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A teoria construção de carreira

CAPÍTULO I O DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA NA VIDA ADULTA

4. A construção e transições de carreira em adultos pouco escolarizados

4.1 A teoria construção de carreira

Nas últimas duas décadas os progressos verificados na investigação evidenciam uma maior atenção ao comportamento na carreira do adulto, permitindo clarificar que a exploração e a mudança não terminam na adolescência, mas continuam ao longo da vida.

Neste contexto, autores como Donald Super consideram que a carreira deixe de ser apenas “uma sequência de ocupações, trabalhos e estatutos que a pessoa tem ao longo da sua vida” (Super, 1969, p. 8 in Tolbert, 1974 p.28) para passar a estender-se para além da vida profissional, envolvendo uma sequência de posições que é ocupada pela pessoa ao longo da sua vida pré-ocupacional, ocupacional e pós-ocupacional, incluindo papeis relacionados com o trabalho e o não-trabalho, tais como: estudante, empregado ou reformado. (Super, 1983). Efectivamente, na idade adulta também se verificam mudanças do auto-conceito e das aspirações, e a adultez pode também ser um tempo de transições, de crises, de miniciclos e de reformulações pessoais (Herr & Cramer, 1996).

Existem diversos factores individuais que podem influenciar ou determinar o desenvolvimento da carreira na vida adulta. De acordo com alguns sociólogos mais radicais, a estrutura sócio-económica em que se está inserido é que fornece as oportunidades de carreira e a liberdade da carreira torna-se num mito (Roberts, 1977, p. 144-145 in Duarte, 1993). Outros autores apontam para a influência da profissão dos pais e do respectivo nível educacional, admitindo que, no processo de socialização, os filhos procuram atingir o mesmo estatuto social da família (Stumpf, 1984, p.192 in Duarte, 1993). As características de personalidade, os interesses, os valores e o estilo de vida que se pretende alcançar assumem também uma particular importância na maioria dos estudos acerca do desenvolvimento da carreira nos adultos (Stumpf, 1984, p. 193 in Duarte, 1993).

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O auto-conhecimento, a auto-avaliação e o desenvolvimento de planos de carreira podem também influenciar a carreira do indivíduo (op.cit).

Segundo Savickas (1996) o aconselhamento para o desenvolvimento da carreira deve apoiar as pessoas a serem agentes interpretativos das suas próprias necessidades, a serem capazes de planear a sua própria vida, a encararem o papel de trabalhador inserido numa constelação de outros papeis de igual importância, a perceberem que a carreira é algo que é individual, e ajudar os indivíduos a compreender o seu passado para poderem delinear o seu futuro.

Savickas (2005) desenvolveu recentemente a sua teoria da construção da carreira, fundamentando-se nas ideias inovadoras de Super e numa visão contemporânea das carreiras, usando a construção social como uma metateoria com a qual reconceptualiza conceitos centrais da teoria do desenvolvimento vocacional e, adaptando a estrutura de conceptual de McAdams (1995) de organização da personalidade, conceptualiza a avaliação da personalidade de carreira ao longo da vida.

A teoria da construção da carreira centra-se na interpretação e no processo interpessoal a partir do qual os indivíduos dão significado e sentido ao seu comportamento vocacional. Foi de uma forma progressiva que Savickas (2001) incorporou numa única teoria a perspectiva diferencial, desenvolvimental e dinâmica da carreira, representando “o quê”, “como” e “porquê” do comportamento vocacional, derivadas das rubricas dos tipos de personalidade vocacional, adaptabilidade da carreira e temas de vida. A construção de carreira direcciona-se, então, para o como é que o mundo das carreiras é constituído através de um construtivismo pessoal e social.

Esta teoria defende que nós construímos representações da realidade, nós não construímos a própria realidade. As carreiras são construídas à medida que os indivíduos fazem as suas escolhas, que expressam os seus auto-conceitos e objectivos (Savickas, 2005, p. 43). Segundo esta teoria os indivíduos constroem a sua carreira impondo significados ao seu comportamento vocacional e às suas experiências ocupacionais.

Neste contexto, a definição subjectiva da teoria da construção da carreira não é o somatório das experiências de trabalho do indivíduo, mas sim, o padrão dessas experiências num todo coeso que produz o sentido da história. Assim, a carreira evidencia uma construção subjectiva que impõe um sentido pessoal nas memórias passadas, nas

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experiências presentes, e nas futuras aspirações, tecendo-as num tema de vida que compõem o padrão da vida de trabalho do indivíduo (Savickas, 2005, p. 43).

O significado essencial da carreira e as suas dinâmicas na sua construção são reveladas nas histórias de vida do indivíduo acerca das tarefas, transições e traumas que cada um enfrentou. Este processo consiste numa reflexão biográfica que é produzida e tornada “real” através do comportamento vocacional.

As histórias de carreira revelam temas que os indivíduos usam para fazer escolhas significativas e para se ajustarem aos papeis de trabalho. Repetindo-se cronicamente a interacção entre o “Eu” e a “Sociedade”, as histórias de carreira explicam porque é que os indivíduos fazem as escolhas que fazem e o significado pessoal que guia essas escolhas. Estas histórias de carreira dizem como é que o “Eu” de ontem se torna o “Eu” de hoje e como se tornará o “Eu” de amanhã. A sua carreira conta a história de um indivíduo e as suas mudanças psicossociais.

A partir de um protótipo de história acerca da vida de trabalho, os especialistas e profissionais de orientação, pretendem identificar as motivações e significados (o porquê) da construção da carreira. Ao contar as suas histórias, os clientes estão a construir um possível futuro. Para Savinckas (2005), os clientes parecem contar aos seus conselheiros histórias que eles próprios precisam de ouvir, narrando aquelas histórias que suportam os objectivos actuais e inspiram a acção, em vez de relembrarem a reconstrução individual do passado, para que os acontecimentos anteriores suportem as escolhas actuais (Jossselson, 2000 in Savickas, 2005).

Cada história de carreira contada por um indivíduo está unida por um conjunto de temas integrativos que organizam as suas experiências de trabalho únicas. Identificando e organizando conscientemente estas histórias singulares de vida no trabalho, emerge um padrão unificado de temas de vida, com um significado coerente e uma continuidade. Assim, os temas de vida revelam porque cada indivíduo é único. Segundo Csikszentmihalyi e Beattie (1979 p. 48, in Savickas, 2005) um tema de vida consiste “ num problema ou um conjunto de problemas que a pessoa deseja resolver mais do que qualquer outra coisa e os significados sentidos que a pessoa encontra para alcançar uma solução.”

Na teoria da construção da carreira, o padrão é a unidade primária do significado/sentido. O padrão de temas de vida fornece um certo modo de os indivíduos se verem a si próprios e do que é importante no mundo.

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Através do conhecimento das trajectórias de vida dos adultos e das suas experiências pessoais e profissionais é possível definir um plano de desenvolvimento individual para cada adulto. Neste sentido, e seguindo a orientação conceptual de Savickas (2005), podemos considerar que o actual sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências em curso no nosso país pode, de facto, proporcionar um acompanhamento técnico individualizado aos adultos, no que respeita à construção da sua carreira, tendo em conta as características, aptidões e aspirações de cada sujeito, no sentido de definir objectivos profissionais e preparar o indivíduo para a sua concretização.

Neste contexto, é importante que as pessoas reconheçam que existe um conjunto de competências básicas que são adquiridas ao longo da sua vida, fora dos sistemas de educação e de formação, em consequência dos diversos modos de aprender. Assim, torna- se necessário criar processos que permitam avaliar e certificar essas mesmas competências, assegurando em simultâneo, a valorização e auto-valorização das pessoas, com vista a que cada adulto descubra novos caminhos de carreira, para realizar novos processos de educação e formação ao longo da vida, finalidades centrais do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC).

De seguida efectua-se uma abordagem ao processo RVCC, reflectindo-se acerca dos níveis de escolarização da população portuguesa que frequentam aquele processo e descrevendo com mais detalhe o sistema de intervenção do RVCC, as suas implicações para o país e cidadãos e os resultados até agora obtidos.