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3 FOLHA DE S PAULO: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-POLÍTICA

3.3 Editoriais da Folha durante os protestos de junho de 2013

3.3.3 Impacto político das manifestações

Em relação à última unidade de significação, identificada na análise dos editoriais, percebe-se que a Folha, no geral, adota um tom sóbrio sobre os desdobramentos políticos das manifestações, com exceção do editorial a respeito da proposta da presidente

Dilma de realizar um plebiscito sobre a reforma política. O diário, ainda, utiliza o espaço para defender suas ideias sobre o tema.

A presidente Dilma é uma personagem recorrente nesse conjunto de editoriais, sendo que a Folha adota dois posicionamentos distintos sobre a mandatária: o de apoio ao conteúdo da fala do seu pronunciamento sobre as manifestações e o do já citado repúdio a cerca da proposta do plebiscito.

No dia 20 de junho, um dia após o anúncio de redução das tarifas, o editorial,

Vitória das ruas, trata como uma vitória do MPL a revogação do reajuste, apesar de colocar,

na conta do movimento, a responsabilidade de indicar de onde sairiam os recursos para custear a medida, papel que, de fato, caberia à prefeitura, sendo que “...O movimento adquiriu tamanha repercussão no tecido social que ceder já se tornava imperativo de bom- senso. Agora lhes cabe enunciar de onde sairão as verbas para pagar a conta” (FOLHA DE S. PAULO, 20 jun. 2013, p. A2)

Além disso, a própria dimensão da atuação que o movimento adquiriu permitiu que a pauta da redução fosse vitoriosa. Já o prefeito, o governador e a presidente sairiam mais enfraquecidos desse processo e o Congresso Nacional começava a se movimentar a fim de dar uma resposta aos acontecimentos, embora timidamente.

No dia 23 de junho, o editorial, Mensagem bem-vinda, é sobre o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff em cadeia de rádio e tevê sobre os protestos. O jornal aponta, como aspecto positivo, o fato de a chefe do executivo externar que estava ouvindo as vozes das ruas e que a lei seria cumprida, em referência aos chamados atos de “vandalismo”.

No entanto, ao contrário de editoriais anteriores, o jornal critica o MPL por não ter se oposto, de forma mais explícita, contra os atos de “violência”, quando, na verdade, as manifestações convocadas pelo movimento “...não incitam qualquer tipo de violência. Mas a gente entende que a partir do momento que tem uma repressão policial muito forte é muito difícil conter os ânimos dos manifestantes” (CAPPELLO, 2013)

O texto ressaltou, ainda, que a presidente não apresentou medidas concretas e que um processo de diminuição do tamanho da máquina pública federal poderia causar um impacto simbólico. Além disso, destacou a iniciativa da presidente em convidar líderes políticos para a formação de um pacto de mudanças.

O editorial do dia 26, Confusão constituída, trata sobre as propostas anunciadas pela presidente Dilma como o plebiscito e a mudança na legislação, para tornar o crime de corrupção hediondo, criticado duramente pelo jornal, argumentando, no primeiro caso, que seria uma tentativa da presidente de transferir a responsabilidade para o Congresso. Além disso, alterações de alguns itens da legislação partidária não necessitariam de mudanças na Constituição, concomitante ao fato de o legislativo não se mostrar compromissado com tal ideia.

Afora previsíveis e duvidosos projetos sobre austeridade, transportes, educação e saúde, Dilma lançou duas ideias mirabolantes: a convocação, por plebiscito, de uma constituinte exclusiva para a reforma política e a inclusão da corrupção entre os crimes hediondos, tornando-a inafiançável, com pena inicialmente em regime fechado e progressão dificultada. (FOLHA DE S. PAULO, 26 jun. 2013, p. A2)

O segundo caso não teria eficácia e seria uma forma de banalizar o aumento da pena e que já há uma legislação vigente que deveria ser cumprida com mais celeridade. É curioso perceber essa oposição do jornal a essa proposta, tendo em vista que, no Brasil, o montante de dinheiro público recuperado, fruto de corrupção, ainda é muito aquém do que, de fato, foi desviado.

O texto defende o voto distrital misto, cláusula de barreira, para diminuir o número de partidos políticos, fim de coligações para eleições proporcionais e financiamento privado de campanhas com regras mais rígidas. No entanto, essa última proposta gera bastante controvérsia em parte da sociedade devido à questão de, em muitos casos, mandatos parlamentares estarem atrelados a interesses de empresas que buscam ser recompensadas pelas doações eleitorais, por exemplo, através de aquisição de contratos com o poder público para a prestação de serviços sem a devida lisura.

O editorial do dia 27 de junho, Brasília se agita, refere-se a decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Congresso Nacional como respostas aos protestos, em que o primeiro condenou à prisão um deputado federal por corrupção47 e o segundo rejeitou a PEC 37, além de aprovarem desonerações sobre tributos voltados aos transporte municipais.

Para o jornal, só o clamor das ruas é que produziu esse resultado, em especial no Congresso. Mais uma vez, a presidente é cobrada a fim de realizar cortes no custeio da máquina com a redução de ministérios, de cargos de confiança e o cancelamento da

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STF manda prender deputado; Senado eleva pena de corrupto. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27 jun. 2013. Poder, p. A4.

construção do trem-bala, que ligará as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, orçado no valor de mais de 40 bilhões de reais.

A partir dessa análise dos editoriais, parte-se para a análise das hipóteses citadas anteriormente, a fim de identificar a sua veracidade. A primeira delas: O posicionamento inicial da Folha foi de contra riedade em relação às manifestações, o que mudou após os

protestos se espalharem pelo país. Isto pode ser comprovado a partir da comparação entre o

primeiro editorial e os demais.

No primeiro texto publicado, Retomar a Pa ulista, o foco foi sobre as consequências danosas que os protestos convocados pelo MPL teriam causado à cidade, além da crítica à pauta da tarifa zero em si, sem buscar contextualizar o acontecimento com a própria história do movimento que, como já apresentado no capítulo anterior, vinha se manifestando desde 2006 contra aumentos da tarifa na capital paulista.

Já nos editoriais seguintes a esse primeiro, é nítido o reconhecimento, por parte

da Folha, da dimensão dos protestos e até do poder catalizador do MPL em conseguir

conquistar cada vez mais adeptos às suas manifestações.

A segunda hipótese de que apesar de ter alterado a sua posição em relação aos protestos, a imagem do MPL nos editoriais, de maneira geral, continuou negativa, o que também se explica pela pouca presença da atuação dos movimentos sociais na cobertura da

grande imprensa também pode ser comprovada na análise dos editoriais, de maneira geral, e

não apenas naqueles restritos à unidade de significação Movimento Passe Livre e protestos. O primeiro editorial, Retomar a Paulista, para além do que já foi abordado sobre ele, classifica o MPL como “grupelho”, o que não se percebeu em editoriais seguintes em que termos pejorativos como esse não foram utilizados.

No entanto, nos editoriais seguintes, o tom do jornal adquire um caráter menos agressivo. O espaço dedicado ao movimento foi muito mais de cobrança, por exemplo, em relação de onde viriam os recursos necessários à implantação da tarifa zero e de que o mesmo deveria repudiar, contundentemente, os chamados manifestantes não pacíficos; ou seja, buscando estabelecer uma dualidade, que se percebeu, na maior parte da cobertura midiática, entre aqueles que seriam os bons e os maus manifestantes, em que

Após a tentativa malograda de destruição do movimento por difamação (inicialmente ignorando, em seguida acusando de vandalismo, baderna ou

arruaça), a mídia brasileira, capitaneada pela Rede Globo, passou a disputar as grandes manifestações, convocando a sociedade às ruas, criando (ou reforçando)

demandas próprias (anticorrupção, por educação e saúde, “não é por 20 centavos”…) e induzindo à criminalização do movimento original, ao fazer

confluir o conceito de vandalismo sobre o de radicalidade, comum aos movimentos que atuam por meio de ações diretas. (SARAIVA, 2013, p. 47)

Na última unidade de registro, a hipótese a Folha se posiciona ora apontando soluções pa ra alguma s das questões presentes nos protestos, ora opinando a cerca de a ções

propostas pelos agentes públicos também se comprova, pois, como já foi aqui descrito, em

alguns editoriais, a Folha se posiciona não apenas emitindo opinião contrária ou a favor de determinado assunto; mas, também, apontando possíveis soluções como as medidas para a melhoria do transporte público em São Paulo no texto Destravar São Paulo, ou medidas para a reforma política, no texto Confusão Constituída. Dessa Forma,

como a própria Folha de SP caracteriza, as manifestações de junho de 2013 tenham sacudido o sistema político do torpor que se encontrava, poucas foram as mudanças no campo jornalístico em colaborar para a formação de uma opinião pública capaz de inovar e enfrentar os desafios sociais históricos que se tornaram ainda mais evidentes com os protestos. Portanto, a tomada de posição da Folha nada mais foi do que uma tentativa de resistir a instabilidade, tanto do campo jornalístico quanto do social, da mesma forma que, como mostra a sua história, apresentou uma volatilidade ideológica ao mudar de opinião para estar de acordo com seus públicos em outros momentos de semelhante tensão. (DIAS; MORIGI, 2014, p.14)