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A implementação do auto-conceito

CAPÍTULO I O DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA NA VIDA ADULTA

2. Os contributos especiais da teoria desenvolvimentista de Donald Super

2.9 A implementação do auto-conceito

Super relata a importância do auto-conceito do indivíduo no processo da escolha e desenvolvimento da carreira. Este motivo justifica, por si só, que este conceito adquira o “estatuto” de ser um dos segmentos fundamentais e integradores de toda a sua teoria.

No seu quadro teórico, Super sugere que a pessoa se esforça por implementar o seu auto-conceito, escolhendo uma profissão que lhe permita desenvolver a sua auto expressão. O autor vai mais longe e refere que determinados comportamentos exibidos pela pessoa para atingir o seu auto-conceito vocacional, ocorrem em função do estádio desenvolvimental em que a mesma se encontra (Osipow, 1973). De acordo com Super, diversos comportamentos vocacionais, podem ser melhor compreendidos, se os analisarmos dentro de um contexto de mudanças e exigências do ciclo de vida, sob a forma de uma aproximação à implementação do auto-conceito. (Osipow, 1973).

Para Super, cada um de nós tem um auto-conceito, uma imagem acerca de quem somos e como somos, que consiste uma combinação de como nós nos vemos, como gostaríamos que nos vissem e de como pensamos que os outros nos vêem. Para este autor, o auto-conceito representa a principal variável da personalidade, tal como está evidenciado no seu modelo do Arco da carreira (Super, 1984).

O conceito de si é uma estrutura integrada no desenvolvimento biológico, psicológico e social, na medida em que a ideia que cada um tem se si próprio pode começar a tornar-se definitiva a partir da infância, pois entende-se que as experiências exploratórias, características da adolescência, servem para ajudar a clarificar, a elaborar e a confirmar o conceito que entretanto já começa a emergir e a cristalizar durante a infância (Super, 1951 in Super, 1988). A interacção do indivíduo com o mundo vai influenciar o conceito que ele tem de si próprio. A sua experiência, o desempenho dos papéis, o conhecimento que vai tendo do ponto de vista dos outros, vão alterando os seus próprios pensamentos e sentimentos, num processo constante de ajustamento ao ambiente.

De acordo com Super (1963), a formação do auto-conceito requer que o indivíduo se reconheça como uma pessoa distinta e, que ao mesmo tempo, esteja consciente das suas semelhanças com os outros (Osipow, 1973).

Na sua teoria Super (1963) considera a importância de três grandes vectores ou fases para o desenvolvimento do auto-conceito:

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1- A formação: a formação dos primeiros auto-conceitos inicia-se na infância, na procura de uma identidade. As necessidades e os valores do “Eu” são moldados e formados pela família, podendo mais tarde vir a ser modificados devido à experiência que a pessoa vai adquirindo e ao relacionamento com o seu grupo de pares. O auto- conceito vai evoluindo e na adolescência passa pela fase da exploração, em que o jovem começa a perceber que é diferente dos seus pares (essa percepção pode advir da infância), vai procurar informação sobre si próprio, não desenvolve uma nova imagem de si mas vai testar e avaliar a imagem já conhecida, por forma a facilitar a sua tomada de decisão vocacional, a sua entrada no mercado de trabalho e o seu ajustamento ao trabalho (Super, 1957, p. 85; Super 1963, p.12). O adolescente pode reconhecer que a vida do seu pai ou pais não é a ideal para si, podendo assim encontrar outros adultos homens com quem se poderá identificar (Osipow, 1973)

Nesta fase é de destacar o papel importante de dois factores: a simulação de papeis ou ensaio que acompanha o processo de identificação e diz respeito à imitação dos comportamentos dos outros que podem influenciar o jovem e, o enfrentar da realidade, experiências que podem fortalecer, modificar ou confirmar a maneira como se encara o papel profissional (Super, 1957, p. 111).

2- A transposição: refere-se à transposição dos auto conceitos para termos profissionais, da seguinte forma: a identificação com um adulto pode levar o adolescente a querer desempenhar a mesma profissão; a oportunidade de adquirir experiência numa certa profissão pode levar o sujeito a descobrir outras vocações (transposição vocacional); a informação acerca de determinadas características de uma actividade profissional pode levar o indivíduo a confirmar ou não as suas expectativas sobre esse domínio (Super, 1963 in Duarte, 1993). O indivíduo com um auto-conceito bem desenvolvido encara melhor as informações inesperadas, enquanto que um sujeito com um auto-conceito mal definido fica confuso (Cabral & Salomone, 1990).

A meia-idade representa um tempo de mudança e crise do auto-conceito. A meio da carreira, o indivíduo pode fazer uma reavaliação do seu auto-conceito, e em consequência reajustar-se ou restabelecer-se na carreira (Bingham, 1999). Também na fase de declínio da carreira, com o envelhecimento, o sujeito pode necessitar de mudar os auto-conceitos (que foram relativamente estáveis num longo período de tempo), de

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mudar hábitos e rotinas do dia-a-dia, de atribuir mais importância a outros papéis de vida (Super, 1957, p. 156-159).

3- A implementação: corresponde ao resultado de todo o processo já descrito, ou seja, escolher os meios de implementação dos seus auto-conceitos nas escolhas profissionais. Super apresenta uma taxonomia de dimensões do auto-conceito, que convém aqui destacar. Assim, no estudo do auto-conceito é importante distinguir os traços de personalidade ou os atributos do “self” (dimensões do auto-conceito) e as características dessas mesmas dimensões (por ex.clareza, estabilidade e auto-estima), designadas por metadimensões.

Super refere que muitos autores tendem a confundir dimensões e meta dimensões, resultando no uso de auto-conceito e auto-estima como sinónimos (Super, 1990, 1984a). Para melhor distinguir as meta dimensões dos auto-conceitos, deve entender-se que as meta dimensões podem ser utilizadas para descrever as características de uma única dimensão dos auto-conceitos, em vez das características das dimensões do sistema de auto- conceitos (Super, 1963b in Duarte, 1993). No quadro 4 apresenta-se uma caracterização das dimensões e meta-dimensões do auto-conceito, tal como descritas por Super (1990).

Quadro 4 - As meta dimensões dos auto-conceitos Super e colaboradores, 1963

Dimensões Metadimensões dos

conceitos Metadimensões dos sistemas Exemplos: Instinto gregário, Inteligência Auto-estima Estabilidade Clareza Abstracção Cultura Certeza Realismo Predominância Harmonia Estrutura Competência Flexibilidade Idiossincrasia Fonte: Super, (1990, p. 225)

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Outra consequência desta taxonomia, no âmbito das meta dimensões, diz respeito à diferença entre auto-conceito e sistemas de auto-conceito (ver quadro 4). Os auto-conceitos denotam as características de simples traços, e os sistemas evidenciam as características de constelações de traços, concluindo-se que o indivíduo forma e desenvolve não um único auto-conceito, mas sim, uma constelação de auto-conceitos, que se evidenciam de maneira diferenciada nos vários papeis de vida (Super, 1990).

Os resultados das investigações de Super tiveram como consequência a alteração da designação teoria do auto-conceito para teoria dos constructos pessoais, para enfatizar a importância que o indivíduo atribui a ele próprio e à situação que o rodeia, em todo o processo de desenvolvimento e da tomada de decisão da carreira (Super, 1990).