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3. Capítulo 3: Processo decisório brasileiro na internalização de sentenças e recomendações

3.1. O processo decisório de implementação das medidas do SIDH no Brasil

Não há qualquer tipo de regulação formal e abrangente da internalização das medidas do SIDH no Estado brasileiro. Dentre os diversos projetos legislativos votados sobre a matéria, nenhum foi aprovado.

O Projeto de Lei n. 3.214/2000, de autoria do Deputado Marcos Rolim do Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (PT/RS), foi apresentado em 13 de junho de 2000 e foi o primeiro a tratar sobre o tema. Segundo a sua ementa, dispunha sobre ―os efeitos jurídicos das decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos e dava outras providências‖ (cf. Projeto de Lei n. 3214, de 2000, Diário da Câmara dos Deputados, 17 de junho de 2000). O projeto abordava de maneira sintética as recomendações e sentenças do SIDH de caráter indenizatório, de maneira a lhes conferir título executivo judicial direto contra a União. O Deputado Marcos Rolim afirmava que ―o projeto procurava suprir a deficiência de legislação nacional sobre o tema e possibilitar à União pagar as indenizações, sem prejuízo de reaver o valor posteriormente do responsável pela violação de direitos humanos‖ (cf. Projeto de Lei n. 3214, de 2000, Diário da Câmara dos Deputados, 17 de junho de 2000). O projeto recebeu duras críticas pela comissão que o analisou por considerar inconstitucional a execução de uma decisão sem que esta fosse homologada pelo órgão brasileiro competente e foi arquivado sem ter ido à votação na Câmara dos Deputados.

O segundo projeto apresentado sobre a temática foi o Projeto de Lei n. 4.667/2004, do Deputado José Eduardo Cardozo do Partido dos Trabalhadores de São Paulo (PT/SP). O projeto foi apresentado em 15 de dezembro de 2004 e dispunha ―sobre os efeitos jurídicos das decisões dos Organismos Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos‖ (cf. Projeto de Lei n. 4.667, de 2004, Diário da Câmara dos Deputados, 15 de dezembro de 2004). Em seu projeto, o deputado Cardozo reafirma os pontos do projeto anterior e dá especial atenção ao fato de que ―apesar da ratificação, as decisões dessas instâncias não estão sendo respeitadas pelo Brasil. O Poder Executivo manifesta interesse no cumprimento das decisões dos organismos de proteção, seja no âmbito regional ou global, porém alega a inexistência de legislação ordinária nacional destinada a disciplinar a matéria‖ (cf. Projeto de Lei n. 4.667, de 2004, Diário da Câmara dos Deputados, 15 de dezembro de 2004, p.7-10). O projeto ainda está em tramitação e encontra-se parado no Senado Federal desde 2011. Alvo de críticas, o projeto não cobre todas as diferentes hipóteses de condenações internacionais por organismos internacionais e não trata de alguns dos óbices internos que podem influenciar o não cumprimento das recomendações e sentenças, como a demora na tramitação dos processos.

Não obstante, o III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), lançado em 2009 e posteriormente alterado em 2010, trouxe um objetivo específico relacionado ao tema com o título de ―Monitoramento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em matéria de Direitos Humanos‖. Algumas das ações são:

a) Elaborar relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, em diálogo participativo com a sociedade civil. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores. [...]

e) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do Governo Federal referentes aos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores.

f) Criar banco de dados público sobre todas as recomendações dos sistemas ONU e OEA feitas ao Brasil, contendo as medidas adotadas pelos diversos órgãos públicos para seu cumprimento. Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores. (PNDH3, 2010, p.36-37).

O principal resultado do PNDH3 é fixar um roteiro de atuação para o Poder Público em matéria de Direitos Humanos. Buscou-se institucionalizar, por exemplo, os procedimentos internos do Estado brasileiro para a implementação de recomendações e sentenças oriundas do SIDH.

Devido à falta de uma clareza institucional e jurídica sobre quais órgãos governamentais deveriam ser responsáveis pelos casos do Brasil no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, ocorreu uma divisão de tarefas pelos próprios

órgãos, ao longo do tempo, baseando-se nas suas funções prévias e nos envolvimentos ocasionais com a temática. Neste marco, o Ministério das Relações Exteriores (MRE), a Secretaria de Direitos Humanos (SDH/MJ) 45 e a Advocacia-Geral da União (AGU) formam o grupo de organizações governamentais centrais nas defesas brasileiras e na implementação das medidas do SIDH. Igualmente, o pagamento de indenizações pecuniárias pelo Brasil se desenvolveu de maneira específica, uma vez que sua concretização foi realizada a partir de rubricas específicas do Orçamento da União. Processo que foi institucionalizado pela União para atender às reparações engendradas por decisões e recomendações do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

O MRE ―é o órgão da administração pública federal responsável pelas relações do Brasil com os demais países e pela participação brasileira em organizações internacionais, além disso, executa a política externa definida pela Presidência da República conforme os princípios estabelecidos no art. 4º da Constituição Federal‖46 (MRE, 2016). É a Divisão de Direitos Humanos do MRE responsável por realizar a comunicação com o SIDH em todas as fases do caso.

A SDH/MJ é responsável pelas políticas de implementação dos direitos humanos no governo. De maneira geral, o comunicado da denúncia da suposta violação de direitos humanos pelo Estado Brasileiro é recebido pelo MRE e encaminhado à SDH/MJ. Na Secretaria, sua Assessoria Internacional é responsável por buscar contato e envolver os atores relacionados ao caso em questão.

Já a AGU tem como competência a ―representação judicial, extrajudicial da União e as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo‖47

(AGU, 2016). Seu papel dentro do processo de decisão relacionado ao SIDH é, a partir dos trabalhos de seu Departamento Internacional, auxiliar a Secretaria de Direitos Humanos e o MRE tanto na defesa brasileira quanto na implementação das decisões do SIDH. Atualmente, o órgão auxilia principalmente a defesa brasileira nas fases iniciais dos casos no SIDH.

45 A Secretaria de Direitos Humanos foi criada em 17 de abril de 1997 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com o nome de Secretaria Especial de Direitos Humanos, parte do Ministério de Justiça. Durante o governo Lula, obteve status de Ministério e passou a ser parte da estrutura da Presidência da República. A pasta foi anexada com as secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres na reforma ministerial pela presidente Dilma Rousseff formando o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Em 12 de maio de 2016, o Ministério foi unificado ao Ministério de Justiça pelo governo interino de Michel Temer (Diário Oficial da União, 12 de maio de 2016).

46

Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/perguntas-frequentes#I.1 Acesso em: 22 de maio de 2016

MRE

Recebimento da denúncia e Comunicação com o SIDH em todas as fases do caso

SDH/MJ

Buscar contato e envolver os atores relacionados ao caso em questão AGU Preparar a defesa do Estado brasileiro SDH/MJ Coordenar as tentativas de acordos de solução amistosa SDH/MJ Coordenar a implementação das medidas proferidas pela

CmDH

SDH/MJ, MRE e AGU

Coordenar conjuntamente esforços de defesa do Brasil

se o caso for encaminhado à CrDH

Quando o caso já se encontra na fase de recomendações na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, é a SDH/MJ quem coordena internamente o conteúdo da defesa do Estado brasileiro. Nesse momento, são feitos diversos intentos de contato com o ente federativo no qual a suposta violação teria ocorrido com o objetivo de fomentar o início de um processo de solução amistosa entre os peticionários e/ou vítimas com os entes governamentais.

Uma vez que o caso avança para a Corte, os três órgãos (MRE, SDSH/MJ e AGU) atuam conjuntamente na defesa do Estado, buscando incluir outros órgãos e atores relevantes, dependendo de cada caso concreto.

Figura 28: Principais funções das organizações governamentais centrais nas defesas brasileiras e implementação das medidas do SIDH

Fonte: Elaboração própria.

A figura 28 acima ilustra as principais funções elencadas das organizações governamentais centrais no processo decisório brasileiro relacionado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

3.2.Evolução da estrutura decisória referente à internalização de medidas do