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Impactos da inclusão da América Latina no projeto “Um Cinturão, Uma Rota”

No documento Ebook Conjuntura brasileira (páginas 94-99)

Em primeiro lugar, é preciso observar que o Plano de Cooperação China-América Latina, também conhecido como Plano de Cooperação China-Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), estabelecido em 2014, e o projeto “Um Cinturão, Uma Rota” são parte da mesma estra- tégia e, nesse sentido, podemos considerar que o primeiro é uma extensão estratégica natural do segundo. Os dois planos têm exatamente os mesmos objetivos, ou seja, financiamento de projetos de infraestrutura e o aumento da cooperação in- dustrial com base na inclusão dos países ao longo da rota nas cadeias globais de valor organizadas pelas grandes empresas chinesas.

O plano de cooperação 1 + 3 + 6, anunciado pelo presiden- te Xi Jinping, em 2014, ou seja, a cooperação com base em um plano (o Plano de Cooperação China-Celac), impulsionado pelos três motores da economia (comércio, investimento e co- operação financeira), e direcionado para as seis indústrias nas

quais a China pretende canalizar os investimentos: energia e recursos naturais, construção de infraestrutura, agricultura, manufatura, inovação científica e tecnológica e tecnologia de informação ilustra as possibilidades de cooperação entre a China e a América Latina em torno dos dois principais obje- tivos do projeto “Um cinturão, Uma Rota”, ou seja, financia- mento de infraestrutura e cooperação industrial.

O primeiro-ministro Li Keqiang, durante visita à América Latina, em 2015, introduziu um novo número para designar sua nova política para a região: o modelo 3x3 de cooperação econômica sino-latino-americana. Essa política propõe incen- tivar a cooperação entre empresas, sociedades e governos (3) da China e América Latina em três campos: logística, geração de eletricidade e tecnologias da informação (3).

A afirmação do presidente Xi Jinping de que, nos próxi- mos anos, o comércio entre China e América Latina alcançará US$ 500 bilhões baseia-se na compreensão de que a demanda chinesa por produtos agrícolas e minérios continuará elevada nos próximos anos, mas também que a recente onda de in- vestimentos chineses nas áreas industrial, de infraestrutura e energia poderá gerar novas oportunidades de comércio.

O desafio para a América Latina frente a esse novo quadro consiste em, além de atrair os investimentos chineses, modi- ficar sua estrutura industrial de forma a facilitar o desenvol- vimento de indústrias com maior potencial de integração às cadeias globais de valor. A atual especialização na produção de commodities e indústrias de processo contínuo oferece poucas oportunidades de integração da estrutura industrial

do comércio intrafirma. Acrescente-se a isso que as deficiên- cias de infraestrutura e a pouca participação dos países da re- gião (nomeadamente Brasil e Mercosul) em acordos de livre comércio são dificuldades adicionais para essa integração. A própria integração física da América do Sul, que poderia expandir o tamanho dos mercados e estimular a criação de cadeias regionais de valor, é precária. Talvez, um dos maiores benefícios dos investimentos chineses em infraestrutura na região, para garantir canais de abastecimento mais seguros via Pacífico, seja a integração logística da América do Sul. A in- tegração física da região, associada ao fato de o Brasil possuir uma base tecnológica robusta, áreas de excelência em diver- sas indústrias, proximidade temporal e cultural com a Europa Ocidental e um grande mercado interno, pode ser a oportu- nidade para que o “novo normal” das relações entre a China e América Latina tenha consequências positivas para a região e possa gerar ganhos mútuos para empresas chinesas e locais.

A construção do corredor ferroviário bi-oceânico ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico é um dos seus eixos estrutu- rantes da estratégica de expansão da Nova Rota da Seda em direção à América Latina, uma vez que permitiria o estabe- lecimento de uma rota segura de abastecimento para a China através do Oceano Pacífico, evitando assim a complicada pas- sagem do estreito de Málaga.

Para a América Latina e especialmente para o Brasil essa ligação ferroviária bi-oceânica traria inúmeras vantagens, ao facilitar o acesso das exportações brasileiras não apenas à China, mas para toda a Ásia, que atualmente já o principal destino de mais de 50% das exportações brasileiras. No caso

do Brasil é preciso lembrar ainda que as exportações para a China atualmente seguem duas rotas: pelo Oceano Atlântico e Índico, contornando a África e passando pelo estreito de Málaga, ou via Pacífico, passando pelo canal do Panamá. Essas duas rotas são de certa forma controladas pelos Estados Unidos, o que em caso de conflitos com a China podem ser facilmente obstruídas.

Esse projeto de ligação bi-oceânica, entretanto, é bem mais complicado do que aparenta ser. As primeiras conversas sobre o assunto datam de 2004, por ocasião da primeira visita do Presidente Lula à China e da visita do Presidente Hu Jintao ao Brasil, mas pouco avançou até o momento. Há, na verda- de, diversos trechos dessa ligação ferroviária, tanto do lado do Brasil, quanto do Peru ou eventualmente da própria Argentina e Chile, já em operação e que apenas exigiriam investimentos de modernização, mas a passagem ferroviária da cordilheira dos Andes permanece um problema irresolvido. Talvez nem tanto do ponto de vista técnico, uma vez que já há varias so- luções propostas, e nem mesmo de financiamento, uma vez, que os bancos chineses, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) e o Fundo da Rota da Seda, criado pela China, com um capital de US$ 40 bilhões, poderiam facilmen- te financiar essa obra. O problema, entretanto, é mais de na- tureza operacional.

Eu mesmo tive oportunidade de participar de algu- mas conversas sobre o assunto bem no início quando estive no governo do Presidente Lula, na condição de secretario- -executiva da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos

a parte chinesa tinha interesse na realização da obra com suas empresas de engenharia e dispunha-se a financiar pelo menos parte substancial do projeto, mas desejava que um grupo em- presarial privado ou os governos locais assumissem o risco da operação, ou seja, a responsabilidade por operar o empreendi- mento e pagar as empresas e bancos chineses pela obra.

O problema é que dada a magnitude do investimento, di- ficilmente o mesmo geraria um fluxo de caixa suficiente para tornar o investimento minimamente rentável num prazo ra- zoável para atrair um investidor privado local ou mesmo chi- nês que assuma o risco da operação. Isso apontaria necessa- riamente para a necessidade de uma Parceria Público Privada, envolvendo os governos locais e a própria China, para sua via- bilização, o que faria todo sentido, uma vez que as externali- dades positivas desse projeto, tanto para os países da América Latina, quanto para a China seriam muito expressivas. Para a América Latina, um passo importante na tão almejada inte- gração física da região; para o Brasil, a possibilidade de uma ligação direta com o “Pacific Rim”, o novo centro dinâmica da economia mundial; para a China, a possibilidade de uma rota segura de abastecimento via Pacífico, evitando os riscos existentes nas passagens do Estreito de Málaga e do Canal do Panamá. O problema é que nenhum dos países da região têm atualmente condições fiscais para assumir esse custo e para o governo da China não faria sentido assumir os riscos de um projeto que infraestrutura fora de seu próprio território.

No documento Ebook Conjuntura brasileira (páginas 94-99)