucional no âmbito do Direito de Família:

Consequência natural de concretização da nova diretriz constitucional que personaliza as relações surgidas do contexto familiar está em assegurar não apenas a imediata eficácia da norma constitucional, mas, sobretudo a sua efetividade social, questionando se realmente os efeitos da norma restaram produzidos no mundo dos fatos.

Em linhas gerais, a norma aqui, deixaria de ser simplesmente abstrata no contexto social e passaria a ser concretizada no mundo dos fatos, isto é, a efetiva eficácia social normativa.

O referido autor ainda comenta que o princípio da igualdade formal e substancial é o que dá maior fundamentação jurídica ao princípio da dignidade humana, uma vez que impossibilita que haja alguma discriminação entre as pessoas, muito embora, ainda tenha muito que progredir socialmente nesta questão social.

Acerca da eficácia social, no Direito de Família, isto é, a efetividade da norma, Madaleno (2018, p. 99) explica:

[...] Pouco importa esteja o Direito de família criado pela Constituição de 1988 suprimindo qualquer diferença na capacidade atribuída a cada um dos cônjuges, se no mundo real prosseguem as desigualdades ditas proscritas pela Constituição e se na codificação ainda existem resíduos que discriminam pelo sexo e pela idade, como disto é frisante exemplo a restrição do inciso II do artigo 1.641 do Código Civil. Nessa dimensão, a Lei Federal 10.741 de 2002, denominada de Estatuto do Idoso, estabeleceu proteção específica aos maiores de sessenta anos, a fim de protege-lo de qualquer tipo de discriminação, na qual dispõe o artigo 2º da referida lei.

Art. 2.º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, EI, 2020).

Com efeito, nos dias atuais que existe maior longevidade entre os idosos e com isto torna-se imperiosa a necessidade de um reconhecimento específico dos seus direitos fundamentais, bem como a possibilidade de escolha de seu regime matrimonial, em contraponto as hipóteses impostas no código civilista (MADALENO, 2018, p. 107).

Nesta perspectiva, Madaleno (2018, p. 113) traz à baila a afronta de um dos princípios fundamentais, qual seja a dignidade humana, tendo em vista a discriminação pela idade dos idosos.

Seguindo a linha de pensamento do autor, e frisa-se, com grande influência no debate do tema, surge a necessidade de alteração dos dispositivos legais, mais precisamente no âmbito do Direito de Família, haja vista a inflexibilidade ao idoso que completa setenta anos de escolher o seu regime matrimonial (MADALENO, 2018).

Ainda assim, o autor salienta nesse sentido:

O septuagenário deixa de escolher o seu regime matrimonial porque sofre privação de sua autonomia privada por antecipada interdição em função de sua idade. O septuagenário é parcialmente interditado, sem qualquer avaliação psiquiátrica para medir seu nível de discernimento, e sua capacidade é aleatoriamente limitada por presunção legal, simplesmente fundada no artigo 1.641, inciso II, do Código Civil. Conforme comentado pelo autor, é possível identificar, no dispositivo civilista uma precipitada presunção de incapacidade do septuagenário ao impor o regime de separação obrigatória de bens (MADALENO, 2018).

De todo o arcabouço doutrinário, é notório que de todas as normas que a legislação impõe, a separação obrigatória de bens para os nubentes que superam setenta anos é a mais desarrazoada, uma vez que se manifesta contrária ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como e estatuto do idoso (BRASIL, CC, 2020).

Não tão longe, Tartuce (2020, p. 1841) comenta sobre o inciso II, do artigo 1.641, na qual menciona acerca da sua inconstitucionalidade, pois trata de maneira discriminatória o idoso como incapaz para o casamento. Ainda assim, menciona que o referido artigo não tem a pretensão de proteger ao septuagenário, mas sim aos seus herdeiros, uma vez que tem o viés exclusivamente patrimonial.

Atrelado a ideia de inconstitucionalidade, está o Enunciado n.125, da I Jornada de Direito Civil, na qual traz à baila a revogação do artigo 1.641, inciso II. (JORNADA DE DIREITO CIVIL, Enunciado 125, 2012, p. 30).

A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses.

Nesta senda, não há dúvidas, que a impossibilidade de eleição do regime de bens para os nubentes que superam setenta anos de idade, é de fato discriminatória, tendo em vista que presume que após determinada faixa etária a pessoa se torna incapaz de gerir seus atos e, por seu turno, presumindo que contrair matrimônio nesta idade não tem cunho afetivo, mas sim apenas patrimonial. (JORNADA DE DIREITO CIVIL, Enunciado 125, 2012, p. 30). Haveria, indiretamente, uma interdição parcial do idoso.

Nesse mesmo norte, tem-se que a comunhão de vidas é pautada, sobretudo, na afetividade recíproca entre os cônjuges, logo, não se justificaria as limitações de vontades ancoradas na possível incapacidade septuagenária (MADALENO, 2018, p. 115).

Importante ainda ressaltar que o legislador ao impor de maneira taxativa, o regime de separação obrigatória de bens aos septuagenários, criando a descabida limitação de sua autonomia de vontades, afronta significativamente a sua dignidade constitucional, haja vista a não possibilidade de eleição de regime de bens mais favorável aos cônjuges.

4.3.1 A separação obrigatória de bens para os maiores de setenta anos e a aplicabilidade da Súmula 377 do STF, como mitigadora da liberdade de escolha para os que superam setenta anos de idade

Conforme já sustentado, os nubentes podem determinar o que quiserem e da maneira que melhor lhes aprouver sobre os seus bens antes da celebração do casamento, isto é, os nubentes tem a liberdade de escolha, quanto a escolha do regime de bens que

regulamentará a união matrimonial (BRASIL, CC, 2020). É o princípio da liberdade regendo a escolha acerca do regime de bens, que pode apenas ser mitigado, segundo alguma imposição de ordem pública que restrinja a escolha dos cônjuges a este respeito.

Nesse sentido, Lobo (2011, p. 69) leciona sobre o princípio da liberdade de escolha por parte dos nubentes, salientando que não há razão para o legislador limitar tal liberdade por motivo de idade, como faz em relação aos septuagenários.

O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral. Percebe-se que o princípio em questão está atrelado ao poder de escolha dos nubentes, no entanto a imposição do regime de separação obrigatória de bens aos septuagenários, está de certa forma tratando-os com discriminação, em contraponto ao princípio da igualdade, como já abordado em outro subtítulo.

Diniz (2010, p. 23) nesse mesmo sentido explica que aos nubentes é livre o poder de constituir uma comunhão de vidas sem a interferência de norma jurídica de ordem pública ou privada, ou seja, ao Estado caberia somente o poder de intervenção, apenas para assegurar recursos educacionais e científicos.

De todo o arcabouço doutrinário abordado, é preponderante dizer que o artigo 1.641, inciso II do Código Civil, afronta de maneira significativa os direitos fundamentais daqueles que superam setenta anos de idade (BRASIL, CC, 2020).

Nessa perspectiva, o panorama de limitação de liberdade de escolha está atrelado a faixa etária dos futuros cônjuges, ou seja, pelo fato de estarem os nubentes com idade superior a setenta anos. Pressupõe-se que a idade septuagenária não pode servir de justificativa como mitigadora de liberdade de escolha, uma vez que assim como os demais, estes não devem ser privados do seu direito de escolha (CASTRO; PAIVA, 2019, p.1).

Seguindo a linha de pensamentos dos autores Castro e Paiva (2019, p.1) a Súmula 377 do STF traz a possibilidade de relativização do dispositivo normativo civilista, tendo em vista a comunicabilidade de patrimônio, desde que seja demonstrado o esforço comum direto ou indireto, como visto acima.

Os mesmos autores ainda mencionam que “A mitigação da ausência de liberdade pode ser amparada pela Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, pois os maiores de 70 (setenta) anos não são absolutamente incapazes de escolha [...]”.

Nessa senda, é cediço que o fato de os septuagenários estarem mais vulneráveis pela idade, não justifica que estes se encontram incapazes de fazerem escolhas para a vida cível.

Veja-se que os cônjuges, maiores de setenta anos, diante da imposição do regime de separação obrigatória, sequer tem possibilidade de eleger um regime que seja ainda mais intenso que a separação compulsória, ou seja, do regime de separação convencional absoluta de bens, que não admite a aplicação da Súmula 377 do STF.

Por fim, insta salientar que a edição da Súmula 377 do STF com aplicabilidade no regime de separação obrigatória de bens trouxe a possibilidade de haver uma mitigação da imposição de tal regime, isto é, a aplicação de um regime que, embora tenha vestes de rigidez, admite comunicação patrimonial, violando a liberdade dos septuagenários, inclusive para escolherem, livremente, regime que imponha a absoluta separação patrimonial.

4.4 AS CONTROVÉRSIAS GERADAS PELA SÚMULA 377 DO STF EM RELAÇÃO

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