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3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE

3.3 O Trabalho Artístico

3.3.2 Importância do Trabalho Artístico

A importância do trabalho artístico está ligada à importância da arte. Identificar essa importância é uma tarefa bastante complexa, mas é inequívoco que, por meio da arte, as civilizações se expressam e contam seus momentos históricos, culturais, políticos e sociais. A arte não somente relata a história, como também tem a capacidade de mudá-la. O artista, por meio de seu trabalho, pode influenciar as pessoas e até uma nação inteira.

Sobre a função da arte, Mikel Dufrenne menciona:

[…] a arte, tomando consciência de si, aprende que se renuncia ao se realizar; ela é potencia de mundo, e esse mundo que ela revela é uma expressão do mundo; de modo que o artista não pode não estar ele mesmo no mundo, no mundo natural como lhe recorda. Merleau-Ponty criticando Malraux, no mundo social como lhe recorda Sartre. Destarte, a arte reencontra, hoje, sua função de medição entre o homem e o mundo. E, ao mesmo tempo, a técnica se humaniza, tanto nas condições de trabalho quanto na forma de seus produtos: ambas vão lado a lado, como o testemunha a experiência da Olivetti. A busca de uma estética industrial tem uma significação considerável: o homem, aprendendo a viver o progresso técnico, pode dominar o mundo sem romper com ele, também pode habitá-lo como sua pátria, pode permanecer no fundamento sem deixar de produzir sua história.103

Hege George diz que “sempre a arte foi para o homem instrumento de conscientização das ideias e dos interesses mais nobres do espírito. Foram nas obras artísticas que os povos depuseram as concepções mais altas, onde as exprimiram e as consciencializaram”.104

As obras de arte, produtos do trabalho artístico, desde a Antiguidade até hoje, ora serviram para contar uma história, ora para rememorar um acontecimento importante, ora para despertar o sentimento religioso ou cívico e, mesmo quando desvinculadas desses

103 DUFRENNE Mikel, Estética e Filosofia. São Paulo. Editora Respectiva, 1972, p. 241.

104 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética: a idéia e o ideal; Estética: o belo artístico ou o ideal.

Tradução Orlando Vitorino, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Antonio Pinto de Carvalho. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 4.

interesses não puramente artísticos, somente pelo fato de a obra de arte propiciar uma experiência estética, por seus valores intrínsecos, também se verifica sua importância cultural e sensorial para o desenvolvimento da humanidade.

Nesse mesmo sentido, Maria Lúcia de Almeida Aranha e Maria Helena Pires Martins mencionam: “Portanto, as finalidades a serviço das quais a arte podem estar podem ser pedagógicas, religiosas, políticas ou sociais”.105

Umberto Eco, por sua vez, alude que

Este modo de considerar o organismo artístico como revelador de um mundo originário não é acessório da ‘leitura’ de uma obra, mas constitui uma das suas possibilidades sempre vivas; e mesmo aí onde o autor julga nada dizer acerca de si e do próprio mundo, mesmo onde o juízo acerca de uma época ou a narrativa autobiográfica dão lugar ao simples arabesco e ao puro divertimento, é sempre possível a reconquista daquele mundo originário, pois o artista, manifestando-se como modo de formar nas sinuosidades próprias do seu jogo abstrato de fatos, vozes e imagens, traduz sempre a sua personalidade e as constantes de uma época e de um ambiente; neste sentido, ‘pode ver-se como a arte se alimenta de toda a civilização do seu tempo, refletidas na irrepetível reação pessoal do artista, e nela estão presentes as maneiras de pensar, viver, sentir toda uma época, a interpretação da realidade, a atitude perante a vida, os ideais e as tradições e as esperanças e as lutas de um período histórico.106

A cantora Mercedes Souza colocou seu trabalho artístico em defesa de seu ideal político e social, na luta contra a ditadura militar em seu país.

E novamente pondera Umberto Eco que a arte diz-nos sempre alguma coisa acerca do mundo em que vivemos, mesmo que não fale de assuntos históricos e sociológicos; disto se dava conta, confusamente, o articulista admirado, e denunciava na música nova um ato de subversão, algo que punha em causa um mundo a que ele se agarrava com todas as suas forças.107

Em reportagem intitulada “O Cérebro é o Espírito”, veiculada na Revista Veja108, Carlos Graieb levanta questionamentos ligados à importância do trabalho artístico e

105 ARANHA, Maria Lúcia de Almeida; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à

Filosofia. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Moderna, 1993, p. 350.

106 ECO, Umberto. A definição da Arte. Tradução de José Mendes Ferreira. Rio de Janeiro: Elfos Ed.;

Lisboa: Edições 70, 1995, p. 34.

107 Ibid., p. 238.

informa que, por vários séculos, o cérebro foi considerado sobretudo a sede da razão, mas os avanços recentes da neurociencia abriram uma porta para que se investiguem estados subjetivos. Novas pesquisas vasculham o cérebro para compreender a arte e até os sentimentos religiosos.

Na mencionada reportagem, Carlos Graieb faz questionamentos como: Por que o órgão mais complexo do corpo nos capacita a criar pinturas e poemas? Qual é a função destas atividades? Será que despender energia inventando batidas de tambor e desenhos para a caverna ajudou nossos ancestrais a sobreviver? Para responder a estas questões, o jornalista se socorreu à teoria da evolução do inglês Charles Darwin, que, ao refletir sobre uma arte especial, a música, concluiu que ela teve um papel evolutivo, esclarecendo: “como a cauda dos pavões, ela (a música) nos ajudava a atrair o sexo oposto”.

Ainda, segundo a reportagem, para os cientistas que discordam da teoria da “seleção sexual” prelecionada por Darwin, “a arte é apenas um subproduto do aparato sensorial” e que “o fato de alguns estímulos nos darem prazer fez com que inventássemos formas de ter acesso a eles repetidamente”.

A reportagem termina esclarecendo que o debate continua, mas “só se sabe com certeza que, entre todos os grupos de hominídeos que disputavam recursos escassos na Idade do Gelo, o mais bem sucedido foi o que encontrou tempo para decorar com pinturas as paredes das cavernas”.

Por tudo isso, tem-se que o trabalho artístico é de grande valia para todas as nações e em todos os tempos, quer quando está alcançando efetivamente um objetivo social, político ou evolutivo, quer pela simples manifestação da criação de uma obra de arte, que, por si só, já registra a cultura e a história de uma civilização.