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6. A SAÚDE PÚBLICA EM CAMPINAS – A SECRETARIA DE SAÚDE E SEUS

6.1. As décadas de 1960 e 1970 – a gênese de uma política municipal de saúde

6.4.2. A implementação do Projeto Paidéia

O projeto foi apresentado ao Colegiado Gestor da Secretaria pelo secretário de Saúde, Gastão Wagner de Sousa Campos, logo nos primeiros dias de gestão. Vários documentos foram sendo escritos até que o Colegiado da Secretaria aprovasse as diretrizes do modelo em 2001 (SMS, 2001)

De imediato, causou estranheza na equipe apresentar um projeto de Saúde da Família, dado que recusado pelo Conselho Municipal de Saúde inclusive com a ajuda de sanitaristas que naquele momento compunham a equipe gestora da Secretaria. A principal dúvida era retirar ou não os pediatras e os ginecologistas das equipes, haja vista a tradição da cidade, a avaliação positiva do trabalho desses profissionais, particularmente dos pediatras e a suspeição que, dado os avanços tecnológicos e de conhecimentos da ciência médica, se seria possível um médico generalista abarcar conhecimentos suficientes para assumir a clínica da criança, da mulher e do adulto. Ademais, a quantidade de médicos de família formados nas nossas universidades está longe de suprir o número necessário às equipes que teriam que ser montadas. Essas mesmas dúvidas se estendem por toda a rede e as resistências à implantação de um modelo de saúde da família à imagem do Ministério da Saúde se avolumam.

Ao fim e ao cabo, a proposta apresentada à rede é a de uma equipe ampliada, com o médico de família e os médicos pediatras e ginecologistas, apoiando as equipes e as matriciando. Assim é que teriam como funções, além do atendimento dos casos mais complexos, capacitação dos médicos que se tornassem generalistas, os enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários para os cuidados com as crianças e mulheres com

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problemas específicos das áreas. Esse papel só foi parcialmente assumido e na maioria das equipes tanto os pediatras quanto os ginecologistas continuaram com a demanda de pediatria e das mulheres com problemas ginecológicos ou gestantes.

Discutia-se também a possibilidade de começar um projeto piloto, mas decidiu-se por implantá-lo em todo a rede de uma só vez. Para isso, teria papel central os coordenadores (diretores) de distritos de saúde e suas equipes de apoiadores. Sem dúvidas, houve um esforço hercúleo de cada um deles de fazer as discussões em cada uma das unidades de saúde, vencer as resistências e implantar as várias equipes com seus poéticos nomes (Sol, Lua, Estrela, Rosa, Jasmin, Vermelha, Verde, dentre outras denominações). Ao fim de poucos meses, toda a rede havia se modificado e se compuseram cem Equipes de Referência ou Equipes de Saúde da Família Ampliadas.

Neste intervalo de tempo, iniciou-se também a capacitação para formar profissionais de “saúde da família”, particularmente os médicos de família e agentes comunitários, uma vez que eram novidades no munícipio. Por outro lado, as várias diretrizes do modelo, específicas do município e ainda não testadas em outros, exigiam formação específica e particular. Foram momentos muito ricos, instigantes, de descobertas de novas possibilidades no trabalho em saúde e de muitas discussões e seminários com trabalhadores, gestores e usuários do Sistema Local de Saúde.

Para alguns, e até hoje se escuta isso na rede de saúde, o modelo, apesar da intensidade das discussões, foi imposto autoritariamente, “de cima para baixo”. Entretanto, avaliações realizadas por dois pesquisadores na época demonstram satisfação de grande parte dos trabalhadores com as mudanças, o que contraria esse diagnóstico (na minha opinião, o próprio nome dado às equipes pode ser significativo da aceitação final por parte dos profissionais de saúde.

O agente comunitário era considerado estratégico para o projeto, pois seria ele o elemento de conexão dos problemas do território e dos seus moradores com as equipes de saúde da família. O Paidéia previa uma quantidade de agentes que poderia variar de 4 a 6 por equipes, dependendo mais da vulnerabilidade do território que do tamanho da população. Diferente do previsto no PSF do Ministério da Saúde, os agentes não deveriam visitar todas as casas

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do território mensalmente, mas as visitas se dariam de acordo com os projetos terapêuticos singulares para cada família. Isto significa que se poderia visitar um dado paciente de alta vulnerabilidade diariamente por semanas a fio até que se considerasse dispensável a sua presença com essa regularidade, até outros que se visitasse muito raramente, apenas para avaliar riscos e necessidades surgidas entre uma visita e outra.

A contratação dos agentes comunitários se deu por processo seletivo público por meio da ampliação do convênio com o Cândido Ferreira, para o qual se criou outro plano de trabalho denominado “Atenção Básica”. Inscreveram-se aproximadamente 20 mil pessoas, a grande maioria de nível universitário (pedagogos, advogados, educadores sociais, jornalistas, entre outros) para 500 vagas. Era uma época de pouca empregabilidade e de salários baixos na iniciativa privada. Isto, se por um lado, foi positivo por ter-se agentes altamente capacitados, trouxe alguns problemas: os mais escolarizados estavam nas regiões de menor vulnerabilidade, já que nelas se concentram mais pessoas com mais tempo de estudo. Em regiões periféricas, o índice de aprovação foi menor, dificultando alocar agentes, principalmente quando havia demissões e escasseavam-se as pessoas na lista a serem chamadas. Um segundo problema era que as demissões eram frequentes, pois, em função da alta escolaridade, as pessoas encontravam outro emprego e abandonavam a função. Muitos se mostravam insatisfeitos e sabidamente estavam ali apenas aguardando outra oportunidade. Outro problema acontecia quando ocorria mudança de endereço por parte do agente: em tese, deveria ser demitido, visto que o processo seletivo era territorial tanto no que se refere às inscrições quanto à moradia. Demiti-lo, por sua vez, significava gerar desemprego e perder todo o vínculo que os bons agentes tinham feito com os moradores de seu território. Esse problema foi constante, gerando inúmeras discussões, com intervenções de vereadores, conselhos locais de saúde e moradores do território. As medidas muitas vezes diferenciavam de uma situação para outra: demitiam-se uns e outros não. A situação só foi resolvida recentemente (2013), quando se aprovou a lei que permitia inscrições de qualquer lugar da cidade, bem como eliminou-se a necessidade de morar no território.

Muito interessante foi o processo de cadastramento: iniciou-se por criar um programa específico para o Paidéia, dado que o Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab) do MS foi considerado inadequado para nossos objetivos. A ficha de cadastro era imensa, com

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centenas de dados. Apesar disso, os agentes se puseram em campo e em alguns meses aproximadamente 50% do município estava cadastrado. Porém, gerou um problema: não era compatível com o sistema oficial do MS, obrigando a equipe do Centro de Informação e Informática a “inventar” maneiras de manter o Siab em dia, sob o risco de não receber os recursos federais. Com a mudança de gestão, o cadastro foi abandonado e, por outro lado, não foi implantado o SIAB, o que só aconteceu recentemente, gerando inúmeros problemas para informar os dados ao Ministério e, pior, dificultando a geração de relatórios adequados para as equipes. O problema foi mais sentido a partir de 2013, com a introdução do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) do MS, para o qual era importante o preenchimento do SIAB.