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Em Estrelas: mito e sedução no cinema (1989), Morin analisa o processo de mitificação dos atores de cinema, ou seja, estas pessoas comuns que adentram no mundo de

Hollywood e, transformadas pelo stars system, tornam-se estrelas de cinema e até mesmo,

mitos. Morin (2003, p. 7) reflete atualmente que, em tal obra, obteve a concepção de que “a existência desses novos mitos era a consequência de uma cultura de massa gerada pelos novos meios de comunicação”. Tal relação lhe é interessante na medida em que é “importante do ponto de vista de pesquisa e de compreensão da complexidade comunicacional e culturas contemporâneas”. Morin (1989, p. X) afirma que estas estrelas, através da tela, tornam-se “semideuses”, “criaturas de sonho”, entendidas por ele enquanto mitos modernos.

Morin (1989, pp. 6-75) explica-nos que a atriz ou o ator começa a transformar-se em estrela, na medida em que seu nome verdadeiro, o “nome do intérprete”, se torne mais forte, mais evidente, que o nome de seus personagens. Foi a partir dos anos 30, que o cinema deu início a esta fábrica de estrelas, além disso, “os filmes se tornaram mais complexos, mais ‘realistas’, mais ‘psicológicos’, mais alegres”. Percebe-se aí, que a “vida real” e a tela de cinema começam a dialogar mais proximamente, o real e o imaginário, então, “se concretizam num novo sistema de relações”. O autor sublinha que a época de 30 foi quando esta fábrica tomou fôlego, mas as estrelas de cinema surgiram no ano de 1910, “por força da concorrência acirrada entre as primeiras empresas cinematográficas americanas”.

Quando essa estrela, então, excede o personagem, ela adentra no “plano mítico”, como sublinha Morin (1989, pp. 26-27, grifo do autor), sendo que o autor entende o mito como “um conjunto de condutas e situações imaginárias” e estas condutas podem ser desempenhadas por “protagonistas personagens sobre-humanas, heróis ou deuses”. Morin (1989) destaca, porém, que quando fala do mito da estrela, refere-se primeiramente ao “processo de divinização a que é submetido o ator de cinema, e que faz dele ídolo das multidões”, tornando-o amado por estas pessoas. Além disso, nota que o “amor é por si só um mito divinizador: amar é idealizar e adorar. Nesse sentido, todo o amor é uma fermentação mítica”.

Na medida em que esta estrela torna-se um mito, mais a massa busca e deseja os “suportes míticos para identificação”, que, para Morin (1989, pp. 65-66, grifo do autor), são “autógrafos, fotografias, fetiches, mexericos, ersatz da presença real, sujeitos da presença mítica e igualmente instrumentos exteriores para se viver miticamente no interior da vida das estrelas”. Entendemos estes “suportes míticos” como aqueles elementos que todo o fã busca e guarda referente à sua estrela de cinema, ou ao seu ídolo. O autor conta-nos que Hollywood recebia cartas de fãs pedindo desde chicletes mascados, guardanapos usados, até pedaços de grama pisados por suas estrelas preferidas. É como se o item se divinizasse apenas por ter sido tocado ou por ter pertencido à estrela idolatrada.

De acordo com Morin (1989, pp. 102-107), “a estrela desencadeia um fluxo de participações e de afirmações de si imaginárias”. As pessoas imaginam como é a vida da estrela, idealizam, criam histórias em sua mente, a partir da realidade existente, e até pensam: "o que Marilyn Monroe faria no meu lugar?". Tais pessoas objetivam identificar-se com a estrela, tanto fisicamente quanto através de sua personalidade. Afirma que a realidade humana se alimenta de imaginários, a ponto de ela própria ser semi-imaginária e, se as estrelas são mitos que se aderem tão notavelmente à realidade, é porque é esta realidade que os produziu.

Morin (1989, p. 112) foca-se então na explanação sobre duas grandes estrelas de cinema, que são exemplos perfeitos do mito, do culto a uma personalidade que não existe mais materialmente, mas que vive no imaginário: James Dean e Marilyn Monroe. James Dean, o “herói das mitologias”, teve uma infância conturbada. Aos nove anos, foi morar com um tio, um fazendeiro em Fairmount, depois da morte da mãe. Ele traça o seu destino no “combate contra o mundo” e larga a faculdade para se “tornar quebrador de gelo em um frigorífico”, “marinheiro em um rebocador, marujo num iate”, até achar seu lugar sobre os refletores cinematográficos.

James Dean era um herói jovem, bonito e que transformou sua personalidade e seus acessórios, como sinônimos de rebeldia. Todo jovem se achava um pouco rebelde ao usar jeans, casaco de couro, cabelo desleixado, blusa desabotoada, assim como James Dean. Morin (1989, pp. 114-120) explana que este “é o puro herói da adolescência, essa idade sem idade, onde se tem sede de vida, de liberdade e de velocidade. O segredo da adolescência é o de que viver é correr risco de morrer” e assim, “James Dean legitimou essa contradição com sua morte prematura. James Dean morreu na velocidade”. Para o autor, “a morte realiza o destino de todo o herói mitológico, afirmando sua dupla natureza, humana e divina. A morte completa a profunda humanidade do herói”. Com sua morte, “James Dean inaugurou a era dos heróis da adolescência moderna”.

Morin (1989, pp. 130-133) cita então Marilyn Monroe. A estrela se suicida em agosto de 1962, aos 36 anos, sendo localizada na cama de seu quarto com overdose de barbitúrico, substância encontrada em soníferos120. E assim, através de sua morte, mata também o star

system, o sistema que constrói uma imagem de que as estrelas vivem num conto de fadas,

num mundo perfeito que não existem problemas, tristezas, nem pessoas feias. A morte de Marilyn Monroe é a desmitificação natural de que não existe estrela-modelo, e então, consagra-se como a última estrela do passado, e a primeira estrela sem star system. Marilyn morreu “em pleno sucesso social, mas em pleno fracasso no viver”.

De acordo com Morin (1989, p. 133), as estrelas já não são modelos culturais, guias ideais, mas simplesmente imagens exaltadas, símbolos de uma vida errante e de uma busca real. Para o autor, James Dean e Marilyn Monroe são “estrelas-arquétipos, do período anterior, são também estrelas-matrizes do período atual: James Dean, o primeiro herói da adolescência, e Marilyn Monroe, heroína da nova feminilidade”. Ambos caracterizam-se como a encarnação da “difícil busca do sentido da verdade da vida, da comunicação de uma

relação autêntica com outra pessoa”, além de terem mortes trágicas. Um por meio de um acidente automobilístico, e outro por meio de suicídio. Através da morte, inesperada para todos e sinônimo de desgraça para os fãs, estas estrelas mitificam-se e perpetuam-se no imaginário como símbolos de adolescência transviada e de uma nova forma de feminilidade. Cabe destacar que Morin (1998, p. 16) coloca-se entre aqueles teóricos que acreditam que “o mito e o imaginário não representam uma simples superestrutura, e muito menos uma ilusão, mas sim, uma profunda realidade humana”.