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A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DO ART 19-B, § 2º DA LEI 13.509 DE 2017 PARA A PROTEÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO

3 A PRESERVAÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO DIANTE DA PREVISÃO DO APADRINHAMENTO AFETIVO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO

3.2 A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DO ART 19-B, § 2º DA LEI 13.509 DE 2017 PARA A PROTEÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO

ADOTANDO

Durante a sua construção legislativa, a Lei n. 13.50986 de 22 de novembro de 2017 suscitou a discussão a respeito de alguns de seus dispositivos, dentre os quais se pretende destacar o vetado parágrafo segundo do artigo 19-B, inspirado no modelo português de apadrinhamento civil, o qual prevê:

Art. 19-B. [...]

§ 2º Podem ser padrinhos ou madrinhas pessoas maiores de 18 (dezoito) anos não inscritas nos cadastros de adoção, desde que cumpram os requisitos exigidos pelo programa de apadrinhamento de que fazem parte. (grifou-se)

Segundo Veronese, Silveira e Cury87, o entendimento extraído a partir da interpretação desse dispositivo consiste no seguinte raciocínio:

86 BRASIL. Lei n. 13.509 de 22 de novembro de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm. Acesso em: 29 out. 2018

87 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra; CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 238.

Ao reconhecer programas de apadrinhamento, a nova redação do Estatuto da Criança e do Adolescente passou a autorizar que pessoas sem interesse na adoção, mas que aceitam e até desejam conviver com a criança e o adolescente, possam participar da vida destes, com o objetivo de auxiliá-los, sobretudo, na formação de “vínculos externos à instituição”.

Disponibilizadas pelo Portal da Câmara dos Deputados88, extrai-se das razões do veto, propostas especialmente pelo Ministério do Desenvolvimento Social em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos, que a motivação substancial para tal oposição tem origem na finalidade social que se objetiva com o instituto do apadrinhamento. Brevemente, a justificativa para a retirada do dispositivo aborda a importância de analisar e estudar os efeitos práticos possivelmente resultantes, bem como a real eficiência da medida na proteção do princípio da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, conforme transcrição:

A manutenção do dispositivo implicaria em prejuízo a crianças e adolescentes com remotas chances de adoção, ao vedar a possibilidade de serem apadrinhadas por quem está inscrito nos cadastros de adoção, sendo que o perfil priorizado nos programas de apadrinhamento é justamente o de crianças e adolescentes com remotas possibilidades de reinserção familiar. A realidade tem mostrado que parte desse contingente tem logrado sua adoção após a participação em programas de apadrinhamento e construção gradativa de vínculo afetivo com padrinhos e madrinhas, potenciais adotantes.

O entendimento supracitado é no sentido de que a manutenção deste impedimento no texto legal prejudicaria consideravelmente o acesso de alguns perfis de crianças e adolescentes que, em decorrência da duradoura permanência em âmbito institucional, já se encontram desiludidos e sem perspectivas de reinserção no seio familiar. Veronese, Silveira e Cury89 comentam o veto:

O veto foi corretíssimo pois, apesar de a intenção final do apadrinhamento não ser a adoção, não há como negar, no caso de crianças e adolescentes com remotas chances de inclusão familiar ou adoção, ser seu melhor interesse a adoção pelos “padrinhos” do que sua simples manutenção na entidade de acolhimento.

De fato, infelizmente, muitas vezes a melhor das possibilidades dos infantes acolhidos consiste simplesmente na gradual aproximação afetiva proporcionada pelo instituto do

88 Câmara dos Deputados. Vetos à Lei n. 13.509 de 22 de novembro de 2017. 2017. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13509-22-novembro-2017-785783-veto-154280-pl.html. Acesso em 29 out. 2018.

apadrinhamento, o que poderá ou não vir a ser satisfatório à formação do vínculo necessário à adoção. Portanto, o que se pretende é justamente que, caso se alcance este estágio de familiaridade, não se obste a adoção do infante apadrinhado por mera restrição jurídica, frustrando sua oportunidade de estar permanentemente em família.

No mesmo sentido, corroborando com este raciocínio, foi proposta emenda ao Projeto de Lei n. 5.850 de 2016 pelo senador Randolfe Rodrigues90, do Partido REDE/AP, para que essas pessoas, independente da inscrição nos cadastros de adoção, tivessem a oportunidade e o direito de participar do programa de apadrinhamento, cumpridos os seus demais requisitos. Na justificação, o parlamentar ressalta:

Como o programa de apadrinhamento afetivo destina-se a crianças com “remotas chances de reintegração familiar ou de adoção”, nada justifica impedir que candidatos habilitados à adoção façam parte do programa. Tal proibição acaba por negar ao afilhado o direito de ser adotado pelos padrinhos, ainda que tenha se estabelecido entre eles vínculo de filiação socioafetivo. O efeito será nefasto. O acúmulo de mais frustrações e a certeza de que nunca terá uma família.

Trata-se de um ajuste na redação deste dispositivo que tem o objetivo de diminuir o sofrimento da criança e do adolescente, que já se encontram em situação de abandono afetivo. É preciso que a legislação crie mecanismos que facilitem o recebimento de afeto por parte dessas.

Existe, portanto, certa resistência em relação a esse disposto, uma vez que seu cumprimento tem o poder de reduzir as possibilidades de utilização do instituto do apadrinhamento, o que seria extremamente desfavorável à grande maioria das crianças e adolescentes, restringindo seu propósito inicial. Conforme o exposto, de fato, não é função do legislador propor entraves ao exercício dos direitos, especialmente infanto-juvenis. O ordenamento deve caminhar justamente no sentido oposto, ou seja, facilitando e viabilizando o acesso aos mecanismos disponíveis.

No entanto, apesar dos esforços apresentados nesse sentido, o veto ao dispositivo foi derrubado por unanimidade pelo Congresso Nacional, sob o argumento de que os cadastros dos interessados nos institutos da adoção e do apadrinhamento não devem se sobrepor. O Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente e da Educação (CAOPCAE)91, do Ministério Público do Estado do Paraná, elucida:

90 Senado Federal. Emenda n. 7 ao PLC 101/2017. 2017. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=7242809&ts=1528981439307&disposition=inline&ts=1528981439307. Acesso em 29 out. 2018.

91 Evento da CAOPCAE/MPPR em comemoração aos 27 Anos do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Disponível em:

http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/legis/eca/comparativo_eca_x_lei_13509_2017_caopcae.pdf. Acesso em: 29 out. 2018.

Com a derrubada do veto, mantém-se a regra de que os padrinhos afetivos não estejam cadastrados na lista de habilitados para adoção. Sistemática comum na maioria dos programas eis que o escopo do apadrinhamento não se confunde com a adoção e, em muitas situações, pessoas que pretendem burlar a ordem da lista de adoção usam o apadrinhamento para alegar a constituição de vínculos, o que não deve ser tolerado. (grifou-se)

Observa-se que o verdadeiro objetivo do excerto supracitado existe com o propósito de desassociar os institutos de apadrinhamento e de adoção, utilizando-se desse parágrafo para vedar que possíveis adotantes passem a apadrinhar, dada a importância em não confundir a verdadeira intenção por trás de cada um dos programas. A ideia consiste na necessidade da submissão dos interessados à ordem no cadastro de adoção para impedir que padrinhos e/ou madrinhas burlem o sistema da lista de espera, alegando a prevalência dos vínculos afetivos entre a criança e os adotantes em consonância com o melhor interesse da criança. Retomando o conceito deste princípio, Gama92 explica:

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se, assim, de reparar um grave equivoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito.

Pretende-se, portanto, impor a sujeição e a obediência ao fito e à execução do projeto na sua especificidade, cumprindo a missão de responsabilidade social ao apadrinhar uma criança ou um adolescente. Existe a necessidade de proteger essas crianças e adolescentes que, já fragilizadas, não devem estar expostas à possibilidade de novas decepções, as quais normalmente são geradas por expectativas do processo de adoção e que não correspondem ao objetivo essencial do apadrinhamento, situação essa potencialmente ocasionada pela sobreposição dos institutos.

Ainda assim, o juiz Fernando Moreira93, vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), discorda veementemente e adverte a respeito do dispositivo:

92 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de Direito de Família: guarda compartilhada à luz da Lei 11.698/08, família, criança, adolescente e idoso. 1º ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 80. 93 Instituto Brasileiro de Direito de Família. Congresso derruba vetos presidenciais e altera, mais uma vez,

regras da Lei de Adoção. 2018. Disponível em:

http://www.ibdfam.org.br/noticias/6539/Congresso+derruba+vetos+presidenciais+e+altera%2C+mais+uma+vez %2C+regras+da+Lei+de+Ado%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 29 out. 2018.

Para mim, o art. 19-B, § 2º, ECA, ao vedar habilitados à adoção de apadrinharem crianças e adolescentes, para os quais não há pretendentes, padece de manifesta inconstitucionalidade, pois viola o Princípio Constitucional da Absoluta Prioridade (art. 227, CF). Invertemos a ordem natural das coisas, priorizam-se os interesses dos pretendentes e valoriza-se uma disputa de poder entre Governo e Congresso, sendo que os interesses de nossos infantes estão ficando em segundo plano.

O magistrado considera a medida desastrosa, uma vez que, em sua opinião, a regra não apresentava qualquer prejuízo real aos processos de adoção, justamente pelo contrário, a sua permanência elimina a chance remota de muitos perfis de crianças e adolescentes que seguem no aguardo de serem consagrados pela medida.

Nessa linha, logo em seguida à promulgação da Lei 13.509 de 2017, o senador Garibaldi Alves Filho (Partido Movimento Democrático Brasileiro/RN) apresentou nova proposta de alteração (Projeto de Lei do Senado n. 221 de 2018), a qual já aprovada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), prosseguiu para análise e decisão da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e continua aguardando distribuição. O referido PL94 propõe a seguinte redação para o parágrafo segundo do artigo 19-B:

Art. 19-B. [...]

§ 2º Podem ser padrinhos ou madrinhas pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, desde que cumpram os requisitos exigidos pelo programa de apadrinhamento de que fazem parte.

Com o apoio da Associação Brasileira dos Juízes da Infância e da Juventude na causa, o parlamentar utiliza-se de dados estatísticos para expor a realidade vivenciada nas instituições de acolhimento e a problemática enfrentada pelos processos de adoção, abordado em capítulo anterior: o perfil das crianças mais procuradas pelos interessados não corresponde com a grande maioria das crianças e adolescentes acolhidos. Na sua justificação, em suma, salienta a importância da verificação prática da medida, apresentando o apadrinhamento como artifício para sensibilizar e envolver aqueles interessados na adoção de crianças e adolescentes mais velhos, com deficiência ou grupo de irmãos.

Dada a repercussão deste impedimento no cenário legislativo e na realidade prática da execução do programa de apadrinhamento, passa-se a questionar se esse dispositivo realmente cumpre com a função de beneficiar o exercício do direito de crianças e adolescentes. Por um 94 Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 221, de 2018. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?

lado, a importância de preservar o propósito e a intenção por trás de cada um dos institutos. Por outro, o acesso à convivência familiar e comunitária justamente dos acolhidos mais desalentados.

3.3 A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO APADRINHAMENTO A CRIANÇAS E