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2. Revisão da Literatura

2.6. Impacto da certificação nos serviços de saúde

A certificação de um sistema de gestão, de que é exemplo um SGQ, é a garantia de que uma organização tem implementado um sistema de gestão que regula as suas principais atividades, e que as mesmas estão alinhadas conforme a sua estratégia interna (Instituto Português da Qualidade, 2013). A norma ISO/ IEC 17021:2011 especifica requisitos genéricos para os organismos de certificação, e destina-se a ser

20 Para perceber melhor os questionários que foram entregues aos países envolvidos neste

estudo conferir DUQuE. (2010). DUQuE: Participating countries. Retirado de http://www.duque.eu/index.php?page=participating-countries.

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utilizada por aqueles que realizam auditorias e certificação de sistemas de gestão, a uma determinada instituição. As atividades de certificação compreendem processos de auditoria ao sistema de gestão da organização que compreendem, além de outros, o domínio da qualidade.

Face aos crescentes desafios que todos os dias são colocados ao setor da saúde em Portugal, e relativamente à melhoria da qualidade da prestação de cuidados aos pacientes/ utentes e o contributo para essa melhoria, inevitavelmente falamos de certificação e dos benefícios e mais valias que a sua prática permite (APCER, 2014). A certificação dos serviços de cuidados de saúde deve funcionar como uma garantia de qualidade no atendimento das necessidades dos utentes, e deve, por isso, ser um objeto estratégico fundamental para este tipo de instituições (APCER, 2014).

Os termos acreditação e certificação são, muitas vezes, utilizados como sinónimos, embora seja possível verificar diferenças ao nível dos seus objetivos, bem como quanto aos respetivos referenciais (R. Gomes, 2010). A principal diferença entre estes dois modelos de avaliação de qualidade é o âmbito onde são aplicadas: a acreditação é aplicada somente em instituições de saúde ou outras, enquanto que a certificação pode ser também aplicada a pessoas, como enfermeiros ou outros profissionais de saúde (Rooney & Ostenberg, 1999).

De acordo com Anne L. Rooney e Paul R. van Ostenberg (Rooney & Ostenberg, 1999) a certificação é o processo pelo qual, uma determinada instituição, avalia e reconhece requisitos e critérios para ir de encontro às necessidades individuais, dos stakeholders, e institucionais. Para o Instituto Português da Qualidade (IPQ), a certificação é o

procedimento segundo o qual uma terceira parte dá uma garantia de que um produto, processo ou serviço está em conformidade com os requisitos especificados

(Instituto Português da Qualidade, 2014). A acreditação, por sua vez, surgiu em 1917 nos Estados Unidos, como um mecanismo para reconhecer o serviço de cirurgia (World Health Organization, 2003). De acordo com o Instituto Português de Acreditação (Instituto Português de Acreditaçao, 2014), consiste na avaliação e reconhecimento da competência técnica de entidades para efetuar atividades específicas de avaliação da conformidade (por exemplo: ensaios, calibrações, certificações e inspeções). Neste sentido, cada Estado-Membro da EU (e EFTA) designou um único organismo nacional de acreditação, sendo que em Portugal é o IPAC que tem essa missão, conforme o disposto no Decreto-lei n.o 23/2011, de 11 de fevereiro (Decreto-Lei n.o 23/2011, 2011).

Constantemente os hospitais são sujeitos a uma série de avaliações externas com diferentes propósitos, por uma série de agências voluntárias, com um leque alargado de abordagens (C. Shaw, Groene, Mora, & Sunol, 2010). A principal técnica de peer review

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realizada na Europa, que se foca em todos os hospitais ou serviços, foi realizada por Charles Shaw (C. D. Shaw, 2000), com o nome de ExPeRT, no âmbito da pesquisa de mecanismos e uso de mecanismos externos que participavam na melhoria dos cuidados de saúde. Este projeto foi desenvolvido entre 1996 e 1999, e visava avaliar o uso e desenvolvimento de modelos de peer review externos, e ainda identificar em que estados membros da União Europeia os principais modelos são utilizados (Groene et al., 2010). Este projeto identificou quatro modelos utilizados na Europa ocidental: (i) abordagem ISO, (ii) modelo EFQM, (iii) visita, que é o termo holandês para peer

review externo e (iv) acreditação específica dos cuidados de saúde, e demonstrou que,

em princípio, a convergência destes quatro modelos no sentido de aplicar as suas principais forças, é praticável (Groene et al., 2010; Nabitz et al., 2000; C. D. Shaw, 2000). Este trabalho conclui que a abordagem EFQM é a abordagem mais genérica das quatro, uma vez que enquadra a gestão da qualidade como uma parte integral de todos os profissionais e das funções de gestão, a todos os níveis da instituição (Nabitz et al., 2000). Além disto, foca-se no desenvolvimento da organização e na melhoria contínua, coisa que a ISO e a acreditação tipicamente não enfatizam muito.

Dentro da União Europeia, muitos são os casos de projetos endereçados à avaliação de estratégias de qualidade ao nível hospitalar. Entre os primeiros encontra-se o Programa de Ação Concertado da Avaliação da Qualidade nos Hospitais (Apud Groene et al. 2010)21, executado entre 1990 e 1997 em quinze países europeus (Groene et al., 2010).

Charles Shaw, Oliver Groene, Nuria Mora e Rosa Sunol (C. Shaw et al., 2010) realizaram um estudo para identificar diferenças na gestão da qualidade entre os diferentes hospitais de algumas cidades da União Europeia, que eram acreditados, certificados, ou nenhum destes casos. Para este estudo foram considerados 89 hospitais de seis países da União Europeia: Bélgica, República Checa, França, Irlanda, Polónia, Espanha e Reino Unido. Dos 89 hospitais selecionados para auditoria externa, 34 eram acreditados (sem certificação da ISO), 10 eram certificados pela ISO 9000 (sem acreditação) e 27 não eram nem acreditados, nem certificados. Os scores percentuais para 229 critérios (28 – gestão; 53 – direitos dos pacientes; 41 – segurança dos pacientes; 53 – organização clínica; 32 – prática clínica; 20 – ambiente), foram 66,9% e 51,2% para a qualidade e segurança, respetivamente (C. Shaw et al., 2010).

21 A este respeito conferir: Klazinga, N. 1994. “Concerted Action Programme on Quality

Assurance in Hospitals 1990-1993 (COMAC/HSR/QA): Global Results of the Evaluation.” International Journal for Quality in Health Care 3 (6): 219–230 citado por Groene, Oliver, Niek Klazinga, Cordula Wagner, Onyebuchi A. Arah, Andrew Thompson, Charles Bruneau, and Rosa Suñol. 2010. “Investigating Organizational Quality Improvement Systems, Patient Empowerment, Organizational Culture, Professional Involvement and the Quality of Care in European Hospitals: The ‘Deepening Our Understanding of Quality Improvement in Europe (DUQuE)’ Proje.” BMC Health Services Research 10 (January): 281. doi:10.1186/1472-6963-10- 281.

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Os resultados deste estudo concluíram que neste grupo de hospitais, aqueles que têm uma certificação ISO ou acreditação estão melhores a nível de estruturas e procedimento de qualidade e segurança do que aqueles que não possuem nenhuma destas, e que a acreditação tem mais impacto do que a certificação ISO na gestão hospitalar, na segurança dos pacientes e na prática clínica (C. Shaw et al., 2010). Este resultado, ao que aparenta, não foi surpreendente, uma vez que muitos dos critérios abrangidos pela acreditação são utilizados por programas de acreditação na área da saúde, ao invés que a ISO 9001 está desenhada para sistemas de gestão da qualidade em geral. Os autores sugerem que esta diferença pode ser diminuída através do desenvolvimento e aplicação de uma interpretação no documento da ISO 9001 para a área da saúde, de que é exemplo o projeto CEN/ TC 362 de um Instituto Sueco para Normas. Este projeto começou por desenvolver um guia para o serviço de saúde para a utilização da EN ISO 9001:2000 como uma norma europeia aplicável a todos os estados membros da União Europeia (Apud C. Shaw et al. 2010)22.

Existe já um Guia Interpretativo da NP EN ISO 9001:2008 que vem partilhar a experiência na certificação segundo a norma ISO 9001:2008, e identificar oportunidades de melhoria (OP) de gestão apresentadas na edição de 2008, esperando, neste sentido, contribuir para a melhoria do desenvolvimento das organizações (APCER, 2010).

Desde cedo, muitas instituições hospitalares têm expressado o seu interesse na incorporação da certificação a partir da norma ISO 9000 (Rooney & Ostenberg, 1999). A missão da ISO é promover o desenvolvimento de normas para setores de atividade idênticos, no sentido de promover melhores práticas no serviço. A ISO não é, por si só, uma entidade de auditoria nem nenhum agente de certificação; ela, no presente, desenvolve standards internacionais no sentido de normalizar serviços industriais, mas não opera nenhum sistema capaz de avaliar a conformidade dos requisitos (Rooney & Ostenberg, 1999).

Para o caso específico, a satisfação dos requisitos vai ser operacionalizada de acordo com todas as secções presentes na NP EN ISO 9001:2008 (Instituto Português da Qualidade, 2008). Pretende-se com este trabalho proceder à certificação dos serviços de informação do CHSJ. Numa primeira abordagem, torna-se imperioso o envolvimento de todos os funcionários visados dos serviços de informação desta

22 Sobre isto conferir: Health services. 2010. Quality Management Systems: Guide for the Use of

EN ISO 9004:2000 in Health Services for Performance Improvement citado por Shaw, Charles, Oliver Groene, Nuria Mora, and Rosa Sunol. 2010. “Accreditation and ISO Certification: Do They Explain Differences in Quality Management in European Hospitals?” International Journal for Quality in Health Care : Journal of the International Society for Quality in Health Care / ISQua 22 (6) (December): 445–51. doi:10.1093/intqhc/mzq054.

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instituição hospitalar de referência na prestação de cuidados ao utente. Para que todo o processo ocorra em conformidade com todas as atividades que lhe subjazem, todos terão de ter uma noção de competência profissional, acrescentando, naturalmente, toda a experiência que os mesmos adquirem ao longo da sua carreira profissional, quer seja fomentado pela organização, como por exemplo formações, quer seja iniciativa do próprio, como por exemplo, cursos livres.

Na prática, muitas são ainda as organizações que não têm nenhum programa nacional de acreditação. Muitos hospitais que procuram avaliação voluntária externa, seja para melhoria da qualidade interna, seja para um processo de marketing, não possuem assim, nenhuma referência, e enfrentam um processo de incerteza quando se trata de escolher um processo de acreditação ou de certificação através da norma ISO (C. Shaw et al., 2010). Dada a necessidade de avançar com uma base que concentre os impactos que as várias formas de avaliação externa têm nas instituições hospitalares, na Europa, dela fazem parte os projetos DUQuE e MARQuIS (Methods of Response to Quality

Improvement Strategies), que examinam, além de outros aspetos, o efeito de pressões

externas na melhoria da qualidade pelos hospitais e o seu impacto ao nível dos pacientes, numa amostra mais alargada de hospitais (Groene et al., 2010; C. Shaw et al., 2010).

Com o intuito de consolidar as normativas descritas acima, na Tabela 5 - Análise comparativa das normativas pretende-se fazer uma análise comparativa entre a NP EN ISO 9001:2008, a King’s Fund e a Joint Commission International.

Tabela 5 - Análise comparativa das normativas

NP EN ISO 9001:2008 King’s Fund Joint Commission International

Normativa baseados nos princípios da Norma de requisitos gestão da qualidade

Norma de padrões de

gestão da qualidade Norma de padrões de gestão da qualidade

SGQ Necessário a conceção do SGQ Aplicação direta dos padrões do SGQ Aplicação direta dos padrões do SGQ

Aplicação Normativa aplicada a todos os setores Normativa específica para o setor hospitalar Normativa específica para organizações de saúde Padrões Flexibilidade na aplicação da norma, adequando os

seus pontos à realidade institucional

Adoção inflexível na adoção dos padrões

previstos na norma

Adoção inflexível na adoção dos padrões previstos na norma

Certificação/ acreditação

Certificação concedida por entidades destinadas a esse

fim Acreditação concedida pela Health Quality Service (HQS) Acreditação concedida pela JCI

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NP EN ISO 9001:2008 King’s Fund Joint Commission International

Objetivos

Garantir que os produtos ou serviços atendam às necessidades e expectativas

dos clientes e da organização para continuamente melhorar a

eficácia e eficiência do seu desempenho Prestação de cuidados mais rápidos e eficientes, diminuição dos tempos de espera e da

taxa de infeções nos cuidados de saúde

As normas da JCI sobre liderança e direção indicam que

os líderes devem trabalhar em conjunto e integrar todas as atividades da organização, incluindo aquelas designadas para melhorar os serviços clínicos Princípio

(i) Foco no cliente; (ii) gestão de topo; (iii) envolvimento do pessoal da

organização; (iv) melhoria contínua (i) centralização do paciente; (ii) diminuição da mortalidade nas principais doenças do SNS

(i) Liderança; (ii) identificação da missão da organização; (iii) verificação de todos os recursos necessários no cumprimento dos objetivos; (iv) envolvimento dos colaboradores Roadmap Para construir um SGQ deve-se (i) desenhar e construir a estrutura do SGQ, objetivos e estratégias

atendendo às necessidades das partes interessadas; (ii)

desenvolvimento e implementação (clarificação

dos processos e subprocessos core); (iii) controlo (auditorias, revisão

e avaliação); (iv) medição (determinar a eficácia e eficiência dos processos); (v) revisão e comunicação a

todos os funcionários; (vi) melhoria

Para desenvolver um serviço de saúde de qualidade devem ter

assente quatro princípios: qualidade na prestação dos cuidados, melhoria contínua, produtividade e prevenção Foca-se nos princípios da TQM e na melhoria contínua. A melhoria de qualidade e a segurança está dependente da monitorização dos processos clínicos e processos de gestão,

bem como nos resultados mais importantes no desempenho das atividades diárias (Attal, 2009) Forças

(i) Fortalecer a fase de controlo e estabilidade do

processo através da documentação e avaliação regular; (ii) Desenvolver e

certificar sistemas de qualidade; (iii) garantir a confidencialidade do cliente e aumentar a notoriedade internacional (i) melhorar a qualidade no atendimento ao paciente; (ii) Apoiar o

SNS na melhoria da produtividade e

eficiência; (iii) Prevenir doenças e

melhor a saúde e bem-estar dentro das

comunidades Foca-se na melhoria contínua da qualidade da segurança dos pacientes através de uma abordagem multidisciplinar que leva em conta o facto de uma instituição de saúde envolver mais

do que um departamento ou

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NP EN ISO 9001:2008 King’s Fund Joint Commission International

Fraquezas

(i) As poupanças são difíceis de quantificar; (ii) burocracia excessiva; (iii)

não alterar a maneira de como se faz o negócio; (iv)

os resultados de implementação não mostram grandes alterações

do desempenho financeiro; (v) não é focado na interação humana Recursos financeiros, demográficos e desafios ao nível da saúde pública A maioria das organizações tem recursos limitados, pelo que devem ser

monitorizados apenas os mais importantes

No que respeita aos procedimentos seguidos por estas normas, comumente todos estabelecem três procedimentos principais no que toca à preparação inicial do projeto de acreditação/ certificação: a definição e o comprometimento da liderança, a focalização no cliente, a definição dos objetivos do processo tendo por base a missão e visão da organização, a verificação dos recursos disponíveis e o envolvimento de todos os colaboradores. São estes os passos importantes na definição de um projeto de acreditação/ certificação que uma instituição deve estabelecer a priori.

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