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Requisitos e elementos identificadores da lesão

CAPÍTULO V – A revisão dos contratos no Código do Consumidor

3. Situações que podem autorizar a revisão contratual

3.3 Lesão enorme

3.3.3 Requisitos e elementos identificadores da lesão

A lesão implica desproporção das prestações no momento da celebração do contrato e não posteriormente. Embora tanto num caso como no outro haja falta de equivalência entre as prestações, a desproporção existente ao tempo do contrato pode ensejar a lesão pela exploração de uma parte sobre a outra, enquanto a desproporção surgida depois normalmente é conseqüência de circunstâncias estranhas às partes. Assim, não pode o prejudicado invocar a posterior perda decorrente da inflação, ou eventual alta sensível do preço do bem, pois isso não se enquadra na figura da lesão, porém na teoria da imprevisão ou da excessiva onerosidade superveniente, conforme for o caso.

Portanto, como precisamente leciona Caio Mário da Silva Pereira, para aferir se foi rompido o justo contrapasso das prestações “é então mister retornar ao momento da celebração do contrato, e apurar se o preço pago ou recebido era desproporcional ao valor da coisa no momento do negócio”.58

O Código Civil de 1916 não regulou a lesão. Mas o Código Civil de 2002 dedicou a ela o art. 157, com o teor seguinte:

“Art. 157. Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”

No texto da lei nova podem ser encontrados os requisitos da lesão, quais sejam: o aproveitamento da situação de inferioridade do contratante prejudicado; a desproporção

57

BESSONE, Darcy. Do Contrato..., p. 210-211.

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entre as prestações segundo os valores vigentes ao tempo do contrato; e a falta de equivalência das prestações.

Nestes requisitos, destacam-se o elemento objetivo, que diz respeito à equivalência das prestações, e os elementos subjetivos, ligados ao estado psicológico das partes, estado de necessidade, inexperiência, dolo de aproveitamento etc.

A relação de equivalência das prestações suscita várias questões. Em princípio, essa relação é marcante no contrato bilateral, oneroso e comutativo, tendo em vista o sinalagma que lhe é próprio. Nos contratos aleatórios, porém, está pressuposta uma natural incerteza quanto aos ganhos ou perdas, donde só excepcionalmente haverá oportunidade para reconhecimento da lesão.

Nestes contratos, como salienta Anelise Becker, deve-se admitir a invalidade por lesão “quando a vantagem que obtém uma das partes é excessiva, desproporcional em relação à álea normal do contrato, desde que (...) essa vantagem se produza mediante o aproveitamento da necessidade, leviandade ou inexperiência do co-contratante”.59

Assim, nos exemplos dados pela citada jurista, está o caso de venda de imóvel em que o preço ajustado na forma de uma renda vitalícia cujo valor é inferior ou igual aos rendimentos do imóvel, pois “o comprador quita o preço sem nada desembolsar”; ou nos contratos de seguro, sempre que o prêmio pago for desproporcional à cobertura oferecida.60

Tentando equacionar o problema da lesão, os romanos reputavam bom preço o que não fosse inferior à metade do preço justo, e honesto o negócio onde a desproporção de valor não excedesse da metade. No entanto, a simplicidade dessa regra já não serve para os dias atuais deste mundo globalizado, onde quase tudo tornou-se relativo.

Mas se de um lado a tarifação mostra-se inviável, porque todo e qualquer negócio depende de inúmeros fatores, quer de ordem pessoal, quer de ordem geral, além da própria álea normal, por outro deixar ao arbítrio judicial a verificação do dano e a nulidade do ato

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147 em decorrência da lesão objetiva, sem um fator normativo essencial, é instituir como norma a insegurança das transações. “O mesmo negócio, encarado por um homem que se mostre rigoroso na apreciação dos fatos pode ser reputado ilícito, e visto por um espírito menos rigorista é capaz de ser considerado moral e justo”.61

Por outra parte, a verificação do equilíbrio ou desequilíbrio do contrato exige a análise deste como um todo e não apenas tendo-se em conta a desproporção decorrente de alguma cláusula isolada. O negócio deve ser considerado como um todo unitário e como tal interpretado, pois só assim é que se pode aferir da justiça contratual.

A prova do aproveitamento da situação de inferioridade do contratante prejudicado nem sempre tem sido considerada indispensável à configuração da lesão. Há entendimentos de que a mera desproporção entre as prestações e a situação de inferioridade bastam para configurar a lesão, podendo o aproveitamento ser deduzido das circunstâncias em que celebrado o negócio.62

Ainda, a referida situação de inferioridade pode ser entendida a partir de qualquer situação que reduza consideravelmente a autonomia de vontade do contratante prejudicado. Assim, a necessidade, de que a lei fala, não é a miséria, a insuficiência habitual de meios para prover à subsistência própria ou dos seus.

Não é a alternativa entre a fome e o negócio. Deve ser a necessidade

contratual. Ainda que o lesado disponha de fortuna, a necessidade se

configura na impossibilidade de evitar o contrato. Um indivíduo pode ser milionário. Mas, se num momento dado ele precisa de dinheiro de contado, urgente e insubstituível, e para isto dispõe de um imóvel a baixo preço, a necessidade que o leva a aliená-lo compõe a figura da lesão” (...) A necessidade contratual não decorre da capacidade econômica ou financeira do lesado, mas das circunstâncias de não poder ele deixar de efetuar o negócio.63

De sua vez, inexperiência não significa completa ingenuidade; é suficiente a inexperiência relativa ao tipo particular de transação estabelecido entre as partes, pois há casos em que faltam a um indivíduo de inteligência normal a aptidão, a experiência ou a

60

BECKER, A. Obra citada, p. 97.

61

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos, p. 115.

62

habilidade para fazer um juízo cuidadoso e bem informado, considerando o que se espera de quem entra em uma transação significativamente complexa.

“Com a noção de inexperiência, pretende-se assinalar a situação de desigualdade técnico-científica ou transacional que existe entre as partes e que vai ser aproveitada pela mais forte e mais conhecedora, em detrimento da mais débil, precisamente aquela situação que caracteriza a relação de consumo”64.