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Imperialismo e a inserção global do Brasil: uma breve análise histórica

No documento Ebook Conjuntura brasileira (páginas 172-200)

O imperialismo é uma situação concreta global, objetivamente dada ou uma opção? Há autonomia relativa de grupos, Estados, elites, classes em relação ao imperialismo no âmbito global?

Enquanto os impérios são formas históricas muito anti-

gas16, os debates sobre o imperialismo têm uma história cen-

tenária. Sergio Pistone, citando Semmel, afirma que o termo imperialismo foi usado pela primeira vez na década de 1870,

para designar a política de Disraeli (BOBBIO, MATEUCCI e PASQUINO, 1998, P. 611). Flavio e Alexandre Saes, por ou- tro lado, afirmam que ele surgiu na França na década de 1830 para indicar os defensores do antigo Império Napoleônico” e

16 “Em grupo, os homens criam um consenso para serem mais fortes, depois o destroem, porque a eficácia vai de encontro à felicidade e esta é preferível à eficácia quando os períodos de alta tensão terminam. Quando esse fenôme- no se produz, assistimos à formação e à destruição dos impérios. São, legi- timamente, os romanos que encontraram a palavra, que se impôs em várias línguas: imperium, ao mesmo tempo a autoridade sobre as forças armadas e a autoridade pela força. Não é o único poder. Os romanos conheceram também a potestas (e sobretudo a potestas tribunicia, a dos tribunos da plebe, protetores do povo). A potestas é o poder que impõe em uma sociedade or- denada, a força dos valores, isto é, a justiça. O imperium pode destruí-la, ou, como soube fazer Augusto, absorvê-la. ” [...] “Seria preciso fixar as origens no próprio começo do homo sapiens? Ou então esperar, com o Neolítico, a criação das primeiras cidades? A sagacidade dos pré-historiadores talvez um dia no-la revelará. Por mais longe que retornemos, encontraremos impérios. O tempo e os lugares lhes impõem estruturas próprias, porém o fenômeno é idêntico. A conquista insaciável, a submissão dos povos pelo domínio de ou- tros povos, a força, o aumento, o imperium”. (Duroselle, 2000, p. 407-408).)

depois, na mesma França, “ressurgiu com significado crítico às pretensões ‘imperiais’ de Napoleão III (autodenominado imperador) ” (SAES e SAES, 2013, p. 293-4). Não obstante a divergência quanto à gênese do termo, há um relativo consen- so de que ele passou por uma importante mudança na tran- sição do século XIX para o XX – que reflete evidentemente as transformações históricas do período – quando surgiu um conjunto de teorizações sobre os impérios que inauguram a

historiografia do conceito imperialismo17. Essas teorizações,

como esperado, trazem conceituações diferentes entre si. Na primeira década do século XXI, um geógrafo famoso, em um livro de merecida reputação e importância inconteste para a historiografia do imperialismo em nossos dias, afirmou que “imperialismo é uma palavra que sai facilmente da boca. Mas tem sentidos tão diferentes que seu uso é difícil sem que se dê dele uma explicação como termo antes analítico que po- lêmico” (HARVEY, 2004, p. 31). Assim, uma vez mais, abriu-se

o debate sobre um supostamente “novo imperialismo”18.

17 Muito embora o que por ele se tenciona explicar fossem fenômenos bastante conhecidos (cf: ARENDT, 2012, p. 688).

18 Em vários sentidos, Harvey está fazendo eco aos argumentos desenvolvidos anteriormente por Arrighi, autor que lhe exerceu grande influência, para quem o conceito imperialismo havia se tornado “incomensurável” (Arrighi, 1983). Quanto ao debate marxista em particular, não resta dúvidas de que o livro de Harvey trouxe uma renovação importante, muito em conta da forma como o capítulo sobre a acumulação por despossessão (ou espoliativa, ou expropriativa; no original accumulation by dispossession) ganhou relativa autonomia da obra como um todo, dando a entender em alguns círculos que Harvey havia escrito um texto de inspiração luxemburguista. Embora o ca-

Sob nosso ponto de vista, trata-se de apenas mais uma peça do extenso “museu de grandes novidades” com que se as- semelha a historiografia do imperialismo – em que a obsessão por demarcar uma “nova” fase é sempre maior que o cuidado com a fundamentação do argumento, tido muitas vezes por auto-evidente. E assim, de “novo imperialismo” em “novo im- perialismo”, os significados do conceito vão-se multiplicando

de forma bastante confusa19.

Como resposta a um movimento político neoconservador nos Estados Unidos, que, estimulado pela eleição de Bush II, aumentou sua campanha em favor da potência assumir-se um império, os movimentos sociais de esquerda antiglobali- zação em alta desde a década de 1990 não tardaram em as- sumir slogans “anti-imperialistas” e algumas obras de grande

19 No parágrafo de abertura de Imperialism: a study – obra unanimemente assu- mida como inaugural da historiografia do imperialismo – Hobson já afirma que “a confusão de vagas abstrações políticas é tal que parece impossível apontar de modo acurado os contornos de um ‘ismo’ qualquer para poder formular uma definição que sirva para identificá-lo e distingui-lo dos demais. Em um campo em que as acepções das palavras mudam com tanta rapidez e com tanta sutileza, e não apenas em consequência das mudanças de pensamento, mas frequentemente por conta da ação dos profissionais da política, que manipulam artificialmente e tratam de obscurecer, ampliar ou distorcer o significado das palavras, é perda de tempo demandar o mesmo rigor que é esperado nas ciências exatas. Uma certa consistência geral em sua relação com outros termos do mesmo tipo é a abordagem mais próxima de uma definição que um termo como Imperialismo admite. ” (Hobson, 1968, pág. 3). “Novo imperialismo” é título do livro de Harvey, de 2004, mas tam- bém é o subtítulo de um livro de Kiernan, de 1978. Lenin, em 1917, chama o fenômeno que pretende descrever de “novo imperialismo”, termo que tam- bém foi fartamente utilizado para descrever a atuação dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Para uma crítica da falta de rigor do debate sobre o imperialismo, consultar Franco (2015).

repercussão – sobretudo o livro de Hardt e Negri (HARDT e NEGRI, 2001) – trouxeram de volta as discussões sobre o imperialismo para o centro dos debates acadêmicos mundiais

– inclusive com a direita participando ativamente20.

O debate sobre o imperialismo nunca foi prerrogativa mar- xista, embora grande parte de seu desenvolvimento tenha ocor- rido pelo menos em diálogo com essa visão de mundo. Além do próprio Hobson, temos na historiografia do imperialismo figuras de gigantesca envergadura intelectual e diversas orien- tações políticas como a já mencionada Hannah Arendt, Joseph Schumpeter e Thorstein Veblen, além de importantes debates historiográficos em torno das obras de Gallagher e Robinson (sobre o “imperialismo do livre-comércio”) e Cain e Hopkins (“imperialismo gentleman”). Para não mencionarmos os defen- sores do império – que sempre conseguem se fazer presentes.

Mas uma característica da historiografia marxista do im- perialismo em nossos dias é a estranha forma de retomar os textos clássicos. Nessa retomada, muitas vezes fica-se com a impressão de que a escolha do que deve ser retomado, e o que não deve, se baseia em critérios arbitrários e inconsistentes, retomando autora e autores de modo parcial, quando não a partir de caricaturas deformadas por intermediários. Não é aqui o lugar de nos alongarmos sobre esse argumento, mas é fundamental que marquemos o fato de que o que caracteriza a interpretação marxista sobre o imperialismo é precisamente

a importância de procurar demonstrar os nexos necessários entre o que quer que se defina por imperialismo e o modo de produção capitalista. Essa é a principal especificidade da his-

toriografia marxista21.

Tendo isso sempre em mente, cabe perguntar sobre a atua-

lidade – ou não – da discussão sobre o imperialismo22. Para

tanto, dada justamente a heterogeneidade do que se entende por imperialismo, nos parece que devemos delimitar alguns dos seus principais conceitos. Sob nosso juízo, a grande he- rança marxista para o entendimento-combate do/contra o im- perialismo são o capital financeiro (síntese das formas parciais de capital com predomínio da forma mais abstrata); a exporta-

ção de capital (impondo novos padrões de relação entre os paí-

ses, outrora predominantemente trocadores de mercadorias); a

expansão do modo de produção capitalista (com a consequente

destruição de formas outras de vida); e a rivalidade entre as po-

tências que tendem a se transformar numa guerra generaliza-

da. Mais do que isso, se trata de perceber que esses fenômenos todos estão – desde pelo menos 1870 – de tal forma fundidos que devem ser entendidos a partir de uma totalidade histórica, não sendo outra a interpretação de Lenin segundo a qual “o capitalismo se transformou em imperialismo” (LENIN, obra citada, pág. 126), ou seja, o imperialismo é um novo estágio do capitalismo – e daí que se deve entende-lo enquanto um

21 Exceções são os autores Panitch e Gindin (2012) que criticam o debate da Segunda Internacional por supostamente serem economicistas. Para a crí- tica da forma como os autores se encontram naquela prisão politicista que denunciamos no princípio desse nosso texto, ver Franco (2015).

22 https://developingeconomics.org/2017/05/21/is-imperialism-a-relevant-con- cept-today-a-debate-among-marxists/

momento da história e não uma política, objeto de deliberação, negociação, escolha, estratégia, sagacidade23.

O próximo movimento do texto, procuramos verificar como essas características se manifestam no Brasil contempo- râneo. Entretanto, por se tratar de um aspecto do imperialis- mo particularmente atinente à atuação das grandes potências, cumpre que façamos um breve comentário sobre o problema da dinâmica de rivalidade em nossos dias.

Depois de um período de catástrofes (as duas Guerras Mundiais), seguiu-se um momento em que não estourou ne- nhuma guerra que envolvesse diretamente cada uma das su- perpotências. Passado algum tempo – em especial com o fim da União Soviética – fortaleceu-se a crença de que esse proble- ma seria coisa do passado, ao que cresceu uma perspectiva re- formista a la Kautsky segundo a qual haveria um grande truste internacional de potências – outrora denominado ultraimpe-

rialismo. O século XXI, com as crises da Ucrânia, do Mar da

China, da Síria, da Coréia do Norte, do espaço ultraterrestre

etc., não parece crível apostar que a ameaça de conflito tenha

sido suprimida. E como a ameaça, muitas vezes é guerra, caiu por terra o argumento neokautskista. O que nos faz lembrar da crítica que Lenin lançou no calor dos acontecimentos: ficar analisando como o desenvolvimento do capitalismo pode ser pacífico num momento, não-pacífico no outro e pacífico num terceiro é rebaixar-se à tarefa de sofista. Uma das principais lições da historiografia marxista sobre o imperialismo – senão a mais importante – é justamente procurar desvelar o que há

por baixo da superfície e encontrar as conexões de longo prazo (orgânicas) que resultam da acumulação do capital e da repro- dução do modo de produção capitalista.

O Brasil e o imperialismo: diferentes tempos da parte e do todo em perspectiva sumária.

A análise da inserção global do Brasil no sistema inter- nacional capitalista, ou, antes, as formas com as quais o capi- talismo se manifesta no Brasil, constitui o núcleo central de preocupações políticas e teóricas de um considerável conjunto de autores, dentre os quais certamente se destaca o historia- dor Caio Prado Jr. Sua tese sobre o “sentido da colonização”, por exemplo, ocupa um capítulo fundamental da historiogra- fia brasileira e orienta suas reflexões posteriores. Em História

Econômica do Brasil, Prado Jr desenvolve esse argumento,

procurando demonstrar as articulações do que se convencio- nou chamar de ‘descobrimentos’ com a história do comércio europeu, da qual eles seriam apenas um capítulo em que se destacaria a “imensa empresa colonial a que se dedicam os países da Europa a partir do século XV”, pois é “sempre como traficantes que os vários povos da Europa abordarão cada uma daquelas empresas” (PRADO JR., 1973, pág. 14). O pon- to central, para Caio Prado Jr, que explicaria as razões pelas quais a historiografia brasileira deveria lançar-se à tarefa de investigar a formação colonial, residiria no fato de que “tudo isso lança muita luz sobre o espírito com que os povos da Europa abordam a América” (PRADO JR.,1973, pág. 15). Em suas palavras,

no seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta em- presa comercial, mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da coloniza- ção tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele ex- plicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica nos trópicos americanos. Se vamos à essência da nossa formação, vere- mos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, vol- tado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio: inverterá seus cabedais e recrutará a mão-de-obra de que precisa: indígenas ou negros importados. Com tais elemen- tos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil, constituir-se-á a colônia brasileira. Este início, cujo caráter manter-se-á dominante através dos séculos da formação brasileira, gravar-se-á profunda e totalmente nas feições e na vida do país. Particularmente na sua estrutura econômica. E prolongar-se-á até nossos dias, em que apenas começamos a livrar-nos deste longo passado colonial. Tê-lo em vista é compreender o essencial da evolução econômica do Brasil [...]” (PRADO JR., 1973, pág. 22-23)

Tratava-se, portanto, não apenas de compreender os de- terminantes da formação brasileira desde a chegada dos

compreender que este caráter colonial ainda seria constitutivo

da brasilidade, mesmo muitos séculos depois24. Assim, o pro-

cedimento metodológico de Prado Jr, partindo da forma com que concebia o materialismo histórico, tem por meta articular a formação da economia brasileira com a expansão mundial do capitalismo em suas mais variadas fases.

Neste sentido, seguindo a historiografia marxista, sobretu- do a de cunho leninista, Caio Prado Jr. Procura diferenciar o que ele entende por uma “fase puramente comercial” do capita- lismo com a “fase de exportações de capitais”, ou seja, o impe- rialismo, destacando, evidentemente, a “ação do imperialismo no nosso caso específico [o Brasil] em particular”, “apenas um capítulo, talvez não mais que um simples parágrafo da história do imperialismo” (PRADO JR. 1973, pág. 271), uma vez que

o Brasil não será mais que um dos elos da grande corren- te que envolve o universo e mantém ligados todos os povos

24 Provavelmente um dos mais destacados discípulos de Caio Prado Jr, Fernan- do Novais deu continuidade a essa linha interpretativa em pelo menos duas frentes importantes. Por um lado, ao demonstrar de forma mais complexa o que na obra de Caio Prado Jr aparecia de forma indicativa: a relação da colo- nização com a acumulação primitiva de capital na constituição do capitalis- mo (o “sentido profundo da colonização”, desenvolvido em Portugal e Brasil

na crise do Antigo Sistema Colonial); e as formações sociais que decorrem

da herança colonial brasileira (destacando sobretudo a importância da ins- tituição social escravidão, desenvolvido em diversos artigos, de algum modo sintetizados no Condições de Privacidade na Colônia e outros ensaios compi- lados em Aproximações). Também gostaríamos de destacar que a herança da colonização para a formação das sociedades americanas não é prerrogativa de autores brasileiros e também aparece em obrar icônicas como As veias

abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano e Colonialidade do poder: eurocentrismo e América Latina e Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina, do peruano Aníbal Quijano, dentre muitas outras.

numa única estrutura que tem por centro diretor os grupos controladores do capital financeiro internacional. (PRADO JR., 1973, pág. 277)

A partir do entendimento da ação dos grandes trustes e monopólios em escala mundial, e ainda com o objetivo de de- monstrar a articulação local com as engrenagens globais do capital, Caio Prado Jr. atenta para o fato de que a existência desses grandes grupos não elimina a concorrência e as fric- ções entre eles, que “tomam um caráter nacional porque, em- bora internacionais por essência, apelam nas lutas que têm de sustentar para o poder político, de uma ou de outra nação so- berana que se põe a seu serviço” (PRADO JR,1973, pág. 278). Pensando os problemas da formação para a compreensão das possibilidades de desenvolvimento nacional, o que Caio Prado Jr procura denunciar é que, por conta de ocupar uma “posição secundária no ‘sistema universal do imperialismo’”, “o Brasil é apanhado e arrastado passivamente ao vórtice da- quela luta, e sua evolução econômica será função de grandes acontecimentos mundiais” (PRADO JR.,1973, pág. 278). A questão mais importante para Caio Prado Jr, e que marca toda a historiografia desenvolvimentista brasileira – acentuada, mas não somente entre os economistas – é justamente o ca- ráter heterônomo da evolução econômica brasileira, que se dá a reboque dos grandes acontecimentos mundiais. Traduzido para o problema do seu tempo, isso implicava que – assim como acontecido com outros ciclos de expansão do capital como o algodão e o café – durante algum tempo,

o Brasil recebe uma quota desta distribuição e se industria- liza; mas qualquer nova conjuntura mundial, econômica ou política, pode tornar outro ponto mais interessante: para lá se abala a indústria recém-criada (PRADO JR., 1973, pág. 279)

O que queremos deixar ressaltado aqui, é que existe uma tensão importante no argumento, que consegue perceber que “não há mais, verdadeiramente, no mundo contemporâneo, história econômica deste ou daquele país, mas unicamente a de toda a humanidade” (PRADO Jr., 1973, pág. 280), ao mesmo

tempo em que permanece uma aposta de que haveria alguma

forma de desenvolvimento capitalista autônomo, fundamenta- do na ação de uma “burguesia indígena” que pudesse funcio-

nar como elemento aglutinador do “progresso econômico” 25.

Assim, vai se constituindo uma tese em que aparecem de for- ma heterogênea, por um lado, as contradições intrínsecas ao capitalismo e, por outro, uma certa noção de “normalidade” e

25 “Em primeiro lugar o imperialismo atua como um poderoso fator de explo- ração da riqueza nacional; não é outro seu objetivo que acaparar em benefício próprio a mais-valia do trabalho brasileiro ao seu alcance. Nisso ele age como qualquer outra forma de capital, e não tem aí nada de particularmente inte- ressante. Mas o que o distingue é que tal exploração não se faz em benefício de uma classe brasileira, uma burguesia indígena (a não ser grupos insignifi- cantes ligados diretamente ao capital financeiro, e tão internacionais quanto ele), mas de classes e interesses completamente estranhos ao país. Isso é muito importante, porque neste processo não é apenas a classe trabalhadora que se desfalca, mas o país em conjunto que vê escoar para fora de suas fronteiras a melhor parcela de suas riquezas e recursos. As contradições da exploração ca- pitalista tomam assim caráter muito mais agudo e extremo. Entre outros efei- tos bem patentes estão a deficiência e morosidade da acumulação capitalista brasileira, essencialmente débil. Falta assim ao país o elemento fundamental do progresso econômico. ” (PRADO Jr., 1973, pág. 280)

“virtuosidade” que estaria atrelada a um hipotético desenvol- vimento nacional, que pudesse se sustentar na industrializa- ção e em atividades mais “dinâmicas”, de maior “valor agre- gado” – conforme propunham as teses da CEPAL – e menos

dependentes da exploração da natureza26.

Sob nosso ponto de vista, o exemplo mais significativo de que a crítica de Caio Prado Jr, muitas vezes se limita ao hori- zonte utópico-idílico do desenvolvimento nacional é a crença de que “a par destes aspectos do imperialismo, encontramos

26 “[...] a intervenção totalitária do imperialismo na economia brasileira des- virtua seu funcionamento, subordinando-a a fatores estranhos e impedindo sua estruturação normal na base das verdadeiras e profundas necessidades da população do país. O exemplo máximo disso se observa no papel que o im- perialismo tem representado no sentido de manter a economia brasileira na função primária, que vem do seu passado colonial, de fornecedora de gêneros tropicais ao comércio internacional. Aos fatores que já hoje se mostram favo- ráveis a uma ruptura definitiva com este passado, opõe-se nitidamente, em certos aspectos fundamentais, a ação do imperialismo. O estímulo que traz

No documento Ebook Conjuntura brasileira (páginas 172-200)