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CAPÍTULO V – A revisão dos contratos no Código do Consumidor

3. Situações que podem autorizar a revisão contratual

3.5 Teoria da imprevisão

3.5.2 Fundamentos para aplicação da teoria da imprevisão

3.5.3.4 Onerosidade excessiva

Como ressalta Juan Carlos Rezzónico, o justo equilíbrio constitui elemento imanente ao contrato, porque “ cada parte deseja receber da outra uma prestação que, pelo menos, seja de igual valor à sua”.128 Há, assim, em todo contrato, “ a idéia de justiça

igualadora, isto é, uma nivelação dos interesses contrapostos no sentido de um justo equilíbrio”.129

Mas é de ser visto que a relação de equivalência entre a prestação e a contraprestação é relação de equivalência aproximada, pois como ensina o mesmo Autor, “essa igualdade entre o que se dá e o que se recebe não pode ser identidade plena (p. ex., dar uma libra de trigo em troca de outra recebida). Isto não teria sentido e por isso não se trata de receber o mesmo, o idêntico, senão algo diferente que, em algum modo, corresponda ao que se entrega, que o compense desde algum ponto de vista”.130

Dentro dessa ordem de coisas, é também normal que no curso dos contratos ocorram certas alterações ou variações mínimas, pois isso se coloca dentro da álea normal dos negócios.

127

FERNANDES, Luís A. Carvalho. A Teoria da Imprevisão..., p. 124.

128

REZZÓNICO, Juan Carlos. Principios Fundamentales de los Contratos, p. 314: “...cada parte desea recibir de la otra una prestación que, por lo menos, sea de igual valor a la suya”.

129

REZZÓNICO, J. C. Obra citada, p. 314: “....la idea de justicia igualadora, es decir, una nivelación de los intereses contrapuestos en sentido de un justo equilibrio”.

130

REZZÓNICO, J. C. Obra citada, p. 297: “...esa igualdad entre lo que se da y lo que se recibe no puede ser identidad plena (p. ej., dar una libra de trigo en cambio de otra recibida). Ello no tendría sentido y por eso no se trata de recibir lo mismo, lo idéntico, sino algo diferente que, en algún modo, corresponda a lo que se entrega, que lo compense desde algún punto de vista”.

Daí, como leciona Pontes de Miranda: “As perturbações mínimas e as perturbações que não importam no enriquecimento demasiado de um dos figurantes não têm conseqüências. Quem contrata negocia em um mundo que não é estável. Há, pois, um limite, e aí é que as teorias têm de obter clareza e precisão, sem as quais o direito se faria elástico e ondulante”.131

A lei brasileira não define qual é esse limite, ficando ele entregue ao prudente arbítrio do julgador, que para tanto sopesará as circunstâncias de cada caso concreto, verificando o conteúdo do negócio jurídico, a natureza do contrato, os interesses que ele visou satisfazer etc.

O arbítrio judicial, como elegantemente destaca Carlos Aurélio Mota de Souza, “é o fio de ouro que conduz à solução equilibrada de todas as questões do processo”; é o “elemento informativo da discricionariedade, a virtude da prudência ou da razoabilidade, que leva ao acerto mais equânime das decisões”; e é também “quando o juiz faz valer as normas do bem comum e do interesse social”.132

Neste campo, aliás, basta um rápido passar de olhos pelos repertórios de jurisprudência para verificar-se que os tribunais não têm admitido a modificação dos termos de um contrato, com base em ligeira variação do equilíbrio contratual, ou em mero retardamento decorrente de dificuldades momentâneas. Ao contrário, exigem-se variações profundas, que destruam a relação de equivalência entre as prestações, gerando o enriquecimento injusto de uma das partes em detrimento da outra.

131

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado, tomo XXV, p. 236.

132

SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Poderes Éticos do Juiz. A Igualdade das Partes e a Repressão ao Abuso no Processo. Porto Alegre: Fabris Ed., 1987, p. 92.

175

É verdade, como diz Humberto Theodoro Jr., que não precisa haver um evento catastrófico, uma hecatombe, para que se invoque a teoria da imprevisão nos moldes do CDC. “Mas, também, é óbvio que não se há de permitir a revisão do contrato por qualquer inovação nos dados econômicos que o envolvem, se a inovação for daquelas que fazem parte da álea natural dos negócios patrimoniais. Pensar de modo contrário e aceitar que qualquer alteração da conjuntura negocial possa autorizar a revisão do contrato, eqüivaleria a destituí-lo de sua força e funções naturais no mundo jurídico”.133

De outra parte, é preciso muito cuidado na aferição da dita “onerosidade excessiva”, porque esta não decorre, nem se evidencia, da simples variação de um dado contratual (p. ex.: o aumento no valor da prestação), mas sim da análise do contrato como um todo, principalmente do resultado da sua relação de custo-proveito.

Daí por que Arnoldo Medeiros da Fonseca enfatiza ser necessária “onerosidade excessiva para o devedor e não compensada por outras vantagens auferidas

anteriormente, ou ainda esperáveis, diante dos termos do ajuste” (destaques meus).134

Logo, não se pode aceitar irrestritamente o exemplo de “onerosidade excessiva” que tem sido dado por alguns e se refere ao aumento das prestações em contratos de leasing, com reajustes pela variação cambial, em face da liberação do câmbio ocorrida em janeiro de 1999. De fato, se só se pensar no “pulo” do câmbio e na perda do valor de nossa moeda, aparentemente “os contratos sofreram acréscimos muito acima do que os consumidores podiam suportar”.135

Mas a onerosidade excessiva obviamente não se confunde com o simples aumento da prestação. É preciso, como já dito, analisar o contrato como um todo, principalmente sua relação custo-proveito. Assim, no exemplo acima, em muitos casos, o contrato fora celebrado em 1997 ou 1998, tendo o arrendatário auferido por muito tempo a vantagem da estabilidade artificial do valor do dólar, enquanto outros índices de atualização monetária acompanhavam a inflação. Logo, se o índice de reajuste fosse outro, por certo o valor total

133

THEODORO JR., Humberto. Direitos do Consumidor..., p. 34.

134

do contrato seria até superior. Onde, portanto, estaria a “onerosidade excessiva”, se o negócio em causa apresentou resultado melhor do que outras modalidades de financiamento? Noutros casos, ainda, o contrato envolvia produto importado, cotado em dólares, portanto tendo seu preço automaticamente reajustado com o aumento do valor da moeda estrangeira. Houve, assim, vantagem e desvantagem concomitantes, que precisariam ser medidas e compensadas, posto que, sem isso, inviável afirmar-se sacrifício patrimonial ou onerosidade excessiva.

É como leciona Augusto Pino:

Com efeito, não poderá invocar resolução por excessiva onerosidade o devedor que não haja sofrido nenhum dano e muito menos quem, de um acontecimento, geralmente danoso, pudera tirar proveito, posto que não há para ele nenhuma agravação de sacrifício nem nenhuma perturbação de sua potencialidade econômica; porém, deste modo, se volta aos critérios subjetivos dos quais, pelo contrário, se deve prescindir.136

Nos casos afetos ao Código de Defesa do Consumidor, é de ser lembrado ainda o disposto no art. 51, § 1º, inciso III, que fornece parâmetros para a consideração da prestação excessivamente onerosa para o consumidor: “natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”.

Assim, nas alterações decorrentes da depreciação da moeda, não basta “a adoção de critério numérico, cabe aos tribunais, com prudente arbítrio, decidir, pelo exame de todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto, se há, ou não, flagrante desproporção”.137

E neste exame, vale repetir, não se deve ter em consideração apenas a prestação principal, mas “também se deve considerar todos os momentos acessórios e instrumentais,

135

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao CDC..., p. 118.

136

PINO, Augusto. La Excesiva Onerosidad de la Prestacion, p. 54: “En efecto, no podrá invocar la resolución por excesiva onerosidad el deudor que no haya sufrido ningúm daño y mucho menos quien, de un acontecimiento, generalmente dañoso, pudiera sacar provecho, pusto que no hay para él ninguna agravación del sacrificio ni ninguna perturbación de su potencialidad económica; pero, de este modo, se vuelve a los criterios subjetivos de los que, por el contrario, debe prescindirse”.

137

177 como se constituíssem uma unidade orgânica, e, por outra parte, nenhum de tais momentos pode ser valorado de um modo autônomo, sem considerar o principal”.138