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A ideia da representação começa a entrar em colapso na fotografia. Mesmo na publicidade, que precisa transmitir, de forma clara, o significado da campanha para induzir o consumo através da venda do produto, a fotografia também carrega os traços de um meio que transborda subjetividades e seu potencial segue para além da representação mimética.

Dubois (1993) afirma que os discursos em torno da fotografia passaram por uma evolução ao longo da história. Os primeiros teóricos a concebiam como uma pura técnica, objetiva em relatar o real. Destacava-se o automatismo de sua técnica, que apresentava caráter de prova ou “registro de um real”. No desenvolver dos discursos, é possível destacar três visões sobre a fotografia: Na primeira concepção, era vista como espelho do real, ou seja, o discurso da mimese, tendo como fundamento principal a semelhança. A segunda, consolidou- se quando a fotografia passou a ser vista como transformação do real, ou seja, o discurso do código e da desconstrução, quando a imagem deixou de ser um espelho fiel da realidade, consistindo-se em um instrumento de transposição, de interpretação e até de transformação do real. O homem passou a acreditar que a fotografia não significava apenas um registro fiel e neutro da realidade, mas que esta possuía caráter técnico, cultural, sociológico e estético. A terceira concepção é a mais recente, em que a fotografia apresenta-se como índice, como traço de um real, um vestígio.

Com o passar do tempo, a fotografia libertou-se da concepção mimética e revelou o seu potencial em carregar o imaginário do fotógrafo, quando estes passaram a utilizá-la

25Rancière (2005, p.22) defende a existência de uma “revolução antirrepresentativa” na pintura, referindo-se, como exemplo, à pintura abstrata, que parece estar diretamente ligada ao médium que lhe é próprio, mas que marca o novo homem, que habita os novos prédios, e que enfim, evoluiu através de todas as mudanças na esfera social em que está inserido, mas que consegue atribuir à arte uma “pureza antirrepresentativa”, constituindo uma ligação entre a arte pura e a arte aplicada, mantendo sempre uma significação política em suas obras.

como arte. Dessa forma, o conceito de representação parece ter entrado em crise, juntamente com a ideia de uma representação fiel de algo.

Os teóricos dividem seus argumentos em torno da representação: Uns defendem e outros criticam o conceito. Assim como Rancière (2005), Aumont (2004) ressalta o processo de desmoronamento do conceito nas artes, “Representação. Palavra-valise, que traz consigo uma bagagem julgada cada vez mais incômoda, palavra no mais das vezes, sentida como obsoleta, desacreditada, que deve ser desconstruída ou riscada.” (AUMONT, 2004, p. 152).

A ideia da representação como um reflexo parece se diluir com o tempo, pois, quando o artista produz a arte, ele a marca com os reflexos da sua cultura, das suas experiências, carregando-as de subjetividades. E, assim, esse pensamento vai alcançando a fotografia e redefinindo a sua relação com a representação.

A fotografia expandida consiste em um dos novos usos das imagens. O aumento das possibilidades de manipulação das imagens garantiu a liberação do imaginário na obra, fazendo com que as fotografias, hoje, consistam em uma arte complexa, que une os sentimentos, desejos, magia, mistério por meio das possibilidades geradas através das tecnologias das câmeras e dos softwares, resultando em trabalhos paulatinamente mais inovadores e impactantes.26

Dentro dos conceitos de fotografia expandida (ou fotografia experimental, construída, contaminada, manipulada, criativa, híbrida, precária, entre tantas outras denominações), devemos considerar todos os tipos de intervenções que oferecem à imagem final um caráter perturbador, a qual aponta para uma reorientação dos paradigmas estéticos, que ousam ampliar os limites da fotografia enquanto linguagem, sem se deter na sua especificidade (FERNANDES JÚNIOR, 2006, p.7-8).

No entanto, nem todos os pensadores e filósofos consideram que a representação se esvaiu. Talvez fosse demasiadamente categórico afirmar que o conceito não existe, já que, para que haja comunicação entre os indivíduos em sociedade, é necessário estar representando. É exatamente nesse ponto que o conceito se torna delicado: Como pensar que a representação tornou-se obsoleta, se ela consiste em um processo fundamental para a convivência dos indivíduos em sociedade? Mesmo tendo argumentado que a representação tornou-se obsoleta, Aumont instiga a dúvida nos pesquisadores quando ressalta que é relevante “lembrar, portanto, que não há representação por mais „distanciada‟, „desfamiliarizada‟ que se queira, que não vise evocar outra coisa (...)” (AUMONT, 2004, p. 153).

26O conceito de fotografia expandida é definido por Fernandes Júnior (2006) como um conjunto de possibilidades que o fotógrafo dispõe através das novas tecnologias na produção das fotografias, que reconfiguram o processo e transcendem a noção de registro.

A representação consiste em um processo que se encontra profundamente enraizado na sociedade. Seria radical dizer que tal processo desmoronou, pois, de acordo com Erving Goffman (2004), estamos, o tempo todo, representando, ou seja, construímos significados, compartilhamos convenções e, através destas, interpretamos o que desejamos ao outro por meio da linguagem. A representação é um processo fundamental para que os indivíduos possam se comunicar, mas, em outras esferas sociais, como na arte, houve um desvinculamento com a antiga concepção (como um espelho da realidade). Os artistas, e dentre eles, os fotógrafos, se libertaram ao produzir obras que seguem uma lógica para além da noção de representação, que viria a limitá-los, restringi-los ao real. Assim, talvez Ana Carolina Escosteguy (2003) possa melhor concluir essa discussão quando discorre sobre os estudos de Stuart Hall em torno do conceito de representação na contemporaneidade:

Admitindo que se vive num turbilhão de sentidos, onde vige uma multiplicidade infinita de códigos, discursos e leituras que produz novas formas de autoconsciência e reflexividade, reafirma que a representação, em tal situação, de forma alguma, se exauriu, mas se tornou um processo muito mais problemático (ESCOSTEGUY, 2003, p.65).

Dessa forma, é fundamental destacar que a representação, como processo, não se esvaiu por completo da fotografia, mas parece ter encontrado novas possibilidades, ingressando em um processo de reconfiguração. Além de ter se tornado um processo mais complexo, parece estar interligado à noção de habitus nas fotografias publicitárias. Paulatinamente, as imagens passam a carregar um habitus que visa formar estilos, gerindo condutas através de uma série de representações que são compartilhadas em um universo simbólico.