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Implementação das medidas de garantia e acesso à justiça e o Programa Justiça Plena

3. Capítulo 3: Processo decisório brasileiro na internalização de sentenças e recomendações

3.4. Implementação das medidas de garantia e acesso à justiça e o Programa Justiça Plena

Como visto na seção 3.2, um dos papéis da Advocacia-Geral da União durante os três grandes períodos identificados de mudanças no processo decisório do Brasil no SIDH é a articulação junto aos atores do Poder Judiciário brasileiro. Contudo, deve-se destacar também o lançamento do programa ―Justiça Plena‖ pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2010, como um dos fatores que exercem influência sobre como o Estado brasileiro implementa as decisões e sentenças oriundas do SIDH.

O Programa Justiça Plena monitora e dá transparência ao andamento de processos de grande repercussão social. Lançada pela Corregedoria Nacional de Justiça [...], a iniciativa apoia a gestão dessas causas, relacionadas a questões criminais, ações civis públicas, ações populares, processos em defesa do direito do consumidor e ambientais. Entre coordenadores e participantes, o Justiça Plena tem oito protagonistas: o Ministério da Justiça (MJ), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Advocacia- Geral da União (AGU), a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública da União e dos Estados e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) [...] A ferramenta fornece, por exemplo, apoio técnico aos juízes responsáveis pelas causas publicadas no SAPRS [Sistema de Acompanhamento de Processos de Relevância Social]51 (CNJ, 2016)

Mesmo não vinculado oficialmente ao processo de implementação das decisões oriundas do SIDH no Brasil, na prática, o Programa Justiça Plena é considerado como uma boa prática no monitoramento das ações do Poder Judiciário relacionadas aos casos do Brasil no Sistema Interamericano. Aqueles casos de ―grande repercussão social‖ são indicados pelas organizações participantes do programa para serem objetos de relatórios públicos que apuram o andamento processual e possíveis demoras injustificadas em seus trâmites (CNJ, 2016).

Um dos pontos positivos do programa é dar visibilidade pública aos casos que do contrário ficariam simplesmente limitados às localidades em que as violações de direitos humanos foram cometidas e, portanto, mais suscetíveis à disputas de poder locais e à corrupção, seja no âmbito do Poder Judiciário ou dos outros poderes (Entrevista. Brasília, AGU, janeiro de 2016).

Uma dos órgãos governamentais que tem destaque dentre as atividades do programa é a Secretaria de Direitos Humanos. A SDH/MJ tem como prática solicitar ao CNJ por meio do programa Justiça Plena os processos e ações que, devido ao demasiado

tempo de tramitação, poderiam ser ou foram alvos de decisões da Comissão ou Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em 2012, o Programa Justiça Plena lançou seu último relatório de atividades. No total, o programa ―conta[va] [...] com 80 processos em andamento e 12 casos já finalizados‘‘ em maio de 2012 (CNJ, 2012, p.1), sendo a Secretaria de Direitos Humanos o terceiro órgão governamental que mais incluiu processos no programa. ―Todas as suas 16 inclusões se referiam a casos que tramitam ou tramitaram no sistema interamericano‖ (VIEIRA ET AL, 2013, p.77).

Ainda que houvesse já colaboração entre o CNJ e a SDH anteriormente, este órgão passou a contar com o programa como fator importante no diálogo com o Poder Judiciário, atenuando em parte o problema apontado anteriormente de dificuldade de convencimento dos atores necessários para a implementação das medidas (VIEIRA ET AL, 2013, p.26).

Esse fato fez com que a SDH/MJ ganhasse certa autonomia da Advocacia- Geral da União para se relacionar com o Poder Judiciário, aumentando assim a sua capacidade de manobra no processo decisório do Estado brasileiro no SIDH (Entrevista. Brasília, SDH/MJ, dezembro de 2015). Observa-se, oportunamente, que as ações judiciais referentes ao caso Damião Ximenes Lopes, ao caso Escher e outros e ao caso Garibaldi, por exemplo, foram incluídas pela Secretaria de Direitos Humanos no programa Justiça Plena52.

Conclusão

O processo de implementação das medidas proferidas pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro não é institucionalizado. Por isso, todas as agências governamentais envolvidas nesse processo decisório (AGU, SDH/MJ, MRE) precisam desenvolver um esforço político, a cada caso, para cooperar entre si e com os órgãos locais diretamente relacionados à implementação das medidas específicas a cada uma das violações.

Isso não ocorre apenas quando a medida em questão envolve a reparação econômica monetária da vítima, caso em que houve uma evolução de um mecanismo orçamentário específico pelo Governo federal, ou quando há competência exclusiva do âmbito federal sobre o caso. Ao mesmo tempo, as mesmas organizações governamentais

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No último relatório do Programa Justiça Plena, publicado em 2012 pelo CNJ, não há indicações das atividades específicas realizadas para a implementação das medidas de garantia de acesso à justiça em cada caso incluído no programa.

disputam entre si espaços de poder dentro do governo, baseados em seus padrões comportamentais historicamente definidos, para obter um maior poder de influência nas partes da implementação das medidas proferidas pelo SIDH que são responsáveis.

Igualmente, a evolução do processo decisório interno de implementação das medidas do SIDH indica que há um aprendizado e conflito contínuo entre as organizações governamentais envolvidas. Os diferentes períodos de interação analisados deixam claro que o poder para esse modelo é fragmentado entre as organizações envolvidas e os próprios processos criados por estas para a implementação das medidas outorgadas pelo SIDH.

Isso demonstra que dentre as três abordagens sobre compliance analisadas no primeiro capítulo (international enforcement, gestão e política doméstica) a que mais se aproxima da realidade brasileira é a que diz respeito à política doméstica dos Estados e aos processos decisórios internos de implementação das medidas outorgadas pelo SIDH. O próximo capítulo analisará mais atentamente quais são as implicações dessa abordagem para o contexto brasileiro a partir das hipóteses relacionadas à compliance do Brasil para com as medidas do SIDH criadas por Oscar Vilhena Vieira (2013).

Capítulo 4: Compliance como uma resultante política doméstica: teste de