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3 A AFETAÇÃO DO MEIO AMBIENTE COM A APROVAÇÃO DA RESERVA

3.1 IMPACTOS DA PROPOSTA SOBRE A BIODIVERSIDADE

A alteração do Código Florestal trata-se de matéria delicada e requer minúcias em sua análise, vez que uma mudança prematura do texto legal pode acarretar impactos negativos ao meio ambiente, principalmente no que tange a Reserva Legal, por ser uma área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos à conservação da biodiversidade, abrigo e proteção de fauna e flora nativas (RIBEIRO, 2010).

Pode-se perceber que os institutos da Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente previstos no Código Florestal de 1965 são mecanismos de grande importância para a proteção legal dos biomas brasileiros. Todavia, a Lei n° 4.771/1965 nunca foi devidamente cumprida no Brasil, permitindo-se intensa destruição das florestas e a partir do momento em que o Poder Público passou a exigir de forma mais rigorosa a o seu cumprimento, descontentou o setor agropecuário, ocasião em que foram propostos diversos projeto de alteração da respectiva lei no Congresso Nacional, tendo gerado maior repercussão o Projeto de Lei 1.876/99 do Deputado Aldo Rebelo (RIBEIRO, op cit.).

Fernandez (2010) acentua dentre os impactos negativos da proposta em questão, a perda de área de habitat e biodiversidade, exclusão de categorias de Áreas de Preservação Permanente, redução da Reserva Legal, diminuição das faixas de proteção ao longo dos rios, anistia ao desmatamento, por consequência acarreta um efeito biológico consistente na redução de áreas de habitat remanescente para animais e planas.

Outrossim, no que tange a preocupação com os impactos sobre a biodiversidade brasileira, infere-se da Cartilha sobre o Código Florestal, elaborada pela ONG SOS Florestas (2011, p. 10) :

Em duas cartas publicadas na revista Science, pesquisadores da USP, UNESP e UNICAMP alertam ainda que “esta substituição levará, invariavelmente, a um decréscimo acentuado da biodiversidade, a um

aumento das emissões de carbono para a atmosfera, no aumento das perdas de solo por erosão, com consequente assoreamento de corpos

hídricos, que, conjuntamente, levarão a perdas irreparáveis em serviços ambientais das quais a própria agricultura depende sobremaneira, e também poderão contribuir para aumentar desastres naturais ligados a

rurais”.

Relevante mencionar a considerações feitas pelo Jurista Paulo Afonso Leme Machado ao Blog Verde (apud PATRIOTA, 2011), o qual afirmou que as reservas legais variam conforme o bioma, vez que a reserva legal assemelha-se a um banco genético e funciona como uma espécie de estoque ambiental para as gerações presentes e futuras, bem como, se complementa com as áreas de preservação permanente para a conservação e preservação do meio ambiente. Contudo, o tratamento legal estabelecido no texto do Substitutivo do Código Florestal requer que o debate continue, pois no projeto de reforma as coisas não estão devidamente esclarecidas.

Por seu turno, pesquisadores e ambientalistas destacam os principais impactos negativos sobre a biodiversidade brasileira, em particular por meio da redução e fragmentação das áreas de vegetação nativa remanescente nas propriedades ou posses rurais. Depreende-se de estudo realizado por BIOTA- FAPESP e ABECO (2010, p. 02):

Esses efeitos serão reflexo de várias mudanças, em particular: (i) pela possibilidade dos estados decidirem pela redução da Reserva Legal (RL) de 80% para 50% na Amazônia Legal; (ii) pela dispensa de RL para proprietários com menos de quatro módulos fiscais, e pelo cômputo da RL a partir do quarto módulo fiscal para os demais proprietários; (iii) pela redução nas Áreas de Preservação Permanente (APP), por meio da redução na largura das faixas protegidas nas margens dos rios, como também pela exclusão de várzeas, topos de morro, e áreas de maior altitude, especialmente acima de 1.800 metros; (iv) pela possibilidade de admitir o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Ademais, a anistia dos desmatamentos ocorridos até 22 de Julho de 2008, e incorporação das APP no cômputo das RL, reduz substancialmente o passivo ambiental atual de cerca de 80 milhões de hectares, reduzindo significativamente a possibilidade de melhoria ambiental em áreas muito degradadas através de restauração ecológica.

Com efeito, a proposta aprovada na Câmara corroborada pelo Senado no relatório Projeto de Lei da Câmara n° 30/11, pode acarretar significativas consequências, como a extinção de diversas espécies de plantas e animais, o aumento da emissão de CO2 que intensifica o problema climático do aquecimento global, a redução dos denominados serviços ecossistêmicos, a propagação de doenças transmitidas por animais silvestres, o assoreamento de rios, reservatórios e

portos, com implicações que podem culminar em problemas no abastecimento de água, energia, bem como no escoamento de produção em boa parte do país (PATRIOTA, 2011).

Segundo Fernandez (2010) a reforma do Código Florestal deve observar os problemas supramencionados de forma ampla e num contexto geral, visando amenizar a crise climática global, pois as alterações previstas na proposta do Deputado Aldo Rebelo afetará não só a conservação do meio ambiente, mas também poderá influenciar a economia e outras questões sociais, pois as mudanças desenvolvem-se na contramão do cenário histórico de proteção ambiental no Brasil, sendo necessário conservar e aumentar a cobertura vegetal, para fixar carbono e não reduzir as restrições atinentes as áreas de reserva legal e áreas de preservação permanente, por consequência anistiar o desmatamento.

3.2 ISENÇÃO DA RESERVA LEGAL NAS PROPRIEDADES RURAIS COM ATÉ QUATRO MÓDULOS FISCAIS

A delimitação de área a título de reserva legal nas propriedades rurais, em contrapartida aos preceitos de conservação e preservação da cobertura vegetal ali existente, tem sido motivo de discussão e muita divergência entre ambientalistas e ruralistas, vez que a reserva legal delimitada em 80% da área total do imóvel considera uso agropecuário da terra em 20% da área total (ALMEIDA, 2006).

Insta salientar que a proposta de alteração no Código Florestal no que concerne a reserva legal, visa proporcionar ao produtor rural que desenvolve o regime de agricultura familiar. O texto aprovado na Câmara (PLC 30/2011) prevê vantagens para as propriedades com até quatro módulos fiscais, contudo, para se enquadrar como familiar deve ter quatro módulos fiscais, porém, nem toda propriedade desta extensão é familiar, pois para ser classificada como familiar deve utilizar unicamente mão de obra própria, ser administrada pela família e ser a exploração da área sua principal fonte de renda (PATRIOTA, 2010).

Relevante observar que a isenção da reserva legal nas propriedades rurais com até quatro módulos fiscais estabelecidas no projeto de reforma do Código Florestal, ocorre no sentido de que os proprietários que observaram os limites legais

de 80%, 35% ou 20% de reserva legal, deverão mantê-los, porém, para quem desmatou ilegalmente está deverá ser constituída sobre a vegetação nativa existente a partir de 22 de julho de 2008 (TRINDADE, 2011).

O texto aprovado no Projeto de Lei n° 1.876/99 prevê no artigo 16, § 7°, que: Art. 16 [...]

§ 7° Nos imóveis com área de até 4 (quatro) módulos fiscais que possuam remanescentes de vegetação nativa em percentuais inferiores ao caput, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo. (PL 1.876/99)

Verifica-se que a isenção da reserva legal ocorre em relação às áreas consolidadas nas propriedades rurais com até quatro módulos fiscais, ou seja, onde foi desmatado poderá ser compensado com a vegetação nativa. Todavia, sendo o Brasil caracterizado por grandes latifúndios, tal medida permitirá que propriedades maiores possam ser fragmentadas com o propósito de ter direito ao benefício (PATRIOTA, 2011).

Cumpre mencionar que o módulo fiscal varia de região para região, sendo que na Amazônia, tal diferença poderá incentivar novos desmatamentos, porém, de forma legal, nos termos do Projeto de Lei n° 1.876/99. Afirma Ribeiro (2010, não paginado):

Por exemplo: nos termos do Projeto de Lei, propriedades rurais até 4 módulos fiscais não precisarão manter Reserva Legal (PL do Aldo, art. 14, §1º) e sua vegetação podendo destruí-la. Ocorre que em alguns municípios da Amazônia o módulo fiscal é de 100 hectares o que corresponde a 1.000.000 m2 (1 milhão de metros quadrados). Assim, nestes municípios, uma propriedade com 4 módulos fiscais, ou seja, um latifúndio de 4.000.000 m2 (4 milhões de metros quadrados) não precisaria ter Reserva Legal e poderia legalmente destruir a floresta da área correspondente.

Em que pese os argumentos acerca da existência de um dilema entre conservação do meio ambiente e produção de alimentos, a limitação ao crescimento da agricultura deve-se à políticas agrícolas inadequadas e não às restrições ambientais elencadas pelo Código Florestal. A dispensa da Reserva Legal em imóveis rurais com até quatro módulos fiscais fundamenta-se na justificativa de que tal inexigibilidade consistiria na proteção à pequena propriedade de agricultura familiar, contudo, o texto legal não possui mecanismos claros neste aspecto e dá

margem aos proprietários de imóveis rurais que excedem os quatro módulos fiscais para burlarem a legislação com a divisão das propriedades no intuito de não observar os limites de reserva legal (NASCENTES, 2011).

3.3 DEFINIÇÃO DO ARTIGO 8º COM O INTERESSE SOCIAL E PÚBLICO NO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965

As alterações sugeridas na proposta de alteração do Código Florestal de 1965, por meio do Projeto de Lei n° 1.876/99 do Deputado Aldo Rebelo, com conteúdo analisado pelo Senado no Projeto de Lei da Câmara n° 30/2011, elenca modificações que atingem intensamente as áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente.

De acordo com o artigo 8º da Lei n° 4.771/1965 as Áreas de Preservação Permanente possuem tratamento especial a fim de atende o interesse social e público, vez que são excluídas em projetos sociais cuja finalidade consiste na distribuição de áreas de terra para fins agricultura, planos de colonização e de reforma agrária (BRASIL, 1965).

Neste sentido, prevê o Código Florestal de 1965:

Art. 8° Na distribuição de lotes destinados à agricultura, em planos de colonização e de reforma agrária, não devem ser incluídas as áreas florestadas de preservação permanente de que trata esta Lei, nem as florestas necessárias ao abastecimento local ou nacional de madeiras e outros produtos florestais (BRASIL, 1965).

O Substitutivo da Lei n° 4.771/65 mantém o texto no que tange ao interesse social das áreas de preservação permanente, desde que para fins de beneficiar a agricultura familiar aliada a adequada função sociambiental da propriedade ou posse rural.

Neste sentido, afirma Jucá (2007, p. 24) ao analisar a definição prevista na Resolução n° 369 do CONAMA:

Interesse social: ações e projetos cuja atividade possa promover o desenvolvimento social. Neste caso a resolução traz uma novidade que é o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena

propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área.

Assim, percebe-se que tanto a reserva legal como as áreas de preservação permanente vinculam caráter de interesse social, desde que a fruição da propriedade rural atenda aos princípios da função sócio-ambiental, visando o desenvolvimento sustentável e conseqüente equilíbrio ambiental.

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