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3. Capítulo 3: Processo decisório brasileiro na internalização de sentenças e recomendações

3.3. Indenização pecuniária das vítimas

O Brasil possui uma rubrica específica do orçamento federal que destina recursos para o pagamento de indenizações que resultam da condenação pela violação de tratados internacionais de direitos humanos. A dotação é denominada ―pagamento de indenização a vítimas de violação das obrigações contraídas pela União por meio da adesão a tratados internacionais‖ (BRASIL, Lei Federal n. 12.798, de 4 de abril de 2013, volume IV, p.603).

No marco da mobilização nacional para a elaboração da agenda brasileira para a Conferência Mundial de Direitos Humanos e como fruto desta e da Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, foi criado o I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH1). Segundo o programa, os direitos humanos deveriam ser tratados de maneira transversal como objeto de políticas públicas pelos órgãos governamentais (PNDH1, 1996, p.7).

Do ponto de vista orçamentário, o PNDH1 resultou na articulação de distintas propostas de ações governamentais. Criou-se o programa ―Promoção e garantia dos

direitos humanos‖, entre 1996 e 1999, e posteriormente esse foi substituído e aprimorado pelo programa ―Direitos Humanos, Direitos de Todos‖ (DHDT), ambos ligados ao Ministério da Justiça e com dotação orçamentária desde 1999.

Em 2002, foi lançado II Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH2) no Brasil. Em sua introdução, identifica-se o seguinte trecho:

A criação da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, no âmbito do Ministério da Justiça, possibilitou o engajamento efetivo do Governo Federal em ações voltadas para a proteção e promoção de direitos humanos. As metas do PNDH foram, em sua maioria, sendo incorporadas aos instrumentos de planejamento e orçamento do Governo Federal, convertendo-se em programas e ações específicas com recursos financeiros assegurados nas Leis Orçamentárias Anuais, conforme determina o Plano Plurianual (PPA) (PNDH2, 2002, p.1).

O PNDH2 tem como um de seus resultados principais a ampliação de programas governamentais que já haviam sido previstos nos orçamentos do governo federal nos anos anteriores, devido tanto ao programa ―Promoção e garantia dos direitos humanos‖ como o DHDT. Todavia, no PNDH2 não foi previsto nenhuma medida para o alcance dos objetivos estratégicos relacionados à diretriz ―inserção nos sistemas internacionais de proteção‖ (PNDH2, 2002, p.32), ―tais como a adoção de medidas para cumprimento dos compromissos assumidos em tratados internacionais, o fortalecimento da cooperação com o sistema regional de proteção e a promoção de soluções amistosas no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos‖ (VIEIRA ET AL, 2013, p.24).

Devido à elaboração do Plano Plurianual de 2004 a 2007 (BRASIL, Lei federal n. 10.933, de 11 de agosto de 2004, Plano Plurianual 2004/2007), foi reconhecida no âmbito do DHDT a necessidade de uma previsão orçamentária clara sobre as indenizações pecuniárias às vítimas e às famílias das vítimas de violações de direitos humanos pelo Estado brasileiro.

Isto ocorreu, principalmente, pelos obstáculos enfrentados pelos órgãos do governo brasileiro na implementação das recomendações oriundas da primeira solução amistosa envolvendo o Brasil e os peticionários do caso José Pereira (CmDH, Informe 95/03) que tratava de matéria de competência da União, combate ao trabalho escravo. Desse modo, retirou-se o dever de indenizar as vítimas da esfera estadual e o passou para a esfera federal (Entrevista. Brasília, SDH/MJ, dezembro de 2015).

Relatos dos entrevistados indicam que foi nesse caso que se percebeu que o pagamento das indenizações pecuniárias por meio de leis consumia muito mais tempo que a destinação exclusiva de uma parte do orçamento federal. Desse modo, a Presidência

da República poderia cumprir com as recomendações e sentenças indenizatórias ―por meio de um simples decreto presidencial‖ (VIEIRA ET AL, 2013, p.24).

Nessa conjuntura, foi em 2004 que a Lei Orçamentária Anual brasileira previu, pela primeira vez, uma rubrica intitulada ―Pagamento de indenização à vítimas de violação das obrigações contraídas pela União por meio da adesão a tratados internacionais de proteção dos direitos humanos‖ (BRASIL, Lei federal n. 10.933, de 11 de agosto de 2004, Plano Plurianual 2004/2007). Dotação orçamentária dentro do programa DHDT do Ministério da Justiça. Esta ação do governo federal vai ao encontro dos objetivos estratégicos 487 e 489 do PNDH2:

Como resultado da implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH, o Brasil ampliou sua participação nos sistemas global (da Organização das Nações Unidas – ONU) e regional (da Organização dos Estados Americanos – OEA) de promoção e proteção dos direitos humanos. Em particular, a cooperação com os órgãos de supervisão da OEA tem ensejado a busca de soluções amistosas para casos de violação em exame pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, abrindo a possibilidade de concessão de reparações e indenizações às vítimas dessas violações ou a seus familiares, bem como a adoção de medidas administrativas e legislativas para prevenir a ocorrência de novas violações (PNDH2, 2002, p.32)

Dessa maneira, a previsão orçamentária teve como finalidade não apenas o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, mas também o sistema global de proteção dos direitos humanos configurado na Organização das Nações Unidas. A tarefa de coordenar as ações dentro desses dois sistemas foi atribuída ao Gabinete da então Secretaria Especial de Direitos Humanos. Logo, desde 2004, a lei orçamentária brasileira destina um montante para que a SDH/MJ possa arcar com as despesas provenientes das indenizações pecuniárias oriundas de violações de tratados internacionais pelo Estado brasileiro.

Nota-se, contudo, que o orçamento vinculado ao pagamento de indenizações pecuniárias engendradas por medidas oriundas do SIDH é geralmente mobilizado quando há sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desse modo, é sempre a esfera estadual de governo, entre os entes federados, que deve ser o responsável por tal pagamento. Igualmente, é o âmbito estadual de governo que se responsabiliza pela implementação das outras medidas outorgadas pelo SIDH.

Tabela 11: Graus de compliance do Estado brasileiro com medidas proferidas pelo SIDH relacionadas à reparação econômica monetária de vítimas.

Graus de compliance do Estado brasileiro com medidas proferidas pelo SIDH relacionadas à reparação econômica monetária de vítimas

N:29 N. do

Caso Nome do Caso Tipos de decisão Medidas

Graus de Compliance

12.308 Manoel Leal de Oliveira Recomendações da CmDH

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente 12.310 Sebastião Camargo Filho Recomendações

da CmDH

Reparação econômica

monetária Não cumpriu 12.440 Wallace de Almeida Recomendações

da CmDH

Reparação econômica monetária

Cumpriu parcialmente 12.019 Antônio Ferreira Braga Recomendações

da CmDH

Reparação econômica

monetária Não cumpriu

12.001 Simone André Diniz* Recomendações da CmDH

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente Reparação econômica

monetária Não cumpriu Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente 11.556 Massacre de Corumbiara Recomendações

da CmDH

Reparação econômica

monetária Não cumpriu

11.634 Jaílton Néri da Fonseca* Recomendações da CmDH

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente 10.301 Parque São Lucas Recomendações

da CmDH

Reparação econômica monetária

Cumpriu parcialmente 11.517 Diniz Bento da Silva

(Teixeirinha) Recomendações da CmDH Reparação econômica monetária Cumpriu parcialmente 11.286 Aluísio Cavalcanti e outros Recomendações da CmDH Reparação econômica

monetária Não cumpriu 11.291 Carandirú Recomendações

da CmDH

Reparação econômica

monetária Não cumpriu 11.598 Alonso Eugénio da Silva Recomendações

da CmDH Reparação econômica monetária Informação não disponível 11.599 Marcos Aurelio de Oliveira Recomendações da CmDH Reparação econômica monetária Informação não disponível 11.516 Ovelário Tames Recomendações

da CmDH

Reparação econômica monetária

Informação não disponível 11.287 João Canuto de Oliveira Recomendações

da CmDH

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente 11.566

Favela Nova Brasília (Evandro Oliveira e

outros)

Recomendações da CmDH

Reparação econômica

monetária Não cumpriu 12.066 Fazenda Brasil Verde Recomendações

da CmDH

Reparação econômica

12.426 Meninos Emasculados do Maranhão Cumprimento de Acordo de Solução Amistosa Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente

N/A

Caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil Sentença da Corte Reparação econômica monetária Parcialmente cumprido

N/A Caso Garibaldi vs. Brasil* Sentença da Corte

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente

N/A Caso Damião Ximenes Lopes vs. Brasil*

Sentença da Corte

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente

N/A Caso Arley José Escher e outros vs. Brasil*

Sentença da Corte

Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente Reparação econômica

monetária Cumpriu totalmente

*Os Casos nº 12.001 Simone André Diniz e nº 11.634 Jaílton Néri da Fonseca, ambos em fase de cumprimento de recomendações da CmDH, assim como o Caso Garibaldi vs. Brasil, Caso Damião Ximenes Lopes vs. Brasil e Caso Arley José Escher e outros vs. Brasil, que cumprem resoluções da CrDH, apresentam mais de uma medida relacionada à reparação econômica monetária das vítimas e familiares. Para ter acesso ao teor das medidas, vide Apêndice C.

Fonte: Elaboração própria. Dados da CmDH, da CrDH, do MRE e da SDH (disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/ Acesso em: 07 nov. 2015 e no Apêndice C).

Os dados contidos na tabela 11 deixam claro que o Estado brasileiro, âmbito federal, cumpre quase totalmente com todas as medidas outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos relacionadas à reparação econômica das vítimas e familiares das vítimas da violação de direitos humanos. A medida referente ao Caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) é a única que se encontra parcialmente cumprida, todas as outras medidas da CrDH referentes à reparação econômica das vítimas e familiares das vítimas foram totalmente cumpridas pelo Brasil.

O mesmo não ocorre com as medidas outorgadas pela Comissão, já que o pagamento das indenizações pecuniárias das medidas proferidas pela CmDH são responsabilidades dos estados federados e dependem do contexto político de cada caso, assim como dos esforços engendrados pela SIDH para envolver os atores domésticos no processo decisório de implementação das recomendações e resoluções do Sistema Interamericano de Direitos Humanos contra o Brasil, uma vez que a medida não tem caráter jurídico vinculante.

3.4. Implementação das medidas de garantia e acesso à justiça e o Programa Justiça