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O mar é imenso? Por uma teoria da Internet como espaço: a contribuição de Margaret Wertheim e Nicolas Bonnal

ORKUT PERIGO CONSTANTE!

3. UM NOVO MAR

3.6 O mar é imenso? Por uma teoria da Internet como espaço: a contribuição de Margaret Wertheim e Nicolas Bonnal

“Ao contemplar estas questões, somos inevitavelmente conduzidos ao dilema que o segundo elemento da palavra ‘ciberespaço’ suscita. Afinal, que significa falar de ‘espaço’?

Margaret Wertheieim (1999, p. 22) O precioso livro Uma História do Espaço, de Dante a Internet, de Margaret Wertheim, se inicia na constatação pela autora de que a rede tem sido significada por uma concepção quase religiosa e que o ciberespaço é encarado por muitas pessoas dentro do que ela denomina “sonho tecno-religioso”, determinando que ele seja representado, muitas vezes, em “termos espirituais” (WERTHEIM, 1999, p. 15). Mapeando estas representações ela discute como o imaginário contemporâneo resgatando a idéia de Paraíso, como a inscrita na obra de Dante Alighieri e que demarcou toda uma concepção medieval e colonial de “cidade de Deus”. Para tanto, ela se vale da discussão proposta por pesquisadores da realidade virtual do Human Interface Technology Laboratory da Universidade de Washington, que expressou, em seu discurso acerca das tecnologias para facilitar a interação do homem e da máquina, a idéia de que “as luvas de dados” permitiriam que nos tornássemos criaturas de luz colorida “ como anjos” e o ciberespaço, enfim, “pareceria o Paraíso”.

Esta “imaginação científica” como escreveu Mary Midgley em Science as Salvation, projeta a imaginação cibernética “ como uma força tecno-utópica” que não pode ser esquecida. As visões cristãs se revestem de um formato tecnológico e acho interessante pensar esta analogia diante do fato que foi em meio à crise da pax romana que estas visões ganharam corpo e poder, principalmente agora que a pax estadunidense está continuadamente questionada e criticada, afirma a autora, citando como fonte o pesquisador Umberto Eco (WERTHEIM, 1999, p. 16). Situando, portanto, um momento político ideal para a proliferação destas visões religiosas a cerca do ciberespaço, a pensadora da cibercultura, aponta para o fato de que, como o céu cristão, a Internet tem um potencial profundamente democrático, sempre potencialmente aberto para todos. Dentro desta visão utópica se nega o fato de que poucos têm acesso à rede, imersos em analfabetismo e abandono social. O que interessa aos produtores da utopia é a idéia de que está aberta e, para os que de fato tem acesso à rede, a invisibilidade garantida pelo anonimato protege de tudo que não está de acordo com o formato imposto pela dominação: basta encobrir a

obesidade, a calvície, a velhice, ou qualquer outro “ pecado estético” sob um nick ou avatar (um desenho que lhe represente) e a comunicação com o mundo estaria garantida. (WERTHEIM, 1999, p. 19). O livro de Margaret Wertheim revisa, então, a noção física de espaço para pensar, enfim, o mesmo como representação. Esta representação da rede como lugar, pode ser “boa para pensar” a explosão do ciberespaço como “uma força exponencial de seu próprio big bang” (WERTHEIM, 1999, p. 163).

Um outro universo se expande diante de nós: apenas em 2005, surgiram 19 milhões de sites, superando o recorde de 2000, conhecido como período da bolha, com 16 milhões de sites. Em 1995, havia 18,9 milhões de sites. Criam-se cem mil blogs por dia, no mundo, em 2006, entraram no ar mais de 26 milhões de sites, como afirma a pesquisa da firma que monitora a Internet, Netcraft126. Ainda segundo seus dados, no primeiro dia de maio de 2007, havia 118.023.363 sites. São bilhões de páginas, muito maior do que aquela ao alcance dos buscadores, estima-se que apenas 11% de toda rede possa ser achada por sites de busca convencionais, segundo a School of Information Systems, Technology and Management da Universidade de Sydney, Austrália, que vêm desenvolvendo toda uma pesquisa de mensuração de dados analíticos para a WEB, as Cybermetrics. Da denominada WEB invisível, fazem parte sites excluídos pelos provedores de busca, bases alfanuméricas, catálogos de artigos diversos, páginas órfãs (sem links), arquivos não textuais, como multimídias, sites que exigem registro, páginas ativadas por códigos, enfim, uma tonelada de dados que se esconde de quem navega, intencionalmente ou não.

Em termos de computadores conectados, os números também revelam grande crescimento: no mundo inteiro, em 1995 eram mil computadores e agora são quase cinqüenta milhões, afirma a Netcraft. Como cada um destes micros é, potencialmente, produtor de conteúdo, as taxas de crescimento tende a ampliar sua curva. Cada vez mais utilizado para interação social, o ciberespaço inclui, como afirma Wertheim, “a criação de uma profusão de mundos de fantasia on-line em que as pessoas assumem elaborados alter egos”. Como exemplos deste uso há, desde os nicks em salas de IRC e Bate Papo, muitas vezes compostos apenas por um nome que identificam os usuários até os elaborados avatares do Yahoo, no qual os usuários são convidados a montar um desenho que os representem, escolhendo a forma física (formato de rosto, cor da pele,olhos, cabelos), corte de cabelo, roupas, uma versão menor do Second Life,

126 Todos os dados podem ser encontrados no site da empresa, Disponível em http://news.netcraft.com/. Último

comunidade virtual que, em troca de uma mensalidade, possibilita a criação de um avatar animado que se move, compra, freqüenta hotéis, parques, restaurantes, interage com outros. Há também os perfis disponibilizados nas comunidades. Enfim, na rede, você pode ser quem você quiser, inclusive vários ao mesmo tempo. Mundos artificias são criados para permitir interação como o Second Life, outros MUDs (nome que se dá a estes ambientes, sigla de Multi-user dungeon, dimension, ou por vezes domain, ou seja Dimensão ou domínio de muit-usuários) proliferam na rede. Sherry Turkle, professora de sociologia no Massachussets Institut of Technology (MIT) e doutora, por Harvard, em Psicologia da Personalidade, pesquisou a interação nos MUDs e escreveu acerca do tema o livro Life on the Screen: identity in the age on the Internet. Para ela “as comunidades virtuais podem ser como bares, bistrôs, cafés. Não possuem a intimidade da família nem o anonimato da rua. Posicionam-se entre o público e o privado127.” Nesta fronteira, “tornaram-se um laboratório social para a experimentação com as construções e reconstruções do eu que caracterizam a vida pós-moderna” (TURKLE, 1995, p. 180). Como afirma a pesquisadora, nos MUDs, internautas de todo o mundo, compõem um coletivo conectado, realidades sociais virtuais, nas quais se agregam centenas de milhares de pessoas. [...]:

Decir que estos juegos enganchan es quedarse corto. «Esto es más real que mi vida real», dice un personaje que resulta ser un hombre haciendo el papel de mujer que se finge hombre. Dado que los MUD son creados por sus usuarios, constituyen una nueva forma de literatura de creación colectiva, que tiene mucho en común con la performance, el teatro de calle e improvisativo, la commedia dell'arte y la escritura de guiones. Pero los MUD son algo más que eso. Al participar en ellos, los jugadores no sólo se convierten en autores de un texto, sino en autores de sí mismos, construyendo sus personalidades mediante la interacción social.

Para a autora, os MUDs desempenham, ainda, um importante papel terapêutico e em seu livro ela disserta como muitos de seus informantes utilizaram seu papel na rede para apreender novas formas de lidar com problemas psicológicos que os atormentavam. Para ela, a experiência desenvolvida pelos internautas nos Muds poderia balizar uma espécie de experimento, de exercício para viabilizar estreitamentos em relacionamentos pessoais na vida não digital. Este comentário de Turkle é relacionado por Wertheim a uma forma de terapia, o Psicodrama. Desenvolvido por Moreno, se valia da representação do site para favorecer a ab-reativa128 e a

127 Entrevista dada a Federico Casalegno. Disponível em http://www.pucrs.br/famecos/pos/revfamecos/11/sherry.pdf.

Último acesso em 02/05/07.

128 Na psicanálise um reviver da experiência do trauma que provoca um elaborar da questão, e conseqüentemente sua

elaboração do mesmo. Compara ainda os excessos vividos por alguns participantes com os abusos do álcool e das drogas, “mais convenientes e baratos” que eles. Concordando com Turkle, por fim, Wertheim reafirma que o ciberespaço permitiria a possibilidade de uma “cisão do eu numa multiplicidade radical”. Os argumentos da autora são muito interessantes, principalmente se olharmos as comunidades do Orkut analisadas como um MUD. Nela os participantes se comunicam, criam comunidades de interesse, descrevem seu perfil como desejarem, atribuem a si mesmos descrições físicas, idades e locais de nascimento e morada, descrições estas que podem ser “atualizadas” a qualquer momento. Além disso, a idéia de que a rede funcionaria como um espaço “espiritual” e iniciático também é validada pelos sites pesquisados, para quem a Internet significa um espaço de liberdade, de encontro com a verdade e de aprendizado dos “verdadeiros ideais da raça branca” (V88).

Nicolas Bonnal, por sua vez, em Internet, a Nova Via Iniciática, discute os aspectos religiosos da rede, em especial como esta se configurou de modo a validar a conexão como obrigatória, no que ele define como “ renascimento imaterial do Mundo”. Concordando com a obra de Wertheim, Bonnal demonstra como a rede se demarca no “remate do projeto tecnológico ocidental” (BONNAL, 2000, p. 7). “Local de encontro da alta tecnologia com o irracional mais puro”, a Internet mobiliza o imaginário humano: não sabemos com quem e com quantos de fato nos relacionamos, “herdeira das grandes viagens míticas”, a navegação na WEB simula experiências: os mouses são os novos navios e seus utilizadores, novos argonautas. Na defesa da pertinência entre a viagem espiritual e a viagem no ciberespaço, Bonnal recorre à análise de diversas simbologias, da Cabala as apocalípticas, para tecer analogias entre a rede e a experiência mítica, as duas sempre se valendo da tessitura textual, seja na forma de livro sagrado ou de blog mais acessado. O cibermisticismo e a tecnognose são para Bonnal produtos do atual mundo globalizado, que vê na possibilidade emergente da rede um espaço para a experiência mercantil, vinculado a um culto à máquina levado ao extremo. Clicar é um ato iniciático e comprar também. Na análise do autor francês, a iniciação se torna e-niciação na rede e os novos capitalistas dependem de mercados, cada vez mais digitalizados para nascer ou morrer. Uma característica comum nos processos de iniciação é a idéia de que o iniciado muda de estado, que renasce sob outra forma de vida. Para Bonnal, a rede propicia este renascimento continuadamente, a própria linguagem Mosaic, que permitiu que a Internet se transformasse da ARPANET, possui inúmeras referências simbólicas da Bíblia e da cabala. Há novos cavaleiros do apocalipse e Bonnal enumera alguns: o hoax, o vírus, a quebra de conexão. Nos sites e nas comunidades do Orkut

pesquisadas se propaga a necessidade de se reconstruir o mundo, de se recuperar não o paraíso perdido, mas a Europa e a vida européia perdidas. Estaria na rede, para eles, os instrumentos necessários para este ativismo reformatado em via iniciática.