• Nenhum resultado encontrado

A responsabilidade médica (uma imprescindível mudança de paradigma na jurisprudência) de relativa falta ou imperfeição, não pode na verdade ser feita decorrer da qualificação da

AGENTES MÉDICOS ∗*

B. VII Conteúdo do contrato de prestação de serviços médicos

3. A responsabilidade médica (uma imprescindível mudança de paradigma na jurisprudência) de relativa falta ou imperfeição, não pode na verdade ser feita decorrer da qualificação da

obrigação – como na sentença impugnada – em termos de “obrigação de meios”. O profissional, e o médico especialista em particular, está de facto obrigado não já a uma prestação profissional qualquer que ela seja mas antes comprometido com uma conduta específica particularmente qualificada, em razão do seu grau de habilidade técnico-científica no sector de competência, em vista da consecução dum determinado objectivo devido, tendo em conta o critério de normalidade segundo o já anteriormente exposto juízo de relação».

Dum modo ainda mais incisivo, esta Sentença acentua, além disso, que «para o profissional e

consequentemente para a estrutura sanitária não vale portanto invocar, com o fim de conseguir a sua irresponsabilidade, a distinção entre “obrigações de meios” e “obrigações de resultado”, sustentando que a sua actividade deve ser incluída entre as primeiras, não respondendo em caso de resultado não alcançado. Esta distinção constitui, efectivamente, como aliás desde há algum tempo a melhor doutrina não deixa de pôr em relevo, o fruto duma elaboração dogmática datada acolhida pela interpretação tradicional e tradicionalmente transmitida, na verdade privada de correspondência normativa e de dúbio fundamento».

Em conclusão: perante esta evolução jurisprudencial, é tempo de reconhecer a superação (doravante) definitiva da distinção entre intervenções de fácil e execução: a leitura do artigo 2236.º do CC italiano379, no passado com base na identificação de critérios diferentes em razão da natureza da intervenção médica, foi, efectivamente, revista pela jurisprudência em favor duma regra geral válida para todas as hipóteses de incumprimento e de cumprimento defeituoso da prestação380.

Entre nós, PEDRO ROMANO MARTINEZ381 também considera inútil o estabelecimento duma dicotomia entre as prestações médicas com especial dificuldade, dum lado, e os exames de rotina e os actos médicos mais simples, do outro.

Isto porque, «ainda que se trate de um acto de rotina, nomeadamente para despiste de

doença, ou de um acto médico de extrema simplicidade, a presunção de culpa do médico não se reveste de um carácter distinto»382. «No fundo, como a culpa é apreciada em abstracto [artigo 487.º, n.º 2, do Cód. Civil, aplicável à responsabilidade contratual ex vi do n.º 2 do cit. artigo 799.º], a simplicidade ou complexidade do acto médico em concreto não altera o

critério; contudo, o comportamento médio tem de ser aferido em função do que seria pressuposto naquele tipo de acto médico; assim, o comportamento médio exigível ao clínico num acto de rotina pode assentar num padrão algo diverso do que se exige em actos médicos de especial complexidade»383.

379 Esta disposição é do seguinte teor: «Se la prestazione implica la soluzione di problemi tecnici di speciale difficoltà, il prestatore d’ opera non risponde dei danni, se non in caso di dolo o di colpa grave» [»Se a prestação implica a solução de problemas técnicos de especial dificuldade, o prestador de serviços não responde pelos danos, a não ser em caso de dolo ou de culpa grave» – Tradução livre do original Italiano].

380 Cfr., neste sentido, GUIDO SMORFO, ibidem.

381 In “Responsabilidade Civil por Acto ou Omissão do Médico: Responsabilidade civil médica e seguro de

responsabilidade civil profissional” cit., loc. cit., p. 480.

382 PEDRO ROMANO MARTINEZ, ibidem. 383 PEDRO ROMANO MARTINEZ, ibidem.

160

CONSENTIMENTO INFORMADO EM DIREITO CIVIL E PENAL

3.A responsabilidade médica (uma imprescindível mudança de paradigma na jurisprudência)

Segundo o mesmo Autor, tão pouco parece relevante distinguir entre um profissional especializado e um profissional menos experiente: «a qualquer um é exigido um

comportamento adequado ao padrão médio, tal como estabelecido pelo artigo 487.º, n.º 1, do CC»384. Isto porque: «Na apreciação da culpa dever-se-á atender à especial diligência exigida a um profissional especializado, como será normalmente um médico»385. De modo que: «Na apreciação da culpa não se pode atender a aspectos relacionados com o médico em concreto, como o facto de ser jovem ou idoso, experiente ou inexperiente; assentando no critério abstracto da lei impõe-se um comportamento médio independentemente da situação particular do médico em concreto»386.

Também ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO387 enfatiza que, na concretização do grau de diligência requerido ao devedor, o actual Código Civil português – ao contrário do que, por vezes, sucedia com o Código de Seabra – veio fixar uma bitola geral de diligência em abstracto, visto que o artigo 799.º, n.º 2, quanto à apreciação da culpa, na responsabilidade obrigacional, remete para a culpa na responsabilidade civil (aquiliana), sendo que esta apela à diligência de um bom pai de família (artigo 487.º, n.º 2).

Mas a referência ao bonus pater famílias, sem mais precisões, corre o risco de se tornar numa fórmula vazia388, porque, «o “bom pai de família” é uma abstracção, na qual é possível introduzir toda a ordem de precisões, incluindo preocupações sociais»389.

«Assim, a concretização faz-se inserindo o bom pai de família na específica área de interesses e

de competências técnicas em que se coloque o devedor». «Quem se dirija a um médico esperará encontrar a diligência do médico devidamente habilitado; no trânsito, os condutores usarão do cuidado normal, dispondo dos conhecimentos habituais, em todos os cidadãos; o banqueiro será um banqueiro competente, dispondo dos apetrechos que é de esperar em tais circunstâncias e assim por diante»390.

Quanto à questão de saber a quem cabe o ónus da prova de ter sido alcançado [na realização

da prestação] o grau de exigência concretamente requerido, ANTÓNIO MENEZES

CORDEIRO391 é categórico: «Quando o resultado almejado não seja obtido, tal ónus corre pelo devedor, nos termos do artigo 799.º/1». «Além desse preceito, deve ter-se presente que o devedor tem o domínio da situação (p. ex., o médico)»392. «Assim, só ele pode dar conta do que fez, perante o estado da arte»393.

384 PEDRO ROMANO MARTINEZ, ibidem. 385 PEDRO ROMANO MARTINEZ, ibidem. 386 PEDRO ROMANO MARTINEZ, ibidem.

387 In Tratado de Direito Civil, VI – Direito das Obrigações, Introdução. Sistemas e Direito Europeu. Dogmática Geral, 2.ª edição, 2012, pp. 485-486.

388 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO in ob. e vol. cit., p. 486. 389 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO in ob. e vol. cit., p. 487. 390 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ibidem.

391 In ob. e vol. cit., p. 488.

392 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ibidem. 393 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ibidem.

161

CONSENTIMENTO INFORMADO EM DIREITO CIVIL E PENAL

3.A responsabilidade médica (uma imprescindível mudança de paradigma na jurisprudência)

B.VIII. Cumprimento defeituoso da obrigação de tratamento.

Outline

Documentos relacionados