• Nenhum resultado encontrado

O presente trabalho introduz a AFCL como procedimento para operacionalizar e medir adequadamente o constructo de imagem afectiva, ultrapassando alguns dos problemas que têm sido apontados ao modelo circumplexo. As dimensões básicas de afecto, agradabilidade e excitação, não têm, per se, força motivadora, é a combinação de ambas que está envolvida nos mecanismos de evitação e de aproximação. Por conseguinte, avaliar o afecto atribuído ao ambiente e os respectivos efeitos enquanto variável antecedente da motivação, implica identificar claramente qual é a posição ocupada por um determinado ambiente, ou seja, qual a probabilidade desse ambiente ser identificado com cada uma das quatro combinações possíveis – entusiasmante, relaxante, melancólico ou stressante. Tal é viável através da AFCL, considerando Agradabilidade e Excitação como variáveis latentes dicotómicas, mas permitindo que os respectivos indicadores ocupem uma posição relativa face a essas variáveis, traduzida na probabilidade de pertencer à categoria positiva da variável latente. Por outro lado, esta abordagem factorial é particularmente adequada aos casos em que o mesmo indicador pode (e deve!) medir ambas as variáveis latentes, o que tem constituído um problema para a validade das medidas com outros modelos factoriais, dada a dificuldade em encontrar indicadores de uma dimensão que sejam neutros na outra, particularmente indicadores de excitação que sejam neutros em agradabilidade (Watson et al., 1999; Carver, 2001). Por exemplo, Bigné, Andreu e Gnoth (2005) usam seis indicadores de excitação, dos quais cinco são, com certeza, bons indicadores de agradabilidade.

Como categoricamente afirmam Russell e Feldman Barrett (1999), qualquer região do espaço afectivo é sempre uma combinação de agradabilidade e excitação. É também interessante notar que, apesar de conceptualizarem estas dimensões básicas como contínuas, todos os exemplos de combinações que apresentam são definidos pelos respectivos pólos positivos ou negativos, ou seja, de maneira perfeitamente consistente com a nossa proposta de variáveis latentes dicotómicas. Na prática, a concepção dicotómica das variáveis latentes é uma boa representação da bipolaridade das dimensões básicas de afecto, que os autores defendem. Segundo o modelo teórico de imagem afectiva que propomos na Figura 16, empiricamente validado para o ambiente quotidiano e para o destino Douro (Tabela 53), bastará utilizar indicadores dos estados

193 afectivos que representam as quatro combinações das categorias das dimensões básicas, já que estas funcionam como factores de segunda ordem. Deste modo, os indicadores de cada um dos quatro ‘quadrantes’ funcionam também como indicadores de Agradabilidade e Excitação.

Num modelo de AFCL com variáveis latentes dicotómicas, cada combinação dos níveis alto ou baixo de cada factor é equivalente a uma classe latente (Magidson e Vermunt, 2001), o que permite calcular a probabilidade de uma observação pertencer a determinada categoria duma variável observada, dado que pertence a um determinado ‘quadrante’. Considerando os estados afectivos atribuídos ao ambiente como antecedentes da motivação, esta propriedade da AFCL é particularmente útil quando se calculam as probabilidades condicionais para as categorias de variáveis concomitantes, como, por exemplo, na Tabela 58. Poder-se-á avaliar em que medida um ambiente quotidiano stressante está associado a motivação negativa, ou em que medida um ambiente do destino entusiasmante está associado a motivação positiva.

Em suma, a modelação da imagem afectiva através de AFCL permite: considerar as dimensões básicas de afecto (Agradabilidade e Excitação) como bipolares; utilizar indicadores que são sempre uma combinação daquelas duas dimensões, mas que podem sê-lo em diferentes intensidades; utilizar indicadores que correspondem a uma combinação de Agradabilidade e Excitação esperada, mas para os quais seria difícil encontrar um pólo oposto; considerar os estados afectivos que activam, sinalizam ou representam a motivação (Rossiter e Percy, 1987; Watson et al., 1999; Carver, 2001) como classes latentes de imagem afectiva, as quais são discretas, mas se opõem umas às outras num espaço determinado pelas dimensões básicas, tal como previsto na teoria original do afecto atribuído ao ambiente (Russell e Mehrabian, 1976, 1978; Russell e Pratt, 1980). Por exemplo, as classes latentes Stressante e Melancólico têm o mesmo nível (negativo) de Agradabilidade, distinguindo-se apenas por representarem pólos opostos de Excitação. Mas um indicador de Stressante não tem de ter o mesmo nível de Agradabilidade de um indicador de Melancólico, nem sequer de outro indicador de Stressante. As variáveis latentes são, na prática, bipolares; os indicadores, não necessariamente. Nada obsta a que os indicadores sejam medidos em escalas dicotómicas, como foi o caso do presente estudo, ou em escalas ordinais, ou em escalas

194 de intervalo unipolares, as variáveis latentes serão sempre bipolares. Se o modelo de medida for válido, resolver-se-á o problema da dificuldade de encontrar pares de adjectivos opostos para os indicadores, sem pôr em causa a bipolaridade das variáveis latentes (Feldman Barrett e Russell, 1999).

A distinção entre variáveis latentes e observadas merece uma observação relativamente ao emprego dos indicadores que têm sido usados para medir a imagem afectiva dos ambientes de consumo e, mais especificamente, dos destinos turísticos. Russell e Pratt apresentam quatro variáveis latentes bipolares (1980, Table 3), as quais são construídas a partir da observação de 40 indicadores unipolares (1980, Table 4), ou seja, cada um dos oito pólos das escalas bipolares é medido por cinco indicadores unipolares. Por exemplo, Kim e Richardson (2003) utilizaram os 40 indicadores sugeridos por Russell e Pratt para medir a imagem afectiva de Viena nas quatro variáveis latentes bipolares. A metodologia que aqui propomos, com recurso a AFCL, funciona de forma idêntica, resultando em variáveis latentes bipolares que podem ser obtidas através da observação de indicadores em diversos tipos de escalas de medida.

Pelo contrário, Baloglu e Brinberg (1997) usam as quatro escalas bipolares como se de indicadores se tratasse, ou seja, mediram a imagem afectiva dos destinos directamente nas quatro variáveis bipolares que Russell e Pratt (1980) definiram como variáveis latentes. Esta abordagem obriga os respondentes a um maior nível de abstracção do que utilizando estados afectivos concretos, mas produz resultados adequados se as observações forem analisadas num modelo espacial, como o escalonamento multidimensional a que os autores recorreram. Num plano completamente distinto, está a utilização de métodos correlacionais (ACP, AFE ou AFC) para analisar as medidas obtidas a partir das quatro escalas utilizadas por Baloglu e Brinberg (1997). Neste caso, aquilo que originalmente foi proposto como variáveis latentes é conceptualizado como indicadores de uma variável latente de afecto geral, no fundo, agradabilidade, como resulta nos estudos de San Martín e Rodríguez del Bosque (2008) ou de White e Scandale (2005). Uma medida geral de agradabilidade estará com certeza associada a intenções de visita, como mostram estes estudos, mas não permite saber nada sobre os mecanismos motivacionais da intenção em causa. Note-se, por exemplo, que na experiência de Kim e Richardson (2003), os sujeitos que viram o filme

195 “Até ao Amanhecer” atribuíram a Viena uma imagem mais relaxante do que os que não o viram, foi esta a emoção evocada pelo filme e seria neste domínio que o filme poderia afectar a intenção de visita. Uma abordagem que não tivesse especificamente em conta os estados afectivos resultantes da interacção entre agradabilidade e excitação, nunca poderia obter este resultado – provavelmente, teria concluído que o filme não teve impacto na imagem afectiva de Viena.

Alguns estudos têm por objectivo avaliar a imagem afectiva de destinos concorrentes. Como foi dito, Baloglu e Brinberg (1997) obtiveram medidas em quatro escalas bipolares, para 11 destinos (países) mediterrânicos, as quais reduziram a duas dimensões através de escalonamento multidimensional. Por seu turno, Pike e Ryan (2004) obtiveram as medidas directamente em duas dimensões bipolares para cinco destinos (regiões) da Nova Zelândia e construíram o mapa afectivo a partir das médias de cada destino em cada dimensão. O principal problema destas abordagens é obrigar o inquirido a pensar em entidades abstractas, que são as variáveis latentes – em vez de avaliar o ambiente num determinado adjectivo de utilização comum, precisa em primeiro lugar de compreender o significado da dimensão e depois classificar o ambiente, resultando numa medida “afectiva” já bastante imbuída de componentes cognitivos. No fundo, parecem esquecer que as escalas psicométricas foram desenvolvidas por se considerar que as facetas básicas dos fenómenos em estudo não se podem medir directamente, mas apenas através de indicadores. Por outro lado, estas abordagens têm a vantagem de reduzir consideravelmente o número de observações necessárias para produzir um mapa afectivo – Pike e Ryan conseguem com 10 observações aquilo que necessitaria de 100 observações se tivessem seguido o procedimento proposto por Russell e Pratt (1980).

A AFCL permite construir um mapa afectivo de destinos concorrentes, considerando o destino como variável concomitante nominal, com um número de categorias igual ao número de destinos (de forma idêntica ao que aqui foi feito para as diferentes origens - Tabela 54). Russell e Pratt propõem que, havendo restrições quanto ao tamanho do questionário, se utilizem indicadores de apenas quatro pólos, sejam agradável, apático, desagradável e excitado; ou entusiasmante, relaxante, melancólico e stressante. Na nossa proposta, cada destino será avaliado em indicadores deste último

196 conjunto de pólos. Dado que cada indicador mede simultaneamente ambas as dimensões básicas (Figura 17), cada um destes pólos, combinações das dimensões básicas ou classe latente pode ser avaliado pelas medidas de apenas dois ou três indicadores, pelo que, para construir o mapa afectivo pretendido por Pike e Ryan, seriam necessárias entre 40 a 60 observações. A AFCL teria ainda a vantagem de produzir estatísticas para avaliar se, realmente, os destinos se distinguem nalguma das dimensões (agradabilidade e excitação) ou nalguma das combinações ou classes latentes (entusiasmante, relaxante, melancólico, stressante). Note-se que, obtendo as medidas directas de agradabilidade e excitação, Pike e Ryan (2004, p. 338) se depararam com médias elevadas em ambas as dimensões, para todos os destinos, não tendo resultado, portanto, discriminação nessas medidas. Por último, ao medir as respostas em estados afectivos naturais, em vez de escalas abstractas, a nossa proposta segue as recomendações de Babin e colegas (Babin, Darden e Babin, 1998), que demonstraram a inadequação de escalas de diferencial semântico para registar estados afectivos dos consumidores e argumentaram que os modelos de medida podem recuperar a bipolaridade, se ela existir nas variáveis latentes.

Numa perspectiva semelhante a Fridgen (1984), Russell e Snodgrass (1987) mostram que os sujeitos desenvolvem a atribuição de emoções a um determinado ambiente, e.g. um destino turístico, numa fase de antecipação, depois no momento em que interagem com esse ambiente e mais tarde numa fase de recordação. O estudo de Babin e colegas (Babin, Darden e Babin, 1998), segundo argumento dos autores, mostra que as propriedades psicométricas das medidas de afecto são diferentes, consoante se obtêm durante a presença do sujeito no ambiente em causa, ou mais tarde, quando o sujeito faz uma retrospectiva sobre as propriedades afectivas do mesmo. A estrutura das dimensões básicas de afecto é mais simples na fase de recordação, enquanto as medidas obtidas no momento questionam a bipolaridade entre estados mais ou menos excitantes, por exemplo, ou seja, é perfeitamente admissível que o inquirido, no destino, atribua simultaneamente elevados níveis a indicadores de ambiente entusiasmante e a indicadores de ambiente relaxante. Russell e colegas também reconhecem que aquilo a que chamam episódios de afecto, como seria o caso da inquirição num ambiente de consumo, podem dar origens a respostas ambivalentes, com elevadas pontuações a pólos que, de acordo com a teoria, deveriam ser opostos (Feldman Barrett e Russell,

197 1999; Russell e Feldman Barrett, 1999). Mais uma vez, estão expostos os riscos de recolher a informação em escalas semânticas diferenciais.

Para obter medidas que comparem o ambiente quotidiano com o ambiente de destino, será necessário, portanto, ter em conta que a inquirição se fará na presença de um desses ambientes, enquanto a avaliação do outro será feita na fase de antecipação ou na fase de recordação. Diferentes aspectos das relações entre imagem afectiva e motivações poderão emergir, consoante o ambiente escolhido para a inquirição. Teoricamente, é de admitir que, na fase de antecipação, a imagem afectiva do destino seja mais simples, evidenciando a oposição afectiva ao ambiente quotidiano, se a motivação negativa for dominante e, possivelmente, algumas emoções directamente relacionadas com motivações positivas mais específicas. Um estudo comparado de vários destinos concorrentes poderá ser feito nesta fase, associado à probabilidade de visita, já que a decisão da viagem é feita nesta fase. Por seu lado, da inquirição no destino resultará, em princípio, uma imagem afectiva directamente ligada à experiência do turista, a qual poderá ser relacionada, por exemplo, com a satisfação ou com uma avaliação de como os benefícios afectivos correspondem às motivações. Com os recursos de investigação necessários, o ideal seria ter três amostras diferentes a avaliar afectivamente o mesmo destino antes, durante e depois da viagem.

Um outro assunto relevante, do ponto de vista metodológico, prende-se com as escalas de medida utilizadas nos questionários e respectivas formulações das perguntas. Seguiu-se o princípio geral de adaptar o instrumento de observação à forma mais natural de resposta, tendo em conta o veículo da entrevista (telefónica ou pessoal) e o tempo disponível (escasso, em ambos os inquéritos), mas sem perder de vista os pressupostos das técnicas de análise de dados que se previa utilizar. Tornou-se evidente, na análise, que a distribuição das respostas medidas em escalas de intervalo se desvia da normalidade. Nomeadamente nos indicadores de personalidade e de motivação, há uma tendência para respostas positivas, uma vez que: a média empírica foi quase sempre superior ao ponto médio da escala; as respostas com valores médios mais elevados tendem a exibir um maior consenso, com elevadas frequências em torno da média (distribuição leptocúrtica); as respostas com valores médios mais baixos tendem a exibir uma maior dispersão, maior equilíbrio entre os vários pontos da escala (distribuição

198 platicúrtica). Por si só, a violação do pressuposto de normalidade não é um pecado capital, já que não costuma por em causa a validade dos modelos de medida, nem das relações estruturais (McCoy, 2004), mas, ainda assim, para ter maior segurança nos resultados, optou-se por estimativas a partir de bootstrapping.

O efeito de aquiescência descrito poderá ter alguma influência na rejeição da unidimensionalidade do constructo de aventureirismo, mas nunca seria suficiente para justificar tão forte evidência a favor da ortogonalidade das duas dimensões encontradas (Cf. Tabela 33). Pelo contrário, é de admitir que, tal como em diversos domínios psicométricos (Moreira, 2004), as dimensões que foram designadas por Aventureirismo e Rotina não sejam pólos opostos de um mesmo factor, mas facetas coexistentes – afinal, esta investigação mostrou que motivação negativa e positiva coexistem, estados afectivos mais ou menos excitados coexistem, pelo que traços mais aventureiros também poderão coexistir com traços de carácter confiável. Aliás, vários autores (Mayo e Jarvis, 1981; Moutinho, 1987) têm sugerido que ambos os tipos de “inclinações” estão presentes em todas as viagens, embora não haja consenso sobre se essas inclinações são disposições de longa duração ou serão antes aquilo que neste trabalho se designa por motivações.