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Imprevisibilidade do fato superveniente

CAPÍTULO V – A revisão dos contratos no Código do Consumidor

3. Situações que podem autorizar a revisão contratual

3.5 Teoria da imprevisão

3.5.2 Fundamentos para aplicação da teoria da imprevisão

3.5.3.1 Imprevisibilidade do fato superveniente

Antes da abordagem do tema, cumpre ponderar acerca de pontos relevantes, que dizem respeito à aplicação ou não da teoria nos contratos de execução momentânea, sucessiva ou diferida.

Normalmente, não é de se cogitar da teoria da imprevisão nos contratos de aplicação imediata, isso porque, para verificar-se o fenômeno da imprevisão, “necessário é haver um espaço de tempo entre o acordo e o seu cumprimento, o que não ocorre neste tipo de contrato, pois ambas as partes cumprem ao mesmo tempo o que foi avençado”.113

No entanto, o universo dos negócios oferece situações múltiplas, muitas vezes cercadas de peculiaridades específicas, portanto obrigando a uma aferição particularizada, caso por caso, sobre a aplicação ou não da teoria em questão.

Assim, destaca Othon Sidou:

Há contratos de execução continuada que são de prestação imediata; exemplo: as obrigações de não fazer. Há contratos de execução momentânea que são de prestação sucessiva; exemplo: todo aquele que importe começo de execução no ato de conclusão do ajuste, como usualmente a compra e venda a prazo. Há contratos de execução diferida e que são também de prestação futura; exemplo: ainda na compra e venda, o objetivo do slogan publicitário ‘compre hoje e só comece a pagar em janeiro’. E há os contratos que são de execução momentânea e de prestação imediata: exemplo: a compra e venda à vista.114

112

BITTAR, Carlos Alberto. A Intervenção Estatal na Economia Contratual e a Teoria da Imprevisão. In _____. Contornos Atuais da Teoria dos Contratos, p. 42.

113

SILVA FILHO, Artur Marques da. Revisão Judicial dos Contratos. In: Carlos Alberto Bittar (Coord.). Contornos Atuais da Teoria dos Contratos, p. 149.

114

169 Enfim, o que de fato importa neste campo, não é propriamente a natureza do contrato, mas a existência de um lapso de tempo entre a vinculação e a execução contratual e que neste lapso ocorram fatos que possam alterar as condições iniciais, justificando ou não a aplicação da teoria da imprevisão, conforme for o caso.

Já, no que tange propriamente à imprevisibilidade, como adverte Carvalho Fernandes, esta não pode ser entendida apenas como impossibilidade de prever a verificação de certos fatos.

Com efeito, é sempre possível prever, em certo sentido, que se verifique uma guerra, ou um cataclismo, ou que um mau ano agrícola provoque alteração nos preços dos produtos alimentares. Se neste sentido se entendesse a imprevisibilidade esta nunca tinha lugar. Por isso, a generalidade dos autores entende que o fato é previsível apenas quando o for como certo ou provável; caso contrário, considera-se imprevisível.115

Assim, imprevisível é o que está além dos limites das previsões normais; ou como diz José Alberto dos Reis é “tudo aquilo com que não pode razoavelmente contar-se”.116

E mais, “para conceituar a imprevisão no âmbito jurídico, há a necessidade de fundamentação técnica, ou seja, um princípio que só atua no espaço aberto pela excepcionalidade. É mister que seja analisado não apenas o contexto em que ocorreu o evento anormal, mas também as partes envolvidas e o conhecimento dessas partes sobre o acontecimento ocorrido, para que se faça a classificação exata do previsível e do imprevisível”.117

É de capital importância lembrar aqui que, em se tratando de relação de consumo, a revisão do contrato não depende da existência de fato superveniente imprevisível, mas tão-só de fato superveniente que tornem as prestações desproporcionais ou excessivamente onerosas (art. 6º, V, CDC). Por tal razão, vê-se desde logo que a revisão adotada pelo Código de Defesa do Consumidor funda-se muito mais na teoria da base do negócio.

115

FERNANDES, Luís A. Carvalho. A Teoria da Imprevisão..., p. 107.

116

Apud SILVA FILHO, Artur Marques da. Revisão Judicial dos Contratos. In: Carlos Alberto Bittar (Coord. Contornos Atuais da Teoria dos Contratos, p.150.

117

Na hipótese, como leciona Cláudia Lima Marques:

A norma do art. 6º do CDC avança ao não exigir que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, apenas exige a quebra da base objetiva do negócio, a quebra de seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações, ao desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta a mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível, fato que podia ser previsto e não foi.118

Ou como diz Rogério Ferraz Donnini, “pode-se asseverar que a teoria da imprevisão foi acolhida pelo CDC, mas com algumas modificações, que dispensam o requisito da incidência de fato extraordinário e imprevisível e objetivam a conservação do contrato de consumo, e não mais apenas sua resolução”.119

Humberto Theodoro Júnior entende que a teoria da imprevisão, mesmo após a edição do Código de Defesa do Consumidor, continua condicionada aos “requisitos indispensáveis”, entre estes a existência de evento extraordinário e imprevisível, posto que sem fato extraordinário a prejudicar o devedor, e sem locupletamento por parte do credor, “não há que se cogitar de revisão contratual por onerosidade excessiva, e muito menos em resolução do contrato”.120

No entanto, com a devida vênia, tal posicionamento não pode prevalecer, pois não é possível condicionar o direito à revisão a elemento que a lei não exige. Na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, portanto, para que se faça a revisão do contrato, basta que após ter ele sido firmado surjam fatos que o tornem excessivamente oneroso. “Não se pergunta, nem interessa saber, se, na data de seu fechamento, as partes podiam ou não prever os acontecimentos futuros. Basta ter havido alteração substancial capaz de tornar o contrato excessivo para o consumidor”.121

118

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor..., p. 783.

119

DONNINI, Rogério Ferraz. A Revisão dos Contratos..., p. 195.

120

THEODORO JR., Humberto. Direitos do Consumidor, p. 33-34.

121

171 A jurisprudência tem prevalecido neste sentido, existindo vários julgados do Egrégio Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo122 e também do Egrégio Superior

Tribunal de Justiça, que a respeito fixou claramente: “O preceito insculpido no inciso V do art. 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor”.123