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Impulsionadores históricos e sociais do movimento

A Conquista da Visibilidade: A América Negra Acorda para a Luta

3.2. Impulsionadores históricos e sociais do movimento

Durante a II Guerra Mundial, os afro-americanos parecem acordar de novo para a luta dos direitos cívicos. Em 1942, James Farmer e Bayard Rustin fundam em Chicago o CORE, que seria a terceira organização de defesa dos direitos cívicos, revelando-se a mais activa das três.3 O CORE viria a adquirir uma influência determinante

nos primeiros sit-ins, ou seja, numa das formas de manifestação através da resistência não-violenta activa, baseadas na estratégia de protesto de Ghandi, durante a luta da Índia contra o seu colonizador britânico.

Vários factores externos explicam a conjuntura favorável ao desenvolvimento de uma nova fase da luta dos afro-americanos. Um

3 Durante a década de trinta a NAACP foi criticada por jovens intelectuais como o futuro diplomata e prémio Nobel da Paz, Ralph Bunche por não se preocupar com os trabalhadores negros, vindo a reorientar-se para os trabalhadores nos anos quarenta e cinquenta. Nos anos sessenta é vista como a mais burocrática e conservadora de todas as organizações, August Meier, «New Currents in the Civil Rights Movement», New

Politics 4, nº5 (Verão 1963), p.21. A NUL viria a ter um importante papel de apoio a A.

Philip Randolph durante os anos quarenta e durante as décadas de cinquenta e sessenta, mas raramente participou em manifestações de acção directa, vindo, em 1964, a adquirir uma posição privilegiada de acesso directo aos grupos e decisores económicos patrocinadores das organizações de direitos cívicos, precisamente por não ter uma imagem de militância activa.

dos factores que contribuiu para a nova agitação que se sentia a favor da luta pelos direitos cívicos, foi a experiência dos veteranos de guerra (à semelhança dos veteranos afro-americanos da I Guerra Mundial), que sentiam a contradição entre a luta pela democracia e liberdade no palco de guerra e a liberdade que lhes era negada internamente, contradição associada ainda aos ataques físicos e verbais de que eram alvo em casa pelo facto de vestirem o uniforme militar:

The army puts the Negroes in uniform, transports them South and then leaves them to be kicked, cuffed and even murdered with impunity by white civilians. In places, Negro service men do not have as many rights as prisoners of war.4

Outro factor que contribuiu para o movimento dos direitos cívicos foi a segunda fase da grande migração dos afro-americanos do Sul. Cinco milhões e meio de negros deslocaram-se para o Norte, em busca de trabalho nas indústrias de guerra. A pressão urbanística cresce consideravelmente, verificando-se aumentos de população negra nos centros urbanos, concentrados nos guetos ou inner-cities, zonas muito degradadas, que nada tinham para oferecer a esta população migrante, com péssimas condições de habitação e escassez de empregos, donde a maioria branca ia fugindo para os subúrbios.

Entre 1940 e 1970 a percentagem de negros a viver em zonas urbanas aumenta de 49% para 81%, e a percentagem de negros a viver no Sul diminui de 77 para 53%.5 Em 1940, um negro ganhava em

4 Charles Hamilton Houston, «The Negro Soldier», The Nation 159 (Outubro 1944), rpd.

Let Nobody Turn Us Around, pp.339-340.

5 Gerald David Jacques e Robin M. William Jr. eds., A Common Destiny: Blacks and

American Society (Committee on the Status of Black Americans, Commission on

média 48,9% do rendimento médio de um branco, sendo a diferença de rendimentos maior no Sul que no Norte.6 Como consequência da

discriminação na educação e no mercado de trabalho, os negros trabalhavam longas horas em troca de salários muito reduzidos, e embora quatro em cinco famílias negras fossem bi-parentais, 81% destas famílias vivia na pobreza, ao passo que apenas 48% das famílias brancas se encontravam nesta situação.7

Se em termos sociais não se assiste a uma preocupação governamental com os migrantes, em termos políticos o voto dos negros do Norte começa a ser significativo, sendo determinante para o partido democrata, nas eleições presidenciais de 1948, uma vez que ajudou a eleger o Presidente Harry S. Truman, e nas eleições de 1960 na escolha do Presidente John F. Kennedy.8

Se os factores políticos e demográficos apontados explicam, de alguma forma, a conjuntura favorável ao reinício da luta sob novos moldes que se irão discutir ao longo do capítulo, não se pode contudo esquecer a importância crescente do consumidor afro-americano na economia. Em 1960, o consumo deste grupo já ultrapassava anualmente os trinta biliões de dólares. Os grandes grupos económicos americanos com filiais no Sul começam a questionar a funcionalidade da segregação legal, tanto mais que iniciam campanhas de marketing

Washington D.C.: National Academy Press, 1989), p. 279. Para efeitos comparativos chama-se a atenção para os 90% de residentes negros no Sul em 1860.

6 June O’Neill, «The Role of Human Capital in Earning Differences Between Black and White Men», Journal of Economic Perspectives 4, nº4 (Outono 1990), p.29.

7 Gerald D. Jaynes, «The Labor Market Status of Black Americans: 1939-1985»,

Journal of Economic Perspectives 4, nº4 (Outono 1990), pp.11-12.

8 Ver Manning Marable, Race, Reform, and Rebellion: The Second Reconstruction in

Black America, 1945-1990, 2ª ed. (Jackson: University Press of Mississippi, 1991), p.

especificamente direccionadas para o consumidor negro.9 No entanto,

não é só ao nível interno que as preocupações económicas se faziam sentir. As multinacionais de origem americana sentiam que o regime segregacionista não lhes tornava fácil a entrada nos mercados internacionais:

By the 1960s Jim Crow policies and practices placed U.S. corporations at a competitive disadvantage in the pursuit of global markets and the employment of multinational, multiracial workers. Change had to come. It was only a question of how much, and how soon.10

Por fim, como factor relevante na análise das contribuições para a constituição e luta dos movimentos cívicos, é determinante a visibilidade política que os problemas raciais internos começam a ganhar ao nível internacional. Os Estados Unidos, que se apresentavam como uma potência a favor da descolonização no Terceiro Mundo e como o líder do mundo livre, mostravam alguma dificuldade em justificar a contradição existente no tratamento segregacionista e discriminatório dos afro- americanos. Para os interesses geopolíticos do país, numa situação de guerra fria, onde os americanos tinham todo o interesse em manter-se na liderança política internacional do ocidente livre, o sistema de segregação legal do Sul era um grave entrave.

A guerra fria foi assim uma influência decisiva para o avanço da legislação contra a segregação. O governo dos Estados Unidos queria evitar a todo o custo a propaganda soviética sobre a situação racial americana (factor para o qual Gunnar Myrdal alertaria em 1944 como se

9 Manning Marable e Leith Mullings, «We Shall Overcome: The Second Reconstruction, Introduction», in Let Nobody Turn Us Around, p.368.

explica à frente). As Nações Unidas também assumem um papel relevante na divulgação além-fronteiras do problema racial americano. Em 1947 W.E.B. Du Bois, compreendendo perfeitamente a contradição com que os Estados Unidos se debatiam, leva às Nações Unidas uma declaração onde retrata o problema dos afro-americanos, chamando a atenção do mundo para o paradoxo americano:

This question then, which is without doubt primarily an internal and national question, becomes inevitably an international question and will in the future become more and more international, as the nations draw together. In this great attempt to find common ground and to maintain peace, it is therefore fitting and proper that the thirteen million American citizens of Negro descent should appeal to the United Nations and ask the organization in the proper way to take cognizance of a situation which deprives this group of their rights as men and citizens, and by so doing makes the function of the United States more difficult. 11

A NAACP – cujo número de membros aumentara significativamente de 50.000, em 1940, para 350.000 em 1945 - também ganha maior projecção através do seu trabalho persistente de denúncia, nos tribunais, de situações de discriminação racial, na tradição dos objectivos quer da aplicação, quer da alteração da legislação, delineados desde a sua fundação. Em 1947, a NAACP decide atacar com novas armas a regra quinquagenária de «separate but equal» instituída pela decisão Plessy v. Ferguson (1896). A decisão Brown foi o culminar de um processo de sete anos de batalhas legais entre a NAACP e os defensores da segregação racial.

Pode-se assim afirmar que existiram vários factores a influenciar a alteração dos comportamentos e exigências da América negra ao nível político e institucional. Simultaneamente, verificou-se uma gradual

11W.E.B. Du Bois, An Appeal do the World: A Statement on the Denial of Human Rights

to Minorities in the Case of the United States of America (1947), rpd. W.E.B. Du Bois Reader, p.460.

aceitação da ideia de igualdade das raças na comunidade branca, culminando a associação destes factores no Civil Rights Act de 1964 e no ano seguinte no Voting Rights Act.

3.3. A. Philip Randolph: Primeiras reivindicações na luta