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Legros (et. al., 2007, p. 95) afirma que Edgar Morin133, no estudo do “imaginário e do conhecimento”, revelou-se um “explorador de territórios mal decifrados do imaginário social: os contos, as atitudes fundamentais diante da morte, o cinema e as estrela”. De acordo com o Legros (et. al., 2007, pp. 95-97), em sua obra O homem ou o cinema imaginário (1970), seu primeiro livro traduzido para o português, Morin já mostra esboços de uma sociologia do imaginário, pois indica que “a única realidade da qual nós estamos certos é a representação, ou seja, a imagem, ou seja, a realidade, já que a imagem remete a uma realidade desconhecida”.

Morin não direciona seu empenho teórico ao estudo da noção de imaginário em si, analisando-o em sua relação com o cinema e com suas estrelas. No entanto, consideramos mais do que pertinente a explanação de sua concepção sobre o imaginário, já que o autor é quem norteia nossa base teórica em relação à concepção de mito, sendo que, mito e imaginário, encontram-se intimamente ligados nos autores que aqui trabalhamos, principalmente em Morin. O autor, em seu livro O homem ou o cinema imaginário (1970), desenvolve uma análise referente a esta “sétima arte” e ao imaginário que emanava das salas escuras do cinema.

A imagem (fotografia) é analisada primeiramente por Morin (1970), para este analisar posteriormente a imagem fílmica, ou seja, o cinema. Morin (1970, pp. 15-25) acredita que a ciência e a imaginação não podem impor-se, pois nos questiona se tal ciência, não seria “filha do sonho”. A fotografia, por sua vez, religaria o “real e o fantástico”, sendo ainda, uma “forma imperfeitamente simbólica”, significando “presença de ausência”: uma recordação.

Nas palavras de Morin (1970, pp. 32-34), não é possível separar a imagem da “presença do homem no mundo”. O autor nos fala do caráter duplo da imagem, que nada mais é do que a consciência do homem sobre si próprio, numa “imagem reconhecida no reflexo ou

na sombra, projetada no sonho, na alucinação, assim como na representação pintada ou esculpida, imagem fetichizada e magnificada nas crenças duma outra vida, nos cultos e nas religiões”. Para Morin (1970, p. 36), esse duplo é a uma imagem exata, que ao mesmo tempo é irradiante, “como uma aura que ultrapassa – o seu mito”.

Sobre a realidade desta imagem, Morin (1970, pp. 39-40, grifo do autor) argumenta

que “a imagem mental e a imagem material ampliam ou reduzem potencialmente a realidade

que dão a ver; irradiam a fatalidade ou a esperança, o nada ou a transcendência, a imortalidade ou a morte”. Por sua vez, quem promove esse duplo da imagem é a “potência

imaginária”. Afirma que “uma potência psíquica, projectiva, cria um duplo de tudo, para

depois o vir a desenvolver no imaginário. Uma potência imaginária desdobra tudo numa projecção psíquica”.

Morin (1970, pp. 41-95, grifo do autor) fala-nos sobre a afetividade da imagem, afirmando que ela torna-se, em certo ponto, afetiva, e consequentemente, torna-se também mágica. A imagem, enquanto fotografia, é algo físico, mas detém em si, uma “riqueza duma qualidade psíquica”. Relacionada à fotografia, está a fotogenia, caracterizando-se como “essa

complexa e única qualidade de sombra, reflexo e duplo, que permite às potências afectivas próprias da imagem mental fixarem-se na imagem dada pela reprodução fotográfica”. Já o

filme, “deixa de ser uma fotografia animada para se dividir numa infinidade de fotografias animadas heterogêneas, ou planos. Mas torna-se, ao mesmo tempo, num sistema de fotografias animadas, com novas características espaciais e temporais”. E através de sua relação com o fantástico e com a ficção, essa imagem cinematográfica é “arrastada num fluxo de imaginário”. Morin (1970, p. 96) afirma que o imaginário “é uma prática espontânea do espírito que sonha”. Assim, o cinematógrafo passou a ser cinema, quando o fantástico processou-se pelo imaginário, sendo que,

entra-se no reino do imaginário no momento em que as aspirações, os desejos, e os seus negativos, os receios e os terrores, captam e modelam a imagem, com vista a ordenarem, segundo a sua lógica, os sonhos, os mitos, as religiões, as crenças, as literaturas, ou seja, precisamente todas as ficções.

O autor salienta que o duplo da imagem é unir “reflexos da realidade” (e sua objetividade) com o imaginário. O imaginário é quem “enfeitiça” a imagem, que sozinha, já é uma “feiticeira em potência”. O imaginário, de acordo com Morin (1970, p. 96), “prolifera sobre a imagem como seu cancro natural; vai cristalizar e revelar as humanas necessidades, mas sempre em imagens; é o lugar comum da imagem e da imaginação”.

Este imaginário, na concepção de Morin (1970, pp. 182-251), não é nem irreal nem real, pois ele “confunde por osmose” essas duas concepções. Apesar de um filme ser considerado pelo espectador como irreal, e por consequência, é “tido como imaginário”, o autor nota que na “visão imaginária [...] se conserva presente o real”. Para Morin (1970, pp. 249-251), “o homem, no decorrer de todas estas transferências imaginárias, vai-se enriquecendo geneticamente; o imaginário é o fermento do trabalho do eu sobre si próprio e sobre a natureza, através do qual se constrói e desenvolve a realidade do homem”, sendo assim, “não se pode dissociar o imaginário da ‘natureza humana’ – do homem material”. O homem possui uma realidade “semi-imaginária”, pois este é, em comunhão, “homem imaginário e homem prático”. E é nesta osmose entre real e irreal, entre o fato e a carência, que se pode “atribuir à realidade os encantos do imaginário, como para conferir ao imaginário as virtudes da realidade”.

Em sua obra O Método, mais precisamente nos volumes O método 3 – o conhecimento

do conhecimento (2005) e O método 5 – a humanidade da humanidade (2005), o autor nos

brinda com mais concepções sobre a relação entre o imaginário e o real. Morin trabalha a noção de imaginário juntamente com suas reflexões sobre o conhecimento, onde, entre o real e o imaginário, existe uma unidualidade.

Morin (2005b, p. 122) reflete sobre esta relação entre imaginário e o real, constatando que o real só é percebido por nós, por meio da representação. Essa representação, essa “imagem mental”, identifica-se com a “realidade exterior” e ao ser rememorada, duplica-se e “torna-se fantasia”. Nesta rememoração, a representação “flutua de modo espectral num universo duplicado como uma fantasia, suscitado pelo espírito, que adere ao universo da experiência perceptiva sem o apagar”. Morin (2005b, pp. 122-123) argumenta que tanto nossas fantasias quanto nossos sonhos, também se caracterizam como uma representação. Estes se desenvolvem num “universo fantasma, que toma, no sonho, a consistência da realidade”.

Advém deste pressuposto a afirmação de Morin (2005b, p. 123), de que “devemos pensar ao mesmo tempo a unidade e a dualidade do real e do imaginário”, enfim, pensar a unidualidade. A unidade encontra-se na representação, visto que, no nível mental da imagem, “há mesmo unidade entre o real e o imaginário”, ou seja, “tudo passa pela representação”, e esta é “o ato constitutivo idêntico e radical do real e do imaginário”, segundo Morin (2005b, pp. 123-124, grifo do autor). Mas, ao mesmo tempo em que afirma que o real e o imaginário passam pela representação, o autor compreende que esse dois aspectos “são ao mesmo tempo diferentes e opostos”, o que leva o autor a compreender que a relação entre o imaginário e o

real é de uma “complexidade surpreendente”. Enfim, conclui que sempre há um pouco de real no imaginário e vice versa, pois utilizamos as mesmas “aptidões cerebrais” para lidar com o “objetivo do universo” e com o “universo imaginário”, sendo que, “estes dois desenvolvimentos interferem sem parar um num outro”.

Já sobre a realidade do imaginário, Morin (2005c, p. 131) constata que, assim como as sociedades arcaicas, nossa sociedade atual é povoada por mitos, espíritos, lendas e seres sobrenaturais “que ainda fervilham no imaginário e na cultura da mídia”. O valor do imaginário e da fantasia, para a sociedade, advém, em certo grau, da “importância do mundo psíquico”. Argumenta que o cérebro humano “trabalha sobre um ruído de fundo”, sendo que o “ruído de fundo cerebral físico corresponde um ruído de fundo psíquico". Em nosso cérebro, há de forma incessante, uma proliferação de ideias, memórias, lembranças, pensamentos, imagens, fantasias, e “é a partir desse caos psíquico, ‘movimento browniano do pensamento’, que este faz e se desfaz”.

Para Morin (2005c, p. 132, grifo do autor), a realidade mistura-se com o sonho, apesar de não termos consciência disso. Nas palavras do autor, “a importância do imaginário abre caminho aos delírios do homo demens, mas também à fantástica inventividade e criatividade do espírito humano”. O autor relembra constatações de seu livro O cinema ou o homem

imaginário (1970), pois fala-nos que o homem tanto sonhou em poder voar, que inventou o

avião. Este fato serve-nos de exemplo para compreendermos que a realidade necessita do imaginário, para “ganhar consistência”. Conclui que “nosso mundo real é, nesse sentido, semi-imaginário”.