• Nenhum resultado encontrado

Vivenciamos uma sociedade que possui um tempo bem mais acelerado, onde a fluidez de informações e imagens permeiam o cotidiano. Nesse sentido, é relevante que as mídias possuam uma forma criativa e sedutora para despertar a atenção dos espectadores. Afinal, o que faria um indivíduo parar por alguns instantes e observar uma imagem, em busca de decifrá-la, ao invés de, simplesmente, realizar uma varredura visual? A fotografia, na publicidade, precisa conquistar esse espectador, oferecer-lhe uma possibilidade de mudança. Definitiva? Não, somente na promessa que, provavelmente, em pouco tempo, já será substituída por outra. “Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade” (DEBORD, 1997 p. 14).

A publicidade investe seu potencial de sedução unindo a imagem (que, em si, já representa o espetáculo da visualização, quando pretende materializar o real ou irreal) ao espetáculo. Cabe aos espectadores ter ou não o desejo de incorporar tais formas de ser às suas vidas. A marca Dolce & Gabbana mantém um histórico de "espetáculos" diante das mídias, onde calar, chocar e emudecer os espectadores tornam-se características marcantes das fotografias da marca. Uma das suas recentes investidas foi numa coleção que repercutiu polêmicas nas mídias: a musa do pop, Madonna, aparece como uma dona de casa em seus afazeres domésticos. Diante da atual condição feminina na sociedade contemporânea, em que

a mulher se mantém cada vez mais afastada do ambiente doméstico e envolta pelo mercado de trabalho, que lhe garantiu todas as virtudes advindas da independência financeira, tal fotografia desperta demasiada atenção. Mas o espetáculo se consagra por ser a cantora Madonna quem representa essa doméstica. Antes mesmo de tais imagens serem veiculadas, a mídia já divulgava que a cantora ilustraria tais cenas e, assim, milhares de pessoas procuraram a campanha para ver Madonna lavando pratos. As duas coleções de 2010 (Primavera-Verão e outono-inverno) apresentaram, em suas cenas em preto e branco, a cantora Madonna como uma dona de casa italiana.

Imagem 14 - Fotografia publicitária da campanha Primavera-Verão 2010 da marca Dolce & Gabbana.

Fonte: www.stvenkleinstudio.com.br. Acesso em 14/11/2010. Fotógrafo: Steven Klein.

Apesar de se encontrar debruçada sobre a pia, lavando louças, essa imagem nos interpela uma falsidade. Seria possível a cantora Madonna fazer tal coisa? O que poderia parecer uma prática corriqueira até o século XIX, hoje se constitui num grande espetáculo. Madonna consagrou-se, durante as décadas de 1980 e 1990, através de suas canções e performances consideravelmente polêmicas e consiste na própria figura do espetáculo. Na fotografia, apesar de estar realizando um trabalho doméstico, a musa aparenta estar vestida de forma elegante, com um vestido justo que marca as suas curvas e decotado nos seios. Isso nos remete à ideia de que,

mesmo em casa, a mulher precisa estar bem vestida, conservar-se bonita, sensual e jovem. Esse é um aspecto que desperta atenção na imagem, valorizada pela maquiagem e computação gráfica, na qual Madonna aparenta ser mais jovem do que é na realidade.

Nos bombardeios publicitários restantes, é nitidamente proibido envelhecer. É como se houvesse uma tentativa de manter, em todo indivíduo, um “capital-juventude” que, por ter sido usado de modo medíocre, não pode pretender adquirir a realidade durável e cumulativa do capital financeiro. Essa ausência social da morte é idêntica à ausência social da vida (DEBORD, 1997, p. 109).

Como bem afirmou Guy Debord (1997), o envelhecimento é combatido pela publicidade. É preciso apresentar corpos (sobretudo os femininos) com o máximo de perfeição, tais como os sonhos almejados pelos indivíduos. O crucifixo usado por Madonna apresenta o mistério que Monica Bellucci exibiu na imagem cinco, numa versão potencializada. Remete-nos às cenas que misturavam o sagrado e o profano representado pela cantora em seus clipes.

Imagem 15 - Fotografia publicitária da campanha Primavera-Verão 2010 da marca Dolce & Gabbana.

Esta imagem carrega uma ironia à dona-de-casa representada por Madonna, reiterada por sua pose ao segurar, com uma mão, uma garrafa e, com a outra, uma vassoura. A garrafa corresponde a um indício de embriaguez. O mistério lhe cerca em seu aspecto despojado de sentar-se na cadeira. Seu olhar reitera essa atmosfera intrigante. A indumentária de uma mulher, vestida com trajes finos e elegantes, entra em paradoxo com a cena representada. Essa consiste em uma marca do fotógrafo Steven Klein, de unir o luxo da moda ao cenário simples, sujo ou grotesco.

Imagem 16: Fotografia publicitária da campanha Primavera-Verão 2010 da marca Dolce & Gabbana.

Fonte: www.stvenkleinstudio.com.br. Acesso em 14/11/2010. Fotógrafo: Steven Klein.

A presença de uma menina no canto da foto mostra que agora Madonna não está mais sozinha na cena. Exibe-se, aqui, uma mulher que é mãe, que vive de forma modesta e, mesmo assim, mantém bom gosto por roupas que lhe agregam elegância. Tudo isso entra em contradição com a imagem de Madonna na sociedade. Pelo absurdo que nos parece a artista em tais cenas, a publicidade retoma a sua ligação com o sonho onde podemos visualizar cenas impossíveis, estranhas e fantásticas. Através da irrealidade que percebemos na situação retratada, a Dolce & Gabbana é divulgada na mídia como a marca que conseguiu mostrar Madonna em afazeres domésticos. Esse fato agrega prestígio à marca, desperta a atenção dos

consumidores que ficam ansiosos para ver tais cenas, elevando, assim, o seu número de vendas. Isso garantiu audiência às propagandas, tão necessária em uma “sociedade do espetáculo”, como já afirmou Guy Debord (1997).41

Essa união entre imagem, sedução e espetáculo parece indissociável à publicidade. Elas nos seduzem por seus fascínios apresentando os modelos que nos parecem convenientes. É preciso reverberar o poder dessas fotografias sobre nossos corpos e seus efeitos sobre o corpo feminino e as formas como expõe a sua beleza. Afinal, como podemos perceber a mulher nas fotografias publicitárias contemporâneas? É necessário compreender a atual condição da beleza feminina representada por seus corpos em meio à tecnologia na contemporaneidade.

41 Ver DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997