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COMENTÁRIOS

IMAGINANDO A DEFINIÇÃO “DE NON-ALIUD”

Fr. Hermógenes Harada (IFITEG) De não-outro (De non-aliud) é o título de um opúsculo de Nicolau de

Cusa1. Foi escrito provavelmente no inverno de 1461/62. O título completo do opúsculo diz: Directio speculantis seu de non-aliud2

. O opúsculo é um tetrálogo: conversação tida entre Nicolau de Cusa e seus três amigos num “diálogo” sui generis acerca do Non-aliud, uma definição que nos dirige para o nome de Deus3

.

Como sempre, a seguinte reflexão acerca da definição non-aliud de Cusano é bastante, para não dizer inteiramente, diletante e amadora. De tal sorte que, aos que são peritos nas coisas de Nicolau, algo assim como a seguinte ponderação não passa de produto de uma pura imaginação fantasiosa. E isto com razão. Por isso, essa reflexão acontece sob o título que diz: imaginando a definição: de Non-aliud.

1 O non-aliud4

é uma definição.

N (Nicolaus): Primeiramente, portanto, te pergunto: o que é que por primeiro nos faz saber?

F (Ferdinandus): Definição.

N: Respondes retamente. Pois a definição é enunciação ou razão. Mas de onde a designação “definição”?

F: Do definindo, porque tudo define.

N: Muito bem. Se, pois, a definição tudo define, também se define a si mesma?

1

Nicolau de Cusa (Nicolaus Cusanus, Nicolaus Chrypffs ou Krebs) nasceu no ano de 1401 em Cusa (Alemanha) e faleceu aos 11 de agosto de 1464 em Todi (Itália). Educado pelos “Irmãos da vida comum” (Brüdern des gemeinsamen Lebens), estudou em Heidelberg e em Pádua, de 1418 até 1423 Direito, Matemática e Ciências Naturais; em 1425 passou a estudar Teologia; 1430 ordenado sacerdote, 1431 nomeado decano em Koblenz, 1432 tomou parte no Concílio de Basel; 1448 tomou-se cardeal, 1450 bispo de Brixen.

2

Segundo FLASCH, Kurt. Nicolaus von Kues, Geschichte einer Entwicklung. Vittorio Klostermann: Frankfurt am Main, 1998, p. 555ss, o duplo título levantou algumas questões como estas acerca da obra: O título duplo é autêntico? Refere-se a uma escrita só ou a duas escritas, das quais uma se chama Directio speculantis e a outra

De non-aliud, que se perdeu? O próprio Cusano não colocou o texto que se acha em

2 manuscritos seus, na coleção definitiva de seus escritos. Desejava ele elaborá-lo mais e melhor?

3

Os interlocutores do Cusano são: o abade Giovanni Andrea dei Bussi, Pietro Balbi e um médico português de nome Ferdinandus Matim.

4

F: Certamente, já que nada exclui.

N: Vês, pois, que a definição que tudo define não é outra coisa do que o definido?

F: Vejo-o, já que é definição de si mesma. Mas qual seja ela, não vejo. N: Eu te disse expressamente de modo o mais claro qual ela seja. E isto é aquilo que, como disse, negligenciamos no curso da nossa caçada, em, sem o perceber, ultrapassando precipitadamente ao longo do buscado.

F: Quando o disseste?

H: Há pouco, quando disse que a definição que tudo define não é outra coisa do que o definido.

F: Ainda não te captei.

N: Poucas coisas que disse deixam se perscrutar facilmente. Nelas encontrarás o non aliud; e se com todo o empenho concentras a acuidade da mente para o non-aliud, verás comigo mesmo a definição que define a si mesma e tudo.

F: Ensina-nos como isso se faz, pois é grande o que afirmas, e ainda não é aceitável5.

N: Responde-me, pois: o que é non aliud? É acaso outro do que o non-

aliud?

F: Jamais um outro. N: Portanto, o non-aliud. F: Certamente.

N: Defina, pois, o non-aliud!

F: Eu vejo bem como o non-aliud não é outro do que o non-aliud. E isso ninguém há de negar.

N: Dizes algo verdadeiro. Não vês, pois, com toda a certeza que o non-aliud define a si mesmo, já que não pode ser definido por outro?

F: Certamente o vejo. Mas ainda não consta que o non-aliud tudo define. N: Nada mais fácil de conhecer do que isso. O que, pois, hás de responder, se alguém te interrogar, o que é o outro? Porventura, não haverás de dizer: não é outro do que outro? Assim como à pergunta o que é o céu,

responderás: não é outro do que o céu?

F: Em todo o caso poderia assim responder com veracidade de tudo que de mim demanda ser definido.

N: Não resta, pois, nenhuma dúvida de que esse modo de definir, no qual o

non-aliud define a si e a tudo, é o mais preciso e o mais verdadeiro; assim

não resta a não ser o morar insistente com atenção junto dele e encontrar o que humanamente se pode saber.

F: Coisas maravilhosas, dizes e prometes. Primeiramente, porém, desejaria ouvir, se alguém dentre todos os contemplativos disse aberta e

expressamente isto que tu dizes?

5

N: Embora não o tenha lido em nenhum deles, parece que Dionísio é aquele que se achegou mais próximo do non-aliud do que os outros. Pois, em tudo que expressa, ele elucida o non-aliud. Quando, porém, chega ao fim da sua

Mystica Theologia6 afirma que o Creador não é quê denominável nem quê

outro. Ao dizer isso assim, não parece que ali ele propale grande coisa, embora, para quem o entende, ele tenha trazido à fala o arcano non aliud, explicado por ele mesmo de outros modos em muitos lugares.

2 Definição é coisa da mente.

O non-aliud é definição. Definição é enunciação ou razão; e enunciação é manifestação visível vocalizada ou gráfica7

da razão. Razão aqui é conceito e sua síntese como juízo (S é, não é P). As estruturas e estruturações da razão, faculdade de pensar,

“formalizadas” em formulações vocais ou gráficas, são objetos da “lógica formal”.

Mas ao “definir” a definição non-aliud como definição que define tudo e a si mesma, de tal sorte que a definição e o definido é o mesmo, Cusano diz que é o modo o mais preciso e verdadeiro de ser “o

caminho que dirige o peregrino para o nome de Deus”. Non-aliud, a

definição que tudo define e a si mesma, definição que é ao mesmo tempo, de todo, igualmente o definido de si mesma, não assinala propriamente o nome de Deus, que é, “antes de todo o nome denominável no céu e na terra”8

, enquanto tudo isso pode ser sabido humanamente9

.

A essa altura da “matutação” surge uma pergunta que pode nada significar na realidade do bom senso e do são entendimento, a saber: se o non-aliud é definição que indica um caminho, o mais preciso e

verdadeiro para quem peregrina ao nome de Deus, o qual é

inominável, cujo “ser” é antes de todo o nome e todo o conhecimento, de todo e qualquer sentido do ser, Deus, o qual é origem primeira de todo o ser do ente, de todo o conhecer e de toda a designação,

portanto, se o non-aliud é definição que define a si e todo o “resto”, em que sentido ela é um caminho para indicar o nome de Deus? E o que significa aqui o nome de Deus? O caminho que leva à cidade não é

6

DIONÍSIO AREOPAGITA, De myst. Theol. V, p. 599s.

7

Voz sai da boca (os, -ris em latim). Daí que, em latim enunciação, discurso significa oratio. Outra maneira de “visibilizar” a manifestação da razão é por escrita.

8

N: “Muito bem! Como nós não podemos revelar um ao outro cada qual a sua visão a não ser pela significação das palavras, não nos ocorre nada mais exato do que o non-aliud, assim como o caminho que dirige o peregrino à cidade não é o nome da cidade”.

9

F: Ao passo que todos os outros chamam a primeira origem de Deus, tu pareces querer, pois, chamá-lo de non-aliud.

ainda o nome da cidade. Mas, mesmo o nome da cidade já é a própria cidade ela mesma?

Então, definição, conceitos, juízos, nomes, enunciações ou orações não são entia rationis? Coisas e causas lógicas, puros entes mentais. A realidade dos entia rationis é apenas “mentada”, são “intenções” vazias, sem objetos correspondentes para além e fora deles que encham suas carências: os entes da razão, as coisas mentais são todas elas, de todo, de início ao fim, puramente mentais, apenas projeções, portanto apenas ob-jectivos, ou productos da imaginação sub-jectiva “criativa”. Mas as figuras ideais, lógicas não são produções mentais imaginativas, produções da fantasia no “cio” irracional da “criatividade” desenfreada, não são, pois, quimeras, alucinações, delírios “subjetivos”, mas objetivos. E, no entanto, nesse adjetivo

objetivo, que literalmente significa pro-jectivo, pro-ducto do lance do

interesse do sujeito, o pivô da questão não está na afirmação ou negação da existência, da ocorrência do ente real, fora da mente, em si, mas sim da posição de uma realidade, em cujo ser, tudo é dentro, tudo é em-si-mesmado, imanente, de tal sorte que tudo que no

medium mental é afirmado ou negado tem igual modo de ser

“homogêneo” do medium mental, pois, tudo define e se define no mesmo modo de ser da pura e ab-soluta de-finição. As coisas objetivas da intencionalidade lógico-matemática, da imaginação “criativa”, embora qualificadas ora de objetivas, ora de subjetivas, ora imanentes (dentro), ora transcendentes (fora) à mente, e antes de tudo a própria mente, e suas atividades, por mais diferenciadas que pareçam, são todas elas no igual modo de ser chamado mental.

Imaginando a definição non-aliud, não poderia ser esse ponto o pivô

da colocação de Cusano: definição que tudo define e a si mesma: o

non-aliud?

Se assim reduzirmos ou reconduzirmos todas as “coisas” à projeção da imaginação criativa da mente, inclusive os “objetos” ideais e reais, o próprio ser e a existência da mente, ela mesma, liquidificando toda e qualquer “substantivação” do ser ao fluxo dos momentos da dinâmica da cogitação ou coagitação mental, nada mais resta que fique “fora” desse fluxo e da sua liquidificação, de tal maneira que aqui

desaparece a diferença entre o real e o mental, toda e qualquer objetivação e seus objetos refluem para dentro da vigência produtiva interna da própria objetivação. Embora uma tal redução pareça, ou seja, um indevido “atentado à mente”, imaginemos a modo de um jogo de pensamento o seguinte texto do non-aliud dentro da sua

perspectiva redutiva:

Diz Ferdinandus: Embora se mostre que, através do non-aliud, vejas o princípio-fonte do ser e conhecer, se, no entanto, não me mostras isso mais claramente, eu não o percebo.

Responde Nicolau: Os teólogos dizem que Deus refulge10 mais claramente no enigma da luz, porque nós subimos através do sensível ao inteligível. De fato, antes da outra luz, seja qual for o seu nome, e antes do outro

simplesmente, é a própria luz que é Deus. Aquilo, porém, que é visto antes do outro não é outro. Aquela luz, pois, como é o próprio non-aliud e não luz denominável, esplende na luz sensível. Mas a luz sensível, comparada à visão sensível é concebida de alguma forma referindo-se a si mesma como a luz que é non-aliud para com todas as coisas que a mente pode ver. Temos experiência, porém, de que a visão sensível nada vê sem a luz sensível e que a cor visível não é outra coisa do que terminação ou definição da luz sensível, como o mostra o arco-íris. E assim, a luz sensível é o princípio-fonte de ser e conhecer o visível sensível. Assim, pois,

conjeturamos que o non aliud é o princípio-fonte11do ser e o princípio-fonte do conhecer.

3 A definição non-aliud está para com todas as coisas definidas como a luz para com as coisas visíveis que ela faz aparecer.

O título desse item três é o que Cusano insinua no texto acima mencionado. Examinemos mais de perto o conteúdo desse texto, de modo imaginativo, como se ele tivesse ou pudesse ter dito tal coisa: A luz não é visível, mas faz visíveis todas as coisas sensíveis. Não se trata, pois, de duas entidades. A luz tampouco é horizonte dentro do qual uma coisa se torna visível. O ser visível do ente, o seu fulgir é luz. O que significa então a afirmação: a luz não é visível, mas faz visível? Diz Cusano:

Os teólogos dizem que Deus refulge12 mais claramente no enigma da luz, porque nós subimos através do sensível ao inteligível. De fato, antes da outra luz, seja qual for o seu nome, e antes do outro simplesmente, é a própria luz que é Deus. Aquilo, porém, que é visto antes do outro não é outro. Aquela luz, pois, como é o próprio non-aliud e não luz denominável, esplende na luz sensível.

10

DIONÍSIO AREOPAGITA, loc. cit., De div. Nom. IV, p. 145, 162s.

11

No texto original latim é principium. Princípio é o início, o começo, mas no sentido de fonte da qual eclode, salta o manancial do rio. Não é, pois, o início ou começo no sentido do primeiro passo de uma série que segue, mas como o salto originário (Ursprung em alemão) ou toque de origem, no qual se decide o todo que vem à fala. E algo como o eclodir da possibilidade de ser.

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Tentemos olhar para dentro desse enigma13

da luz sensível. Em antecipação, possamos talvez dizer: o que chamamos de sensível, de visível dá a impressão, ou melhor, na nossa concepção usual é algo físico, material. Por isso achamos que visível, sensível, pouco ou nada tem a ver com o sentido do ser. Mas o sentido do ser tem tudo a ver com a sensibilidade da inteligência. E inteligência na sua amplitude, na sua profundidade, na sua criatividade a mais intensa se chama

mente. Com outras palavras, o sensível, o visível, o físico, o material,

tudo isso e mais são modulações, coagitações mentais. Tentemos ilustrar essa situação, referindo-a com a colocação medieval da mente e de seu ser.

a) Mente, mental e plenitude do ser

Mens, -tis na Idade Média indicava o modo de ser do homem (animal rationale) na sua excelência optimal denominada “espírito”. Falando

de modo simplificado e facilitado, a modo de caricatura, o homem é hoje uma composição de vários elementos constitutivos seus, justapostos, sobrepostos, aglomerados ou compensados em camadas. Nesse esquema representamos o homem, grosso modo, como composto de uma dimensão corporal-sensível e outra espiritual- supra-sensível e criamos para nós problemas como o de indagar da possibilidade de algo supra-sensível se tornar visível num algo

sensível etc. Na escalação da intensidade da participação das esferas dos seres na plenitude do ser propriamente único e absoluto

denominado Deus (ipsum esse), embora se usasse esse termo freqüentes vezes, não se tratava de composição, mas sim de

potencialização, onde a esfera inferior era subsumida pela esfera

superior de tal modo que nessa subsunção sofria transformação total e radical no seu ser. Assim, mesmo que possa ter hipoteticamente semelhança com o corpo de um suíno, o corpo humano é inteiramente diferente do corpo de um porco, pois é corpo assumido já de antemão pelo espírito humano. Esse modo de explicar, porém, falseia a

compreensão medieval, pois não é assim que o homem tenha em si como sua composição a esfera corporal como uma parte, a esfera anímica como uma outra parte e a esfera espiritual como mais outra parte. E que aqui na compreensão medieval da realidade, cada esfera é substância, essência universal; e cada uma delas é uma totalidade. E na potência de ser, a medida da sua vigência “vinha do alto”, de tal sorte que as esferas dos entes tanto mais eram substância, essência universal, quanto mais próximas estavam de Deus na participação do

13

Enigma, em latim é aenigma, -atis; em grego, aínigma. Entre várias outras significações como

insinuação, problema, fala obscura, algo a ser adivinhado, mistério, talvez a mais adequada

significação fosse: fala, sentença, enunciação prenhe de sentidos, que não indica nada para fora dela, como que apontando uma coisa ou um objeto, mas nos atraindo a intuir, i. é, ir para dentro dela mesma, imergindo-nos no medium do sentido (significação) mental.

seu ser. Resultava disso toda uma cascata de cadências da presença da vigência do ser que dava o esquema de ordenação dos degraus do ser, que formulado de modo simplificado se estruturava mais ou

menos da seguinte maneira: o Ente supremo, o ser propriamente dito, o qual é a plenitude do ser, o próprio ser, de tal maneira que fora dele não haveria propriamente ser; através da comunicação do seu ser como a bondade difusiva de si, faz surgir a recepção em diferentes níveis de intensidade participativa desse ser, dando-se a possibilidade dos entes como criaturas em ordenações: os puros espíritos, os homens, os animais, as plantas e os corpos físicos sem vida.

Mas aqui é decisivo não entender essa ordenação a partir da lógica da generalização objetivante, classificando-a como geral e particular. Também não se deve confundir tout court o todo da ordenação do ser em cadência na dinâmica descendente da comunicação e na

escalação da dinâmica ascendente da participação com a parte “inferior” da ramificação da ordenação das substâncias compostas a modo da definição essencial exposta na árvore porfiriana: Homem (espécie) = animal (gênero) + racional (diferença específica); animal (espécie) = vivente (gênero) + sensível (diferença específica); vivente (espécie) = corpo (gênero) + vivo (diferença específica). Esta

ordenação das substâncias compostas é aquele setor das ordenações da intensidade do ser na comunicação e participação do ser no seu todo, onde se trata de ordenar os entes do mundo sensível, do mundo visível, ao passo que o outro setor trata de ordenar os entes do mundo supra-sensível, os espíritos puros ou substâncias simples. Porque aqui, quem é unicamente o próprio ser, quem é unicamente a plenitude do ser, é Deus, e fora dele nada é, a não ser como comunicação e participação. Portanto, de modo todo próprio, o ser está presente e ao mesmo tempo ausente, retraído, em todas as esferas do ser. Assim o é com o ser que é o próprio Deus em graduações descendentes e ascendentes da intensidade de ser, conforme a dinâmica da comunicação e participação das criaturas no ser que é o próprio Deus. Por isso ser não é gênero, mas

“transcendental”, ultrapassa, sobe mais acima, para além de todos os entes, não como mais um ente, embora supremo, mas como o

invisível, inominável, inteira e radicalmente outro, diferente de todos os entes atuais e possíveis, como totalmente desprendido de tudo, só, ab-soluto, na plena soltura de si mesmo, na liberdade de ser. Portanto, ser ab-soluto nada-ente.

Essa catarata do ser, vinda do alto, se espraia como águas do imenso e abissal oceano da possibilidade de ser, impregnando tudo, cada vez a seu modo, todos os entes, desde os espíritos, os mais sublimes (anjos) até os entes, os mais insignificantes como pó e esterco da terra e se esvai nas criaturas sem vida, de baixa densidade de ser, cada vez mais nadificadas, matéria pura, o puro nada-recepção.

Se agora olharmos para o todo da cadência da cascata da dinâmica entificativa, o que se denomina Ente Supremo (Deus) é definido como

ens a se, o em sendo a partir de si, nele mesmo, na plenitude da

doação de ser, qual fonte insondável e inesgotável da vigência,

atuação e presença do e no ser. O ens a se é contrário ao ens ab alio, que é característica da criatura, do ens creatum. Mas, nessa

colocação, a plenitude da densidade do ser, o a se, o ipsum esse é “medida” não pelo volume quantitativo do ser, mas, por assim dizer, pela qualificação do ser, na medida em que na direção ascendente, a partir da entidade sem vida, cresce na propriedade do sentido do ser em graus dimensionais denominados vida (vegetais), sensibilidade (animais), racionalidade (homens: inteligência, sentimento, vontade)14

,

espírito (anjos e Deus). O termo usado para indicar a consumação no

crescimento dessa “qualificação ontológica” é pessoa. Portanto, quando o pensamento medieval diz da qualificação própria do ser do homem que a excelência, a consumação, a perfeição da sua vida, do seu ânimo, da sua razão, do seu espírito é mens, é mental, queria dizer que o homem é pessoa, i. é, estava apto, dis-posto ao modo de ser e conhecer, i. é, ser e co-nascer com o modo de ser de Deus15

. A plenitude do ser assim qualificada é o ens a se, de cuja aseidade participam as esferas dos entes na ordenação ascendente no movimento da dinâmica de personificação do sentido do ser que enquanto dinâmica descendente da comunicação da aseidade de Deus se expande em cadências, constituindo as esferas das realidades sem vida até a quantificação puramente “material” de matéria-prima, cujo ser é apenas ocorrências quantificadas em

extensão, determináveis no espaço e na duração, inteiramente vazias de conteúdos do ser, apenas o nada, de alguma forma definível

14

A definição do homem como animale rationale não significa um bicho, um animal que tem capacidade cerebral de raciocinar. Significa vivente, na dinâmica da sensibilidade e da racionalidade, j. é, da inteligência, sentimento e vontade. Racional, ratio, razão aqui é tradução de

Lógos e indica a característica própria do ser humano de colher, acolher (légein) o toque do

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