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A Lei n. 13.509 de 2017 e o impacto do instituto do apadrinhamento afetivo no atual regime de adoção previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

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CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARIA LUCIA GALVANE BASCHIROTTO

A LEI N. 13.509 DE 2017 E O IMPACTO DO INSTITUTO DO APADRINHAMENTO AFETIVO NO ATUAL REGIME DE ADOÇÃO PREVISTO PELO ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

FLORIANÓPOLIS/SC 2018

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CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de bacharela em Direito.

Orientadora: Profª. Drª. Josiane Petry Veronese

FLORIANÓPOLIS/SC 2018

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Agradeço a todos aqueles que contribuíram, cada um a seu modo, para que a graduação fizesse parte da minha vida como um dos capítulos mais intensos e especiais.

Aos meus pais, Luiz e Vera, aos quais dedico todas as minhas conquistas, pelas raízes e razões tão valiosas, para quem quero sempre voltar. Por sonharem meus sonhos comigo, por diversas vezes conter minha ansiedade e me lembrarem de dar um passo de cada vez, nunca sozinha. Por serem meus maiores incentivadores e maiores exemplos de empatia, de persistência, meu referencial eterno de amor maior. Vocês são tudo para mim.

Aos meus irmãos, Luiz Henrique e Luiz Gustavo, aos quais admiro muito, por todo apoio, pelos aprendizados e pelos conselhos compartilhados, mas, em especial, pelos momentos de descontração que tanto fizeram falta no meu cotidiano ao longo desse tempo.

Ao meu namorado, Mathias, que, em tempos de conveniência e superficialidade, demonstra todos os dias o que é sinergia, cumplicidade, amor e respeito, tudo isso em meio à adversidade de um relacionamento à distância. Obrigada pela dose diária de incentivo e por me ensinar a ser cada vez melhor, do melhor jeito: sendo exemplo.

Aos meus amigos criciumenses que, ainda que muitas vezes de longe, nunca deixaram de estar intimamente em sintonia, de recorrer e de segurar as pontas sempre que necessário, e que ali estiveram de prontidão para serem os melhores do mundo. Vocês são uma lição de sensibilidade para mim.

Aos amigos reconhecidos durante a graduação, por construírem comigo essa jornada e muitas vezes dar à cidade a sensação de segunda casa. A caminhada não teria sido a mesma sem essa parceria, cada um de vocês vai ficar especialmente marcado nas minhas melhores memórias.

À minha orientadora, Josiane, por despertar meu interesse na matéria do Direito da Criança e do Adolescente e aguçar minhas percepções a respeito do tema, bem como pela orientação e atenção voltada a este trabalho, muito obrigada.

A todos que de certa forma estiveram presentes no decorrer da minha formação pessoal e acadêmica, meus mais sinceros e eternos agradecimentos.

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O presente trabalho trata a respeito do impacto da inserção do instituto do apadrinhamento afetivo no ordenamento jurídico em relação ao regime de adoção brasileiro. Utilizando o método dedutivo, por meio da técnica de pesquisa documental e bibliográfica, pretendeu-se examinar a lógica por trás da aplicação do artigo 19-B, § 2º da Lei 13.509 de 2017, o qual prevê como requisito ao exercício do apadrinhamento que os interessados não estejam inscritos no cadastro para adoção. Inicialmente, analisou-se a evolução histórica do Direito da Criança e do Adolescente e seus reflexos atuais e, em momento posterior, os institutos separadamente, com enfoque dado na recente regularização do apadrinhamento pela nova lei. Por fim, a partir deste estudo, a repercussão do dispositivo mencionado na vida do infante acolhido institucionalmente com remotas possibilidades de inserção em núcleo familiar e a conveniência na mitigação desse aparato, sob o argumento do Princípio da Prevalência do Interesse do Adotando, um dos fundamentos basilares nessa seara.

Palavras-chave: Direito da Criança e do Adolescente; apadrinhamento afetivo; adoção; Lei

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The presente work treats about the impact of the insertion of the sponsorship institute by affection considering the brazilian adoption process. Using deductive method, through the technique of documentar and bibliographic research, it was intended to examine the logic behind the appliation of the article 19-B, § 2º of the Law n. 13.509/2017, which establishes as a reuirement to the exercise of sponsorship that the interested parties are not registered on the waiting list for adoption. Initially, the historical evolution of Child and Adolescent Law and its current reflections were analyzed and, in a later moment, the institutes separately, with focus given in the recente regularization of sponsorship by the new law. Finally, from this study, the repercussion of the mentioned legal forecast in the infant’s life received institutionally in a family nucleus and the convenience in mitigating this apparatus, on the basis of the Principle of the Prevalence of Adopter’s Interest, is one of the basic foundations in this subject.

Keywords: Child and Adolescent Law; affective sponsorship; adoption; Law n. 13.509/2017;

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CAOPCAE Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente e da Educação

CCJC Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CDH Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

CF Constituição Federal de 1988

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente

FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Família

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ONU Organização das Nações Unidas

PL Projeto de Lei

PNBEM Plano Nacional do Bem-Estar do Menor

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INTRODUÇÃO 10

1 A EVOLUÇÃO PRINCIPIOLÓGICA E JURÍDICA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 13

1.1 BREVE RELATO HISTÓRICO E DOUTRINÁRIO A RESPEITO DO DIRIETO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 13

1.2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E SUAS DIRETRIZES 18

1.3 O DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À

CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA 23

2 A LEI N. 13.509 DE 2017 E O ESTUDO DO INSTITUTO DO APADRINHAMENTO AFETIVO 29

2.1 AS PRINCIPAIS PROPOSTAS DA NOVA LEI AO TRATAMENTO CONFERIDO A

CRIANÇAS E ADOLESCENTES 29

2.2 O INSTITUTO JURÍDICO DO APADRINHAMENTO AFETIVO: CONCEITO E

PRINCIPAIS OBJETIVOS 34

2.3 A DEFINIÇÃO DO PERFIL DE CRIANÇA E ADOLESCENTE PRIORITÁRIO NO

ATENDIMENTO PELO INSTITUTO 41

3 A PRESERVAÇÃO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO DIANTE DA PREVISÃO DO APADRINHAMENTO AFETIVO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO 47

3.1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO E SUAS

CARACTERÍSTICAS 47

3.2 A IMPORTÂNCIA DA MANUTENÇÃO DO ARTIGO 19-B, § 2º DA LEI 13.509 DE 2017 PARA A PROTEÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO

ADOTANDO 52

3.3 A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO APADRINHAMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM REMOTA POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..62

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INTRODUÇÃO

Inaugurada legalmente no Brasil pela Constituição da República de 1988, a Doutrina da Proteção Integral assume força constitucional e a importante responsabilidade de exercer a função de novo referencial teórico, rompendo a vigência da Doutrina da Situação Irregular, sustentada pelos códigos anteriores.

Corroborando com o cenário nacional, importante destacar o papel desenvolvido pelas legislações internacionais, das quais muitas foram determinantes para consolidar a reformulação jurídica no Brasil. Tem-se como exemplo a Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução n. 1.386 de 1989) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa Rica), ambas ratificadas e posteriormente inseridas no ordenamento brasileiro.

A partir desse novo modelo, base doutrinária do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990), transpõe esses indivíduos da condição de objetos passivos dos fenômenos jurídicos para o plano dos sujeitos ativos, como verdadeiros titulares de direitos fundamentais em qualquer situação. A única particularidade passa a ser a sua condição de pessoa em desenvolvimento, a qual demanda tutelas ainda mais específicas do que as direcionadas a população adulta, em respeito a essa circunstancia evolutiva. Essa é a lógica de que trata o chamado Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Ocorre que, em que pese a contribuição teórica e embasamento legal no que tange à Doutrina da Proteção Integral, o grande desafio em relação a esse tema consiste na verdadeira concretização e efetivação desses direitos e garantias fundamentais, eliminando a contradição que existe entre a realidade prática e o ordenamento jurídico.

Nesse contexto de efetivação prática em prol de crianças e adolescentes, será verificada a necessidade de se atentar a precariedade do direito de convivência familiar e comunitária da população infanto-juvenil acolhida institucionalmente nos acolhimentos, popularmente conhecidos como “abrigos”. Embora o programa de acolhimento institucional cumpra com a finalidade de solucionar os casos de ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes, o fato é que o caráter provisório da medida, na maioria das vezes, é reiteradamente descumprido.

Tendo em vista o exposto, encontra-se espaço nessa conjuntura para a aplicação do instituto do apadrinhamento afetivo, uma vez que sua proposta essencial busca evitar que o acolhimento passe a privar direitos essenciais ao desenvolvimento infanto-juvenil. O

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apadrinhamento entende, portanto, pela necessidade de estreitar os laços de crianças e adolescentes acolhidos que, infelizmente, já se encontram sem esperanças de reinserção no núcleo familiar e comunitário, o que é de absoluta importância ao seu desenvolvimento.

Nesta seara, a importância da Lei n. 13.509 de 2017 para este trabalho consiste na previsão, entre outras, do artigo 19-B, § 2º, que dispõe a respeito do requisito para os interessados em apadrinhar, impossibilitando-os de estarem inseridos no cadastro para adoção, opção do legislador que tem fomentado divergências e controvérsias sobre o assunto.

Inicialmente, para compreensão será brevemente delineada a criação do regime de adoção brasileiro, revelando o paralelo histórico na legislação a respeito do tema a fim de despertar a compreensão sobre a origem de diversas características constatadas atualmente. Nesse momento, poderá ser verificado o porquê de determinadas estatísticas vivenciadas pelas instituições de acolhimento.

Em momento posterior, o estudo se aterá ao exame da nova previsão em específico e a forma como este pode interferir na realidade vivenciada por determinada parcela da população jovem institucionalizada. Seria necessária a previsão de um impedimento legal que coibisse a confusão entre os institutos, a fim de preservar não somente a verdadeira intenção que fundamenta cada um destes, como também evitar a burla na ordem listada nos cadastros?

Conforme será explanado, existem expressivas divergências a respeito desse dispositivo, uma vez que, a depender da hipótese no caso concreto, este estaria representando um desserviço a muitas crianças e adolescentes, as quais se encontram há anos abrigados institucionalmente e sem perspectiva de adoção.

Isso ocorre porque, não raras vezes, o apadrinhamento representa um potencial instrumento eficiente e capaz de proporcionar a construção de laços afetivos tão estreitos a ponto de suscitar nesses padrinhos o nobre desejo de adotar o seu respectivo afilhado.

Portanto, o presente trabalho de conclusão de curso recorre ao método dedutivo, mediante técnica de pesquisa documental e bibliográfica, para se dedicar à análise da relação existente entre os institutos do apadrinhamento afetivo e o regime de adoção brasileiro, especialmente na hipótese de crianças e adolescentes acolhidas institucionalmente com remotas possibilidades de virem a ser inseridos permanentemente em um núcleo familiar. Com a promulgação de alterações legislativas, inevitavelmente surge a necessidade de estudar os dispositivos e a sua repercussão no ordenamento jurídico.

Essa discussão não seria selecionada para este trabalho ao acaso. Esse dispositivo em específico foi vetado pelo Presidente da República no Projeto de Lei n. 5.850 de 2016, de

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autoria do deputado federal Augusto Coutinho (SD/PE), que culminou na Lei atual. Posteriormente, essa oposição foi derrubada por unanimidade do Congresso Nacional, mantendo-se na legislação. Logo em seguida à promulgação da Lei 13.509 de 2017, o senador Garibaldi Alves Filho (MDB/RN) apresentou nova proposta de alteração (Projeto de Lei do Senado n. 221 de 2018), justamente para que fosse rediscutida essa questão.

O fato é que a relevância desse disposto tem movimentado a ordem legislativa e os atuantes da área, de modo que se torna evidente a necessidade de aprimoramento de estudos a esse respeito, aspecto que merece a devida atenção. Não se pode ignorar a manifestação de influentes operadores e envolvidos nas causas infanto-juvenis, uma vez que estes são as melhores formas de contato e comunicação entre poder legislativo à realidade vivenciada na prática por crianças e adolescentes.

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1 A EVOLUÇÃO PRINCIPIOLÓGICA E JURÍDICA DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1.1 BREVE RELATO HISTÓRICO E DOUTRINÁRIO A RESPEITO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estado Democrático de Direito brasileiro tem, na construção de sua história, alguns estigmas quando se trata da abordagem dada a crianças e adolescentes. Nos períodos do Brasil Colônia (1500-1821) e Império (1822-1889), foram desenvolvidas organizações denominadas Santa Casa de Misericórdia, com objetivo de angariar recursos para prestar assistência a crianças desamparadas. Tais instituições faziam uso da chamada “Roda dos Expostos”, utilizada originariamente na Europa, mecanismo que, pelo seu formato, era capaz de preservar o anonimato de quem estivesse expondo a criança. Estes eram usufruídos especialmente pelas mães solteiras, que não assumiam publicamente essa condição, coibidas pelos padrões adotados naquela época.

Em momento posterior, o Código Penal do Império em 1830 e o Código Penal Republicano de 1890 se limitaram a tratar a respeito da imputabilidade penal, ambos fundamentados no critério biopsicológico da criança e do adolescente. Nas palavras de Sarlet1, “o que organizava esses Códigos era a teoria da ação com discernimento que imputava responsabilidade penal ao menor em função de uma pesquisa da sua consciência em relação à prática criminosa”.

Estes sistemas foram responsáveis por instituir a Doutrina do Direito Penal do Menor, de caráter nitidamente retribucionista, caracterizando o período reconhecido no Brasil como “etapa do tratamento penal indiferenciado”. Para Sposato2, a distinção feita no tratamento de crianças e adolescentes em relação aos adultos se restringia à redução de penas, desconsiderando a sua condição de pessoa em desenvolvimento. No entanto, os vereditos eram cumpridos em cárceres nos quais se ignorava a faixa etária dos detentos. Nessa lógica, Trindade3 afirma:

1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 88.

2 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 27.

3 TRINDADE, Jorge. Delinquência juvenil: uma abordagem transdisciplinar. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 35.

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Na época em que prevaleceu a doutrina da etapa penal indiferenciada, a criança era compreendida como um adulto em miniatura, como se seus problemas fossem análogos aos dos adultos, vestindo-se e comportando-se como se assim o fossem. Além disso, não possuíam nenhuma “regalia” judicial.

A partir desta breve elucidação, constata-se notadamente que crianças e adolescentes eram vistos como sujeitos ativos tão somente na esfera penal, não usufruindo desta condição quanto às demais garantias, especialmente quanto às ditas fundamentais, prestígio este adquirido vagarosamente ao longo da construção do sistema atual de proteção dos direitos desses indivíduos.

No século XX, foi promulgado o primeiro documento legal destinado exclusivamente a crianças e adolescentes sem, no entanto, incluir este grupo de indivíduos na sua totalidade. O Código de Menores de 1927 inaugura, portanto, a Doutrina da Situação Irregular no Brasil, tendo como cerne do seu propósito estabelecer diretrizes para o trato da infância e da juventude “excluídas”. Segundo Azambuja4, o Código Mello Matos, como era conhecido em homenagem ao primeiro juiz menorista do país, fundava-se na concepção de menor abandonado e menor delinquente, denotando características estigmatizadas, marginais e potencialmente transgressoras. Saraiva5 sintetiza: são destinatários da normativa os menores “quando se encontrarem em estado de patologia social”.

O diploma, portanto, reservava-se tão somente àqueles que se desviavam dos padrões sociais tidos como regulares, ou seja, em condição de carência, abandono ou criminalidade, sem, contudo, importar-se com a verdadeira garantia de seus direitos. Para Cunha6, “os menores considerados em situação irregular passaram a ser identificados por um rosto muito concreto: são os filhos das famílias empobrecidas, geralmente negros ou pardos, vindos do interior e das periferias”.

Em 1941, a política retribucionista da época foi institucionalizada pela fundação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), o qual, na prática, correspondia ao sistema penitenciário para a população jovem, uma vez que aplicava verdadeiras “penas de prisão” sob a nomenclatura das chamadas “internações”. O instituto fundava-se na “proteção da

4 AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. O adolescente autor de ato infracional: aspectos jurídicos. 2010. Disponível em: http://rbp.celg.org.br/detalhe_artigo.asp?id=38. Acesso em: 03 set. 2018.

5 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 44.

6 CUNHA, José Ricardo. O Estatuto da Criança e do Adolescente no Marco da Doutrina Jurídica da Proteção Integral. In: Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes. Rio de Janeiro, vol. 1, 1996, p. 98.

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criança e do adolescente” a fim de justificar a “privação total de liberdade” e dessa forma, realinhar a personalidade do indivíduo, conforme explica Liberati7.

No entanto, o insucesso dos internatos possibilitou a criação, em 1964, da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), a qual herdou a estrutura organizacional do instituto precursor e um desafio: romper os graves vícios conceituais e metodológicos de caráter desumano do antigo SAM. Liberati8 revela que “essa entidade tinha autonomia para formular e implantar uma Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM)”. Ocorre que, naquele momento, as entidades governamentais já haviam se desviado dos objetivos essenciais na sua origem, de modo que essencialmente não eram capazes de sanar as adversidades encontradas na prática.

Neste cenário, crianças e adolescentes ainda vestiam a limitada concepção de objeto de intervenção do Estado, estritamente determinado a atuar em casos específicos de “patologia social”, como descreve Saraiva9, em atenção aos padrões familiares aceitáveis à época, não lhes conferindo qualquer garantia fundamental.

Posteriormente, corroborando com a base doutrinária vigente na época, o Código de Menores de 1979 manteve substancialmente o seu predecessor, reproduzindo a abordagem assistencialista, correcional e repressiva. O novo diploma legal representou, portanto, a perpetuação da ideologia da “situação irregular”, na qual se inseriam indistintamente situações decorrentes da conduta do próprio jovem ou de terceiros que o cercam, rotulagem trajada por “infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus-tratos com autores de conduta infracional”, uma vez que esta era a interpretação legal, conforme explica Saraiva10. Leite11 acrescenta:

A partir de uma análise sistemática do Código de Menores de 1979 e das circunstâncias expostas, podem-se extrair as seguintes conclusões quanto à atuação do Poder Estatal sobre a infância e a juventude sob a incidência da Doutrina da Situação Irregular: (I) uma vez constatada a situação irregular, o menor passava a ser objeto de tutela do Estado; e (II) basicamente, toda e qualquer criança ou adolescente pobre era considerado menor em situação irregular, legitimando-se a intervenção do Estado, através da ação direta do Juiz de Menores e da inclusão do

menor no sistema de assistência adotado pela Política Nacional do Bem-estar do Menor. (grifou-se)

7 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: medida sócio-educativa é pena? São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 62.

8 Ibid., p. 68.

9 SARAIVA. João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 44.

10 Ibid., p. 39.

11 LEITE, Carla Carvalho. Da doutrina da situação irregular à doutrina da proteção integral: aspectos históricos e mudanças paradigmáticas. Juizado da Infância e da Juventude, Porto Alegre, n. 5, mar. 2005, p. 14.

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Portanto, o Código de 79 acentuou a abordagem extremamente discriminatória da época, agravando o sistema de estigmatização, exclusão e marginalização dos ditos “em situação irregular”. Ademais, a Doutrina da Situação Irregular se revelou assombrosamente inepta tanto como medida preventiva quanto repressiva, situação insustentável que, somada à conjuntura no cenário internacional, ensejou o fortalecimento da Doutrina da Proteção Integral no Brasil.

Inaugurada pela Constituição Federal de 1988, a nova base teórica foi responsável por estabelecer o período garantista do direito infanto-juvenil no país, caracterizado “pela introdução do princípio da proteção integral em substituição à situação irregular, e pelo reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, titulares de garantias positivas”, conforme descreve Sposato12. Pioneiramente inscrita no texto constitucional, a doutrina foi estabelecida no artigo 227 da Carta Magna13:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão14.

Destaca-se, neste momento, a importância no que se refere à nomenclatura dada a estes indivíduos. Com o advento da Carta Magna, rompe-se a dicotomia entre as expressões menor e criança. Sposato15 ressalta que “o processo de constitucionalização da normativa da criança e do adolescente operou substantivas transformações, a começar pela superação da categoria de menoridade, como desqualificação e inferiorização de crianças e jovens, agora em condições de igualdade perante a lei, e a incorporação do devido processo legal e dos princípios constitucionais como norteadores das ações dirigidas à infância e, ao mesmo tempo, limites objetivos ao poder punitivo sobre adolescentes autores de infração penal”.

Vale salientar, nesse contexto, que a Constituição de 1988 diferiu-se essencialmente de suas precursoras, posto que adotou o constitucionalismo dirigista, também denominado “de caráter social”, propósito perfeitamente compreensível para um país que se reestruturava após

12 SPOSATO, Karyna Batista. O Direito Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 49. 13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 04 set. 2018.

14 A Emenda Constitucional n. 65 de 2010 alterou este artigo, acrescentando a expressão “ao jovem”, incluindo-o como destinatário da norma e tutelando o seu direito descrito ao longo do dispositivo.

15 SPOSATO, Karyna Batista. Direito Penal de Adolescentes: elementos para uma teoria garantista. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 52.

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o longo regime ditatorial. Barroso16 assevera, nesse sentido, que no Brasil vinha se consolidando verdadeiro sentimento constitucional, envolvido por graves crises políticas, especialmente no que tocante ao princípio da legalidade. Assim sendo, diversas obrigações positivas passam a ser estabelecidas ao Estado especialmente na área social.

A Lei Maior traz no seu escopo, portanto, o ideal de comprometimento com a efetividade de suas normas e de desenvolvimento de dogmática da interpretação da Constituição, momento em que se valoriza a força constitucional dos seus preceitos. Destaca-se, ainda, o caráter vinculativo e obrigatório dos seus dispositivos, conferindo-lhe prestígio jurídico sem precedentes até então.

Somando-se a isso, no plano internacional, o assunto conquistava expressivamente a visibilidade de que precisava. A Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução n. 1.386 de 1989), bem como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa Rica), elevaram a nível global a concepção sobre o desenvolvimento integral da criança, exigindo proteção e absoluta prioridade, pautadas na Doutrina da Proteção Integral. Ambas ratificadas pelo Brasil, as convenções representaram o comprometimento do país a zelar pelos direitos e garantias desses indivíduos.

Em meio a este processo de redemocratização, a fim de auxiliar e instrumentalizar o seu desenvolvimento, no Brasil de 1990, entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente que, para Veronese17, “tem a relevante função ao regulamentar o texto constitucional, e fazer com que este último não se constitua em letra morta”. A Lei n. 8.069 de 1990 foi construída, segunda Saraiva18, com base em sistemas de prevenção compatíveis entre si:

Quando a criança ou o adolescente escapar ao sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema da Justiça.

Observa-se, de plano, a forte presença de obrigações positivas ao Estado, especialmente na inclusão de medidas preventivas direcionadas à criança e ao adolescente.

16 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. 2002. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/3208. Acesso em: 04 set. 2018.

17 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo. LTr., 1999, p. 101. 18 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 77.

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Isto é, assim como a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente encontra-se intimamente marcado pelo teor programático de encontra-seus dispositivos.

Assim sendo, é incontestável a contribuição da Constituição de 1988, das convenções internacionais mencionadas e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se de uma nova perspectiva a respeito desses indivíduos, causa na qual estão estreitamente ligados como responsáveis os referidos diplomas, fruto do processo de redemocratização no Brasil e no mundo.

Delineada a retrospectiva histórica a respeito do Direito da Criança e do Adolescente, reflexão esta de extrema importância para compreensão da magnitude do assunto, verifica-se de imediato a discrepância quando comparadas as bases doutrinárias de cada época. Dessa forma, dotado desses conhecimentos, é possível depreender a delicadeza e a responsabilidade que se encontram envolvidas na abordagem do tema.

1.2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E SUAS DIRETRIZES

Inicialmente, é fundamental vislumbrar a Doutrina da Proteção Integral como o marco teórico de maior relevância a respeito do Direito da Criança e do Adolescente, sendo responsável pela transformação e reestruturação do olhar dado a estes indivíduos. Esta transição exprimiu a verdadeira ruptura do paradigma da situação irregular, que até então ditava a atuação nesta seara. Por estas razões, verifica-se a grandeza e significância desta corrente doutrinária, de modo que se torna indispensável reservar parte deste trabalho ao seu estudo. De acordo com Guará19, trata-se de rompimento ideológico e cultural:

Com a falência dos modelos de atendimento, surge então, na década de oitenta, uma nova consciência sobre a necessidade de uma política social para a infância e juventude. O termo menor foi enfaticamente substituído por criança e adolescente, com o forte argumento de que era preciso superar o estigma associado ao termo que já se instalara no imaginário social como sinônimo de pobre. (grifou-se)

Portanto, sob o prisma contemporâneo a respeito da criança e do adolescente, surge a necessidade de reapreciar os direitos fundamentais sob a ótica infanto-juvenil, seguindo as orientações trazidas pela Doutrina da Proteção Integral. Inevitavelmente, qualquer renovação

19 GUARÁ, Isa Maria Ferreira da Rosa. O crime não compensa mas não admite falhas: padrões morais de jovens autores de infração. 2000. 280 f. Tese (Doutorado) – Curso de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000, p. 84.

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teórica demanda preparação e composição de um novo sistema, atento à sua ideologia e aos seus objetivos essenciais e, para melhor envolvimento, é necessário adentrar-se na construção da origem dessa corrente.

A princípio, cumpre salientar a importância da Convenção sobre os Direitos da Criança (Resolução 1.386, de 20 de novembro de 1989), posteriormente ratificada pelo Brasil com a publicação do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Segundo o diploma, em consonância com a Constituição Federal de 1988, crianças e adolescentes são sujeitos ativos de direitos, aos quais é devida prioridade absoluta em razão da sua condição de pessoa em desenvolvimento. Estes são os princípios norteadores basilares para plena compreensão e aplicação da nova base doutrinária, a partir dos quais decorrem os demais.

Portanto, para introdução do tema, deve-se adentrar na estruturação teórica em torno dos entendimentos, das concepções, da prática e do cumprimento do direito infanto-juvenil de acordo com os novos preceitos vigentes.

De início, a ruptura da ideia de que crianças e adolescentes sejam tão somente objetos de intervenção do mundo adulto foi crucial para que essa guinada fosse satisfatória no tocante ao tratamento desses indivíduos. No plano internacional, a Organização das Nações Unidas se posicionou expressivamente em defesa da sua atribuição como sujeitos ativos de direito, conforme explanado brevemente por Roberto Barbosa Alves20:

A doutrina da ONU reconheceu a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não apenas como objeto de proteção, e a partir daí recomendou aos países-membros que estabelecessem uma justiça especializada e que construíssem um modelo processual caracterizado pelo processo devido, pela presunção de inocência e pelos critérios de proporcionalidade e igualdade. (grifou-se)

Ainda que não pairem dúvidas no texto constitucional e nos demais normativos, o Estatuto da Criança e do Adolescente21 robustece estes princípios, a fim de ampliar o fundamento legal sobre o tema. É o que se extrai da sua redação:

Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (grifou-se)

20 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 7.

21 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 17 set. 2018.

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A esse respeito, destacam-se as considerações de Veronese e Silveira22 no que se refere às atribuições do Estatuto da Criança e do Adolescente como agente transformador da dogmática aplicada pelo âmbito jurídico – e, conjuntamente, pelos demais atores sociais – dirigido à população infanto-juvenil, respeitadas suas particularidades:

Nesse sentido, a Lei n. 8.069/90 se situa como a edificação de um novo paradigma jurídico, ao adotar a Doutrina da Proteção Integral, o que importa afirmar que as crianças e adolescentes, em face da sua condição de pessoas em processo de desenvolvimento, são merecedores de direitos próprios e especiais, além dos direitos fundamentais inerentes a todo ser humano. (grifou-se)

Neste sentido, Paulo Afonso Garrido de Paula23 ressalta a importância de acautelar e resgatar crianças e adolescentes especialmente em razão do seu desenvolvimento ainda incompleto e, portanto, mais expostos a vulnerabilidades. Suscintamente, o autor afirma:

A infância e adolescência atravessam a vida com rapidez da luz, iluminando os caminhos que conduzem à consolidação de uma existência madura e saudável. Aquisições e perdas, privações e satisfações, alegrias e tristezas, prazeres e desagrados, êxitos e fracassos e tantos outros experimentos materiais e emocionais sucedem-se em intensidade e velocidade estonteante. Não raras vezes não podem ser repetidos, constituindo-se em experiências únicas e ingentes.

Em decorrência desta condição, estes indivíduos assumem a posição de prioridade absoluta especialmente na área administrativa. Para Liberati24, aos olhos da absoluta prioridade, significa dizer que os governantes deverão atuar preferivelmente em prol das necessidades infanto-juvenis. Reproduzindo expressamente esse princípio, Estatuto da Criança e do Adolescente25 orienta a sua aplicação:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

22 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 26.

23 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 39.

24 LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários. Brasília: Instituto Brasileiro Pedagogia Social. 1991, p. 21.

25 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 17 set. 2018.

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d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (grifou-se)

Importante destacar que, segundo Liberati26, o tratamento jurídico privilegiado dado a crianças e adolescentes em nada viola os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, uma vez que se justifica pela peculiar condição de pessoas em desenvolvimento, respeitando a diferença entre os sujeitos de direito. A esse respeito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho27 destaca que, na verdade, a própria concepção de igualdade autoriza a distinção no tratamento quando este for o recurso para que se atinjam os critérios de equidade.

Ainda, cumpre salientar no excerto supracitado que, neste compromisso de garantir o desenvolvimento integral e especial da criança e do adolescente, estão expressamente incumbidos a família, a comunidade, a sociedade e o poder público, sendo o Estado responsável pela criação e execução de políticas públicas para garantia dos direitos fundamentais infanto-juvenis.

Baseado no exposto, não restam dúvidas a respeito da tutela legal e jurídica que se confere ao Direito da Criança e do Adolescente. Isto é, a estes indivíduos são dados, além daqueles devidos a todas as pessoas, direitos chamados especiais, os quais se justificam, conforme anteriormente explanado, pela sua condição de pessoa em desenvolvimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente28 orienta nesse sentido:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (grifou-se)

Ainda a esse respeito, de certo modo, a proteção do Direito da Criança e do Adolescente transcende o plano teórico e eleva suas propostas à verdadeira efetivação das garantias a esses indivíduos. Nas palavras de Roberto Barbosa Alves29, o autor reconhece o intenso caráter programático dos diplomas legais, fundado e orientado pela principiologia trazida pela base doutrinária em vigor:

26 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: medida sócio-educativa é pena? São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 60.

27 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 111.

28 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 18 set. 2018.

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A CF inaugurou um verdadeiro sistema de proteção de direitos fundamentais que é próprio de crianças e de adolescentes. Assim, estabeleceu princípios que viriam a se converter em diretrizes do ECA: o reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e a garantia de prioridade absoluta no atendimento de seus direitos. (grifou-se)

Assim sendo, a fim de conferir o grau máximo de efetividade de suas políticas, a Doutrina da Proteção Integral utiliza-se do que se intitulou Sistema de Garantias de Direitos, revelando a prudência e o envolvimento no tocante à efetivação de direitos das crianças e adolescentes. Pautado nas áreas de promoção e defesa dos direitos e de controle social, esse sistema exige o engajamento dos mais diversos órgãos, entidades, programas, serviços, os quais devem convergir para um objetivo maior: a proteção integral desses indivíduos. A esse respeito, Josiane Rose Petry Veronese30 elucida:

Quando a legislação pátria recepcionou a Doutrina de Proteção Integral fez uma opção que implicaria num projeto político-social para o país, pois ao contemplar a criança e o adolescente como sujeitos que possuem características próprias ante o processo de desenvolvimento em que se encontram, obrigou as políticas públicas voltadas para esta área a uma ação conjunta com a família, a sociedade e o Estado. (grifou-se)

Nesse sentido, Liberati31 esclarece que “a garantia de direitos é linha da Política de Atendimento, prevista para implementar a doutrina da proteção integral”, na forma preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de promover as políticas sociais básicas e de proteção especial, assistindo crianças e adolescentes em situação de violação ou ameaça de seus direitos. Ainda, para abordar esse tema, o autor recorre ao conceito de política da criança e do adolescente apresentado por Wanderlino Nogueira Neto:

A política da criança e do adolescente é, na verdade, uma estratégia, ou, melhor, um conjunto de ações. Ela é a articulação e integração de políticas em favor da criança e do adolescente. A chamada Política de Atendimento atravessa todas as políticas tradicionais, advogando os interesses deles, em todas as áreas.

O Sistema de Garantias compreende, portanto, na interligação de ideias, estratégias de intervenção de diversos órgãos e instituições responsáveis pela promoção e defesa de direitos da criança e do adolescente, bem como pelo controle judicial e social. Baptista32 adverte, brevemente:

30 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. 9. 31 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 21.

32 BAPTISTA, Myrian Veras. Algumas reflexões sobre o sistema de garantia de direitos. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n109/a10n109.pdf. Acesso em: 18 set. 2018.

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A articulação dessa rede relacional apoia-se na clareza dos profissionais nela participantes, de que nenhuma de suas instituições pode alcançar seus objetivos sem a contribuição e o alcance de propósitos das outras. Nessa perspectiva, essa rede deve ser tecida na própria dinâmica das relações entre as organizações cujos atos, face à garantia dos direitos, passam a ser interdependentes, tendo em vista a potencialização dos recursos para alcance desse objetivo. (grifou-se)

Deste modo, infere-se do exposto que a Doutrina da Proteção Integral sistematicamente orienta e estabelece um sistema com enfoque na defesa e promoção absoluta e prioritária dos direitos da criança e do adolescente, tanto em caráter preventivo quanto na posição de saneador das situações que os exponham a ameaça ou violação de suas garantias. Ademais, em que pese aparente figurar tão somente na esfera teórica, é justamente no campo da ação que a doutrina generosamente engrandece seus propósitos e objetivos, em razão das políticas que na prática é capaz de suscitar.

Portanto, o cenário infanto-juvenil encontra-se estabelecido sob o regimento das diretrizes da proteção integral, não se limitando ao arcabouço jurídico-legal. Esta representa, de fato, a pujança crucial para que crianças e adolescentes alcancem a devida atenção das famílias, das comunidades, do Estado e dos demais atores sociais. Se o Direito opera como regulador da sociedade, a Doutrina da Proteção Integral consiste na verdadeira transformação cultural na perspectiva e na conduta de seus componentes.

1.3 O DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Inicialmente, é preciso estar ciente sobre a relevância no que diz respeito à função da família no desenvolvimento de crianças e adolescentes. De acordo com o exposto anteriormente, estes ditos em “condição de pessoa em desenvolvimento” devem, na concepção ideal de estrutura familiar, encontrar a oportunidade de descobrir valores de afeto, de zelo, de responsabilidade, pelas suas ações e pelos seus sentimentos. Para Winnicott33, “tais necessidades incluem tanto a dependência como o caminhar do indivíduo em direção à independência”. Muitos reflexos dessas experiências poderão ser identificados no resultado da formação de cada um destes quando adultos, influenciando direta e inevitavelmente em

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aspectos comportamentais quando à socialização e à autonomia de cada indivíduo em comunidade.

Aliado a isso, em que pese já tenha sido delineada anteriormente, a evolução histórica do Direito da Criança e do Adolescente, cumpre introduzir neste tema a força normativa existente em torno da elaboração do direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Em 1959, adotada pela Assembleia das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a qual manifesta, a nível internacional, a atenção e a valorização do desenvolvimento infanto-juvenil inserido no seio familiar, especialmente no que se refere à genitora, salvas as exceções. É nesse sentido que se dá a redação do seu Princípio 6º:

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas. (grifou-se)

Nota-se, já àquela época, a responsabilização expressamente concedida à sociedade e às autoridades públicas, perspectiva esta que demandou a estruturação de normativas com caráter social e programático, com a missão de implantar políticas sociais verdadeiramente eficientes.

Nesse sentido, também incorporada pelo ordenamento brasileiro, a Convenção sobre os Direitos da Criança34 (Resolução n. 1.386 de 1989) expõe, logo no seu preâmbulo, bem como na redação de seus dispositivos, a preocupação acerca do tema e em especial a crianças e adolescentes, conforme se extrai da seguinte passagem:

Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade;

Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão; (grifou-se)

34 BRASIL, Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em: 18 set. 2018.

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Em consonância com os referidos diplomas, bem como com a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 227, o Estatuto da Criança e do Adolescente35 reserva, no seu Título II, que trata “Dos Direitos Fundamentais”, o Capítulo III, intitulado “Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária”, iniciado pelo seguinte disposto:

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (grifou-se)

Entende-se inicialmente, portanto, a partir da legislação brasileira vigente, que a família está situada como instância básica na qual é possível desenvolver o sentimento de pertencimento, construindo seus valores e condutas pessoais. Ainda, a proposta legalmente prevista consiste, conjuntamente, na extensão da responsabilidade e do comprometimento aos mais diversos atores sociais do Sistema de Garantia de Direitos, importando na capacidade de enxergar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos inseridos obrigatoriamente no âmbito social, familiar e comunitário. Rizzini36 sintetiza o exposto da seguinte maneira:

Por convivência familiar e comunitária, entende-se a possibilidade da criança permanecer no meio a que pertence. De preferência junto à sua família, ou seja, seus pais e/ou outros familiares. Ou, caso isso não seja possível, em outra família que a possa acolher. Assim, para os casos em que há necessidade das crianças serem afastadas provisoriamente de seu meio, qualquer que seja a forma de acolhimento possível, deve ser priorizada a reintegração ou reinserção familiar – mesmo que este acolhimento tenha que ser institucional. (grifou-se)

Cumpre atentar-se, conforme grifado nos excertos, para a excepcionalidade em relação à inserção da criança e do adolescente em família substituta. Trata-se de alternativa prevista para os casos em que se verifique a impossibilidade do seio familiar natural cumprir sua função no desenvolvimento do indivíduo, podendo ser aplicada na forma de guarda, tutela ou adoção, de acordo com o artigo 28 do Estatuto (Lei n. 8.069/1990). A preferência pela família natural traduz a responsabilidade envolvida na delicada decisão de romper definitivamente o vínculo afetivo, o que pode provocar sofrimento e prejuízos à criança.

Portanto, é fundamental compreender que o Estado, a ordem jurídica e a sociedade, no que couber a cada qual, elaboram suas ações primando pelo investimento no fortalecimento e 35 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 18 set. 2018.

36 RIZZINI, Irene. Reflexões sobre o Direito à Convivência Familiar e Comunitária de Crianças e Adolescentes no Brasil. 2006. Disponível em: http://www.sbp.com.br/show_item.cfm? id_categoria=74&id_detalhe=1354&tipo=D. Acesso em: 19 set. 2018.

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resgate de vínculos familiares naturais. Estes se encontram no exímio encargo de apoiar e maximizar as possibilidades de reorganização de cada estrutura familiar, respeitadas as suas particularidades. Com essa finalidade, como dispõe o texto constitucional, todos estes sujeitos atuam e compartilham da responsabilidade de concretização dos direitos da criança e do adolescente, especialmente no seio natural.

Nessa seara, não se pode dispensar o reconhecimento ao Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (CONANDA) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgãos competentes para a definição de políticas públicas em matéria infanto-juvenil. O referido documento, lançado em 2006, decorre da concepção de vitalidade da família na função de estrutura essencial à humanização e ao desenvolvimento integral da criança e do adolescente, contribuindo decisivamente para a efetivação dos novos paradigmas teóricos.

Isso ocorre porque o Plano Nacional traça sua proposta baseando-se em eixos principais de atuação: primeiramente, a permanência da criança e do adolescente na família e na comunidade de origem; em segunda necessidade, a intervenção institucional caso verificada ameaça ou violação de direitos infanto-juvenis, momento em que se passa a considerar a possibilidade de aplicação de Programa de Acolhimento Institucional; e, em último caso, estuda-se a viabilidade de promover a criação de novos vínculos sociofamiliares em meio à família adotiva. Para tal, o Plano37 apresenta a seguinte condição:

A defesa deste direito dependerá do desenvolvimento de ações intersetoriais, amplas e coordenadas que envolvam todos os níveis de proteção social e busquem promover uma mudança não apenas nas condições de vida, mas também nas relações familiares e na cultura brasileira para o reconhecimento das crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos. (grifou-se)

Isto posto, trata-se de proposta de reorganização das instituições envolvidas na promoção do desenvolvimento da criança e do adolescente no convívio familiar e comunitário, a fim de vincular diretamente os atores sociais e proporcionar operações conjuntas. Assim sendo, entende-se que o tratamento conferido à população infanto-juvenil

37 BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Criança e Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária. 2006. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Plano_Defesa_CriancasAdolescen tes%20.pdf. Acesso em: 27 set. 2018, p. 68.

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será preferencialmente multifatorial, envolvendo diversas áreas de execução compostas pelos agentes respectivos.

Cabe destacar, ainda, em consonância com esta sistemática, a Lei n. 12.01038, promulgada em 3 de agosto de 2009, trouxe na sua redação uma série de disposições alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente em prol do direito da criança e do adolescente no que se refere à convivência familiar e comunitária. Logo no seu artigo primeiro e parágrafos, ensina a finalidade de sua existência:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.

§ 1º A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.

§ 2º Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal.

Primeiramente, verifica-se que o artigo inaugural e parágrafos desta Lei reúnem alguns elementos essenciais abordados até o momento. O caráter programático pode ser identificado por “aperfeiçoamento da sistemática”, com a finalidade de efetivar um direito fundamental infanto-juvenil. Por ser “prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural” pode ser extraído o princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente, bem como pela primazia da família natural e excepcionalidade da família extensa.

Ainda sobre a referida Lei n. 12.010/200939, importa destacar, dentre suas modificações, em especial o parágrafo único do seu artigo 25, inserido a fim de conceituar o que se denomina por “família extensa”, a qual foi definida da seguinte forma:

Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (grifou-se)

38 BRASIL. Lei n. 12.010 de 3 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12010.htm. Acesso em: 27 set. 2018.

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Para melhor compreensão, Carvalho40 elucida brevemente:

A Lei n. 12.010/2009 acrescentou o parágrafo único ao art. 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando a família de origem além da restrita entre pais e filhos, conceituando a família extensa ou ampliada como aquela que se estende para além da família nuclear, formada pelos parentes próximos, como os avós e tios, com os quais o menor mantém convivência e possui afetividade e afinidade. A família extensa possui prioridade para acolher o parente na impossibilidade de ser mantido ou reintegrado na família natural ou nuclear.

Sobre o tema, Rolf Madaleno41 afirma:

Afeto e afinidade são os pilares da verdadeira relação de filiação, porque, entre manter a criança ou adolescente em uma família substituta ou adotiva, no luar de uma extensa, formada por parentes próximos que integram o conceito de grande

família ou família estendida, sempre será atitude indicada para preservar os naturais vínculos parentais que interagem com reais sentimentos de amor e dedicação. (grifou-se)

Desta forma, evidencia-se a preferência pelos vínculos afetivos naturais da criança e do adolescente que, segundo os excertos, justifica-se pela verdadeira fonte na qual se pode encontrar o espaço ideal para descobrir e desenvolver noções de afeição, de envolvimento e pertencimento.

Portanto, enquanto a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as convenções internacionais representaram marcos e foram responsáveis pela ruptura da doutrina anterior e pela inserção da Doutrina da Proteção Integral, o lançamento do Plano Nacional e a promulgação da Lei n. 12.010/09 representaram, especialmente relativo à convivência familiar e comunitária, o fomento da efetivação dos direitos da criança e do adolescente no cenário nacional.

Salienta-se, novamente, que a existência de vasta previsão legal no ordenamento, em que pese de fundamental importância para o assunto, não seria capaz de afastar a necessidade de conceber as mais diversas distinções entre vínculos familiares e comunitários. O embasamento jurídico, ainda que apropriado, não é capaz de atender às complexidades de realidades tão destoantes que compõem a sociedade.

Assim sendo, é imprescindível a adoção de sensibilidade e empatia para tratar deste assunto. É preciso considerar, sob a ótica da solidariedade, a existência de famílias em

40 CARVALHO, Dimas Messias de. Adoção, guarda e convivência familiar. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 13.

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situação de vulnerabilidade social, situação na qual crianças e adolescentes se encontram frequentemente em condições prejudiciais ao seu desenvolvimento.

2 A LEI N. 13.509 DE 2017 E O ESTUDO DO INSTITUTO DO APADRINHAMENTO AFETIVO

2.1 AS PRINCIPAIS PROPOSTAS DA NOVA LEI AO TRATAMENTO CONFERIDO A CRIANÇAS E ADOLESCENTE

O Projeto de Lei n. 5.850 de 2016, de autoria do deputado federal Augusto Coutinho (Partido Solidariedade - SD/PE), surge com o escopo principal de aperfeiçoar a sistemática do processo de adoção e minimizar as burocracias a ele impostas, as quais infelizmente continuam distanciando o direito de quem mais precisa: crianças e adolescentes. Nas palavras do autor, a justificação do referido PL42:

O presente projeto de lei cuida de alterar a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), com vistas a tornar mais céleres os procedimentos relacionados à destituição de poder familiar e à adoção de crianças e adolescentes, tendo em vista os efeitos especialmente nocivos que a morosidade pode acarretar aos menores de dezoito anos neste campo de atuação do Poder Judiciário.

Nesse sentido, busca-se reforçar a supremacia dos direitos e interesses da criança e do adolescente, enunciando-se esta expressamente entre as normas concernentes à adoção do aludido Estatuto, a fim de que isto possa facilitar a solução rápida de conflitos e questões variadas que surjam no curso de procedimentos de destituição de poder familiar e de adoção. (grifou-se)

Assim, fardada de responsabilidade no que se refere à população infanto-juvenil, a Lei n. 13.509 de 22 de novembro de 2017 nasce trazendo na sua redação alterações de extrema relevância no tocante à efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, as quais merecem total atenção.

Destacam-se, predominantemente, as modificações a respeito dos prazos nos procedimentos, especialmente no que tange aos processos de adoção. Conforme se extrai do exposto, a palavra de ordem pela nova legislação é “celeridade”, com intuito de reduzir os

42 Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 5.850/2016. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C97C8A844CFF632FF16E03EE96 EB2A0D.proposicoesWebExterno1?codteor=1515981&filename=Avulso+-PL+5850/2016. 2016. Acesso em: 10 out. 2018.

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prejuízos sofridos pelos maiores interessados em razão da lentidão processual. Segundo Veronese, Silveira e Cury43:

A adoção de crianças e adolescentes, com a Lei 13.509, de 22.11.2017, ganhou novas regras, as quais pretendem tornar ainda mais célere o processo, privilegiando interessados em adotar grupo de irmãos, crianças e adolescente com deficiência, doença crônica ou necessidades específicas de saúde.

A proposta adotada encontra respaldo no princípio da prevalência dos interesses do adotando, decorrente do princípio da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, previamente abordado, e expresso no parágrafo terceiro do artigo 39 da nova Lei44:

Art. 39 [...]

§ 3º Em caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras pessoas, inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e os interesses do adotando. (grifou-se)

O dispositivo mencionado reforça o que já se encontrava preconizado pela Lei n. 8.069 de 1990. Para que não restassem dúvidas interpretativas a respeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente45 vinculou expressamente no seu artigo 6º, conforme exposto em momento anterior, a apreciação da Lei, devendo-se considerar “os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Seguindo este raciocínio, esses preceitos encontram respaldo também no artigo 3º, no seu item 1º, da Convenção sobre os Direitos da Criança46 (Resolução n. 1.386 de 1989), ratificada pelo Brasil, o qual prevê:

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. (grifou-se)

43 VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVEIRA, Mayra; CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 238.

44 BRASIL. Lei n. 13.509 de 22 de novembro de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm. Acesso em: 08 out. 2018.

45 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 08 out. 2018

46 BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em: 08 out. 2018.

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Dessa forma, a Lei pretende transcender a esfera de abstração teórica desses princípios norteadores que costumam fundamentar decisões jurisdicionais. O legislador coloca a norma à disposição da sociedade, regulamentando e reavaliando o ordenamento a fim de aperfeiçoar sua aplicação e torná-lo ainda mais satisfatório na prática. Dessa forma, expõe-se o entendimento de Flávio Guimarães Lauria47, a respeito desse ponto em questão:

O princípio do melhor interesse não tem apenas a função de estabelecer uma diretriz vinculativa para se encontrar as soluções dos conflitos, mas, também, implica a busca de mecanismos eficazes para fazer valer, na prática, essas mesmas soluções. Trata-se do aspecto “adjetivo” do princípio do melhor interesse. (grifou-se)

Assim sendo, aplicando-se concretamente estes princípios a situações vivenciadas por crianças e adolescentes, a aprimoração do ordenamento estampa a responsabilidade e a reflexão a respeito dos efeitos e desgastes decorrentes de demandas judiciais arrastadas. A Lei manifesta-se no sentido de regulamentar e se comprometer com a realidade desses indivíduos, sobretudo, quando infelizmente necessitam suportar o transcurso desgastante de um litígio, na esperança do exercício de seus direitos.

Portanto, as consequências da morosidade nesses processos, tão recorrente no Poder Judiciário, tomam proporções assombrosas na vida de crianças e adolescentes, especialmente em razão das circunstâncias em que precisaram dessa intervenção judicial, as quais já não lhe eram favoráveis. É o que explica a autora Gina Khafif Levinzon48:

[...] a demora pode ser séria e destruir um bom trabalho, de modo que, quando os pais recebem a criança, muita coisa já aconteceu na vida dela. É comum os pais receberem um bebê que teve cuidados inadequados antes de ser adotado, e como resultado pode-se dizer que eles não apenas receberam um bebê, mas também um “problema psicologicamente complexo”. (grifou-se)

Logo, a duração de uma demanda judicial, quando se trata de realidades infanto-juvenis, representa um dos fatores decisivos para a satisfação do resultado. Esta é uma análise decorrente do princípio fundamental da duração razoável do processo, o qual toma maiores dimensões no caso de crianças e adolescentes, em virtude da vulnerabilidade de sua condição

47 LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 37.

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de pessoa em desenvolvimento. Nessa linha, este raciocínio, dentre outros, foi adotado pela Lei n. 13.509 de 2017 em diversos aspectos, conforme será brevemente exposto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente já previa a crianças e adolescentes em situação de risco ou ameaça de seus direitos, a possibilidade de serem encaminhados ao que se denomina atualmente “acolhimento institucional”, previsto pelo artigo 101, inciso VII. Trata-se de espécie de medida protetiva de caráter provisório e excepcional, ou seja, em último caso, esta seria utilizada com o intuito de posterior reinserção na sua família natural, extensa ou em uma possível família substituta. Ressalta-se que, por medidas protetivas, segundo Rossato, Lépore e Cunha49, “entendem-se as ações ou programas de caráter assistencial, aplicadas isolada ou cumulativamente, quando a criança ou o adolescente estiver em situação de risco, ou quando da prática de ato infracional”.

Com o advento da Lei, o prazo máximo de permanência de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento passou de dois anos para dezoito meses, sendo reduzidos, ainda, os prazos para reavaliação da situação nesses locais a ser feita por equipe multidisciplinar. O Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente e da Educação (CAOPCAE)50, do Ministério Público do Estado do Paraná, explica:

Esta alteração, bem como outras tantas definidas pela Lei nº 13.509/2017, tem por finalidade não apenas a redução do tempo de acolhimento como também acelerar o processo de colocação em família substituta - preferencialmente através da adoção. (grifou-se)

Outra forma de acelerar a inserção da criança ou do adolescente em família substituta consiste no procedimento por jurisdição voluntária, ou seja, sem contraditório, nas hipóteses de falecimento dos pais, destituição ou suspensão do poder familiar ou concordância expressa dos genitores. Em que pese já houvesse previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente anteriormente, trata-se mais um exemplo de mecanismo ao qual foi conferido prazo, ou seja, sofreu alterações no sentido de trazer para a letra da Lei a obrigação de tornar mais célere a sua conclusão.

Nesse mesmo sentido, ao estágio de convivência também foi estipulado limite máximo de noventa dias para sua duração, período este que se tratava de ato de discricionariedade do 49 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069/90: comentado artigo por artigo. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 320.

50 Evento da CAOPCAE/MPPR em comemoração aos 27 Anos do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Disponível em:

http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/legis/eca/comparativo_eca_x_lei_13509_2017_caopcae.pdf. Acesso em: 08 out. 2018.

Referências

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