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Legros (et al., 2007, p. 93-94) afirma que, dentre os trabalhos relacionados à “sociologia contemporânea do imaginário social”, foi a obra de Durand que apresentou “o quadro epistemológico e teórico da maior parte desses trabalhos”. Para Legros (et al., 2007, p. 94), Durand “ressaltou cinco aspectos da complexidade e da dinâmica da matéria mítica que permitem compreender as variações do imaginário e seus efeitos históricos e ‘societais’”.

Durand (2002, p. 356) trabalha com concepções sobre o imaginário e, por conseguinte, do mito. Afirma: “o termo ‘mito’ engloba para nós quer o mito propriamente dito, a narrativa que legitima esta ou aquela fé religiosa ou mágica, a lenda e as suas intimações explicativas, o conto popular ou a tentativa romanesca”. Durand (2002, pp. 62-63) entende que mito é “um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se em narrativas”. Afirma ainda, que o “mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias”.

Para Durand (2002, p. 361) o mito conta, assim como a história, porém vai além, pois o mito repete, assim como a música. Do ponto de vista do autor, “o mito é uma repetição rítmica, com ligeiras variantes, de uma criação”. E essa repetição possui um “conteúdo semântico”, ou seja, a qualidade desses símbolos importa tanto quanto “a relação repetida entre os protagonistas do drama”. Em outras palavras, o mito é um eterno recomeço. Promove tanto uma “doutrina religiosa” quanto um “sistema filosófico” e até mesmo uma “narrativa histórica e lendária”. É híbrido, podendo relacionar-se com o discurso e com o símbolo (DURAND, 2002, p. 63).

O mito é discurso, como já afirmamos, ele conta, narra. E nesta narração, é tão importante seu encadeamento, quanto o sentido dos símbolos que são narrados. Durand (2002, p. 356) argumenta que é justamente por o mito ser um discurso, que ele “reintegra uma certa linearidade do significante, esse significante subsiste enquanto símbolo, não enquanto signo linguístico “arbitrário’”. Porém, o autor (2010, p. 60) salienta que, “como o mito não é nem um discurso para demonstrar, nem uma narrativa para mostrar, deve servir-se das instâncias de persuasão indicadas pelas variações simbólicas sobre um tema”. O que contradiz a concepção de Platão, de que a “visão mítica é o contraponto da dialética verbal”, onde “demonstrar é sinônimo de mostrar”. O mito é linguagem, porém não se reduz “nem a uma linguagem”, muito menos a uma “harmonia”, assim como afirma Lévy-Strauss (DURAND, 2002, pp. 154-357).

O mito é presença semântica, ele é formado por símbolos que contém em si, seu próprio sentido. Portanto, “nunca é uma notação que se traduza ou se decodifique”. O mito é imortal, ele nunca desaparece ou morre, pode apenas ocultar-se, pois como já afirmamos, ele é um “eterno recomeço”. É atemporal, não se perde nem morre através do tempo, é independente deste. Ele é “remédio contra o tempo e a morte”. Sua estrutura de base, a estrutura sintética, procura organizar o “tempo do discurso” e a “intemporalidade dos símbolos”. É a imaginação quem “organiza e mede o tempo”, ela põe o tempo em movimento através dos mitos e das lendas históricas, e, através de sua periodicidade, consegue consolidar a fuga do tempo (DURAND, 2002, pp. 197-372).

Sobre o mito ser atemporal, Durand (2010, p. 80, grifo do autor) cita novamente Eliade (1996), o qual desenvolveu a noção de “illud tempus” do mito, onde este “contém seu próprio tempo numa espécie de relatividade (generalizada!) bem específica e ‘não- assimétrica’ [...] onde o passado e o futuro independem entre si e os eventos são passíveis de reversão, de uma releitura de litanias e rituais repetitivos”. Durand (2002, p. 283) afirma ainda, que “os cânones mitológicos de todas as civilizações repousam na possibilidade de repetir o tempo. ‘Assim como fizeram os deuses, assim fazem os homens’”.

Em seu livro O imaginário (2010), Durand explica que o mito é alógico, o que não o impede de ser lógico. O mito é alógico porque é diferente da razão e muitas vezes, por esse motivo, foi deixado à margem dos estudos e visto com maus olhos por aqueles que o consideravam duvidoso. Por outro lado, para Durand (2010, pp. 82-372), “a lógica do mito encontra-se exatamente na sua diferença em relação à lógica clássica ensinada desde Aristóteles até Léon Brunschvicg”. O mito é lógico também porque é redundante, uma “repetição rítmica” de ligações simbólicas, dentro de uma sincronicidade. O mito também

pode ser considerado absurdo. Sua absurdidade “provém justamente da sobredeterminação dos seus motivos explícitos. E a razão do mito é não só ‘folheada’ como também espessa”.

Nas palavras de Durand (2002, pp. 86-282), o “mito não raciocina nem descreve: ele tenta convencer pela repetição de uma relação ao longo de todas as nuances [...] possíveis”. O autor nota que o mito, assim como o onírico, o sonho, o rito, a narrativa da imaginação, trata- se de uma das “manifestações mais típicas do imaginário”. Segundo ele, “os conteúdos imaginários (sonhos, desejos, mitos) de uma sociedade nascem durante um percurso temporal e um fluxo confuso, porém importante, para finalmente se relacionarem numa ‘teatralização’ [...]”. Afirma ainda, que o mito possui uma “realidade subjetiva”, nomeando também a união entre os arquétipos e os esquemas, onde ambos unem-se “ao tempo para vencê-lo”, tendo como “caráter comum”, serem mais ou menos, narrativas e histórias.

Ao argumentar sobre mito e concepções relacionadas a este, Durand (2002, pp. 389- 396) deixa claro sua posição perante algumas teorias de outros autores. O autor acredita que o mito está longe de ser considerado “separado da razão e da inteligência”, assim como alguns teóricos como Aristóteles o consideraram, ou seja, compreenderam que o mito é o oposto da razão. Durand (2002) afirma que o mito está “longe de ser um produto da história”, pois é ele quem dá vida, através da sua corrente, à “imaginação histórica [...] e estrutura as próprias concepções da história”. O que contradiz a afirmação de Barthes (2007) de que os mitos são históricos, e que por este motivo, a história pode sucumbi-los. Para Durand (2002, p. 212), o mito também está longe “de ser um produto de um recalcamento ou de uma derivação qualquer, é sentido figurado que prima o sentido próprio”.

O mito narra uma história, mas também é a narrativa, a linguagem, o discurso em si. É através de sua repetição rítmica, sincrônica e linear, que ele convence de sua veracidade. É na repetição que percebemos a relação entre o mito e o Regime Noturno da imagem, pois Durand (2002, pp. 249-287) afirma que “a lua sugere sempre um processo de repetição”, além de a repetição constituir-se como “um aspecto que liga fortemente o centro e o seu simbolismo à grande constelação do Regime Noturno”.

Durand (2010, pp. 57-59) apresenta-nos as novas críticas do mito: a mitocrítica e a mitoanálise, afirmando que o pioneiro em seus estudos foi Bachelard, na obra A poética do

devaneio (1960), ao realizar uma análise literária de “imagens poéticas clássicas” anteriores à

Segunda Guerra Mundial, onde este nota que “a imagem surge para iluminar a própria imagem”. Através dessas novas críticas, Bachelard e seus discípulos escaparam do “canto das sereias estruturalistas”, sendo que estas caíram nos caminhos do positivismo mascarado de ciência da literatura, como a gramática, a semiótica, a fonologia, entre outros.

Durand (2010, p. 60) cita como importante fator para iniciar o entendimento do mito, o estruturalismo de Lévy-Strauss, afirmando que esses “exames”, essas “constelações de imagens”, podem ser organizadas sincronicamente e em um reagrupamento coerente, ou seja, organizado em mitemas119, além de estruturar-se diacronicamente, no fio temporal do discurso. Porém, devido a um aprisionamento teórico de Lévy-Strauss, Durand (2010) afirma que este se recusa a perceber que tais “ligações transversais à narrativa diacrônica, criaram pelo menos uma terceira dimensão, um ‘terceiro dado’”.

Argumentando sobre a mitocrítica, Durand (2010, p. 62) fala sobre o “Centro de Pesquisa do Imaginário”, fundado no ano de 1966 por “três professores da Universidade de Génoble”, onde os mitocríticos (como Baudelaire, Proust, Júlio Verne, entre outros), se dedicaram ao estudo de narrativas literárias de um determinado autor, e apoiaram-se nas “redundâncias constitutivas da ‘sincronicidade’”.

Há também pesquisas que podem ser nomeadas como mitoanálises. Esta pesquisa ultrapassa a obra de um determinado autor, interessando-se no estudo de mitos como “o mito da infância na literatura narrativa italiana do século 20”, ou até mesmo na “mitologia japonesa”, ou na “literatura anglo-saxã”. Durand (2010, pp. 60-63) cita também o Laboratório Pluridisciplinar de Pesquisa do Imaginário, pertencente à Universidade de Bordeaux III e dirigida por Claude-G. Dubois. O autor argumenta que os trabalhos de Dubois nos servem de exemplo para a “simultaneidade da abertura e ampliação da mitocrítica para a mitoanálise”.

Foi seguindo o caminho teórico de Gilbert Durand, aliando-o com sua perspicácia na compreensão da atualidade, que Michel Maffesoli construiu sua noção de mito, à qual iniciamos a compreensão.