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III Da natureza extra-contratual da responsabilidade civil dos auxiliares

AGENTES MÉDICOS ∗*

B. III Da natureza extra-contratual da responsabilidade civil dos auxiliares

Por força do disposto no artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil, «o médico é responsável pelos actos das pessoas que utilizou no cumprimento das suas obrigações como se fossem praticados por si próprio»199.

«Daí que se um doente contratar com certo cirurgião a realização de determinada intervenção este é contratualmente responsável pelos actos de todos os elementos da equipa»200 201. «Delitualmente, existe também uma responsabilidade estrita do comitente, desde que o comissário tenha agido com culpa e sob a autoridade daquele (artigo 500.º [do Código Civil]»202203.

A ideia que preside à solução de responsabilizar civilmente os médicos pelos actos negligentemente praticados pelos seus auxiliares «é a de que os médicos apenas poderão delegar nos seus auxiliares as incumbências que as suas capacidades permitam levar a bom termo»204.

«Em todo o caso (...) a responsabilidade limita-se, no caso do artigo 800.º, aos actos praticados no cumprimento da obrigação, não abrangendo os praticados por ocasião do cumprimento mas nada tendo a ver com este»205. «Por outro lado, atento o disposto na parte final do n.º 1, que considera existir responsabilidade do devedor “como se os actos dos ... auxiliares fossem praticados pelo próprio devedor”, deverá considerar-se que se o facto danoso não for imputável ao auxiliar, se ele não tiver culpa, não é o devedor (médico) responsável, a não ser 196 MARGARIDA CORTEZ in “Responsabilidade Civil das Instituições Públicas de Saúde”, publicado na obra colectiva intitulada “Responsabilidade Civil dos Médicos”, Coimbra, 2005, pp. 257-273 [p. 261].

197 MARGARIDA CORTEZ, ibidem. 198 MARGARIDA CORTEZ, ibidem.

199 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243). 200 Ibidem.

201 Cfr., também no sentido de que, «se o doente contratou apenas com o cirurgião, este responde pelos actos de todos os membros da equipa, incluindo o anestesista», FIGUEIREDO DIAS-SINDE MONTEIRO (in “Responsabilidade

Médica...” cit., p. 51).

202 FIGUEIREDO DIAS-SINDE MONTEIRO (ibidem).

203 «Normalmente, o anestesista não deverá ser considerado um comissário do cirurgião» (FIGUEIREDO DIAS-SINDE MONTEIRO (ibidem). «De qualquer forma, parece ser razoável admitir que um médico possa actuar como comissário de um outro médico» (ibidem).

204 A. e ob. ultim. cit., p. 244. 205 A. e ob. ultim. cit., p. 245.

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que tenha culpa directa, por ter sido negligente na escolha do auxiliar, nas deficientes instruções que lhe deu ou na forma como acompanhou a sua actuação (artigos 798.º, 801.º, n.º 1, e 500.º do Código Civil)»206.

De qualquer modo, relativamente aos actos praticados pelo médico anestesista, embora «sem excluir liminarmente a possibilidade de um médico poder actuar como auxiliar de outro médico (artigo 800.º do Código Civil), de molde a responsabilizá-lo pelos actos que o primeiro pratique, a verdade é que não se vê bem que tal qualificação quadre em absoluto à relação cirurgião-anestesista»207.

Pelo menos nos casos em que o doente faz questão de ser assistido por determinado profissional especialista em anestesiologia, em vez de um outro que alternadamente faz equipa com o cirurgião, «só forçando a realidade das coisas se poderá afirmar que o anestesista é um mero auxiliar do cirurgião»208. «Ao contrário, deverá considerar-se que é o próprio anestesista que pessoal e directamente responde pelos danos causados por força de qualquer actuação negligente»209. Efectivamente, «cirurgiões e anestesistas têm áreas bem delimitadas de responsabilidade perante o doente e, por via de regra, nenhum deles controla ou dirige as actividades do outro»210. Consequentemente, «os anestesistas são, em princípio, autónomos e (…) o cirurgião não é responsável pelos actos que os primeiros pratiquem»211212. De resto – segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243) –, «se é verdade poder afirmar-se que, em certos casos, o anestesista não tem qualquer relação com o doente antes da intervenção, na maior parte dos casos vai examiná-lo antes, inteirar-se do seu dossier, recomendar-lhe certas análises». «Forma-se assim entre o médico anestesista e o doente um contrato, por força do qual este último aceita submeter-se aos cuidados que o primeiro se propõe prestar-lhe»213.

Aliás – sempre segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243) –, «parece curial considerar que se acaso o médico anestesista, ressalvadas circunstâncias excepcionais, tomasse a seu cargo o doente em plena sala de operações, sem previamente ter tido qualquer contacto com ele e o haver examinado, estaria só por isso a praticar um facto ilícito e culposo, susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade por qualquer dano que daí pudesse advir».

De todo o modo, «se não houver qualquer contacto anterior à operação com os colaboradores do cirurgião nem elementos dos quais se deduza que o cirurgião tenha actuado em 206 Ibidem.

207 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243). 208 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243). 209 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243). 210 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243). 211 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., pp. 243-244).

212 «É que qualquer decisão de sinal contrário “não apenas permitiria mas acabaria mesmo por impor que um especialista em determinado campo da medicina – cirurgia – fosse obrigado a supervisionar o modo exacto de actuação de um médico de uma outra especialidade (anestesia) em que os cada vez maiores conhecimentos científicos exigem uma perícia cada vez mais acentuada»: tais são os dizeres de uma decisão proferida em 1972 no Estado da Califórnia (Marvulli v. Elshire, 27 Cal. App. 3 d 180, 103 Cal. Rptr., 461, 1972, a propósito de um caso em que a doente, que estava a ser submetida a um hemorroidectomia, teve uma reacção adversa ao anestésico que estava a ser utilizado (anestesia epidural caudal), decisão essa que merece o aplauso de JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 244, nota 50).

213 JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).

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representação de algum ou de cada um dos outros médicos ou do doente, concluir-se-á que nenhum contrato foi celebrado entre os colaboradores e o doente»214215.

Na jurisprudência, a responsabilidade do médico anestesista interveniente numa cirurgia realizada por outro médico foi tratada “ex professo” no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016 (Proc. n.º 136/12.5TVLSB.L1.S1; Relator – MARIA DA GRAÇA TRIGO) – cujo texto integral está acessível on-line in: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf –, no qual se concluiu que:

«É do conhecimento geral que, do ponto de vista científico e técnico, o médico anestesista não está dependente do cirurgião, nem se encontra sujeito às ordens deste (cfr., por exemplo, Sónia Fidalgo, Responsabilidade penal por negligência no exercício da medicina em equipa, 2008, págs. 196 e segs.). Não é de excluir, em absoluto, a possibilidade de responsabilizar o cirurgião pela conduta da anestesista se se apurar que esta última era, em concreto, uma auxiliar, ainda que independente, de cumprimento das obrigações de que aquele é devedor. Contudo, no caso em apreciação, os factos provados (sabe-se apenas que o Réu médico- cirurgião “contactou com a Interveniente, médica anestesista que presta serviço regular junto do BB, a qual é experiente, nomeadamente em cirurgias ortopédicas, para a mesma realizar a anestesia à A.”) são insuficientes para definir com clareza e rigor a relação entre o R. médico cirurgião e a Interveniente médica anestesista, de modo a qualificar a segunda como auxiliar de cumprimento da prestação do primeiro.

Assim, o R. médico-cirurgião é responsável, desde que se prove que os danos foram causados pela sua conduta ou pela conduta daqueles que são seus auxiliares de cumprimento. Mas não é responsável pela conduta da Interveniente anestesista, por não ser esta sua auxiliar de cumprimento.»

B.IV. Concurso da responsabilidade civil médica contratual com a responsabilidade civil

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