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Movimentos anti-segregacionistas: organização e liderança

A Conquista da Visibilidade: A América Negra Acorda para a Luta

3.5. Movimentos anti-segregacionistas: organização e liderança

3.5.1. O nascimento da Southern Christian Leadership Conference (SCLC)

O crescimento do impulso reivindicativo dos afro-americanos e a sua cada vez maior capacidade de mobilização iriam criar alguma instabilidade social durante a década de sessenta nos Estados Unidos da América.

A decisão Brown viria a alterar, gradual mas significativamente, a organização social baseada nas instituições segregacionadas do Sul. Os afro-americanos sulistas desejavam ver implementada a decisão da dessegregação escolar rapida e eficazmente, deparando-se com grande resistência por parte dos governos estaduais: «Much of our oppression, opposition, resistance came from state level, and so we met to strategize that», diria mais tarde Joseph E. Lowery, um dos membros fundadores da SCLC, referindo-se ao seu primeiro encontro em Atlanta, em 10 de Janeiro de 1957.62

62 Entrevista de Joseph E. Lowery in Howell Raines, My Soul is Rested: The Story of the

Civil Rights Movement in the Deep South (Nova Iorque: Penguin Books, 1983), p.67. No

segundo encontro a 14 de Fevereiro do mesmo ano, Martin Luther King é eleito presidente do grupo, devido à sua liderança do movimento de Montgomery.

Como foi referido, há todo um trabalho jurídico e de pressão exercido ao nível dos órgãos legislativos federais e posteriormente estaduais por forma a conseguir a legislação necessária para a dessegregação e, após a aprovação da legislação, pressão para a sua implementação. A oposição firme e convicta à dessegregação das instituições de poder sulistas vai activar a contra-resistência negra. Os líderes sulistas constituem grupos contra a dessegregação, os White Citizens’ Councils (compostos por médios e grandes empresários, profissionais «white-collar» e ministros das igrejas) cujo objectivo é impedir a aplicação da decisão Brown. Em Março de 1956, quase cem congressistas sulistas, apresentando ao Congresso a sua «declaration of Constitutional Principles» que ficou conhecido pelo Southern Manifesto, condenavam a decisão considerando-a uma usurpação dos poderes estaduais. Estes grupos reúnem bastante poder político e social, conseguindo fazer passar, entre 1954 e 1956, quarenta leis Jim Crow. Promovem uma campanha de boicote económico dirigida aos empresários negros e aos brancos que apoiassem a dessegregação nas escolas. Como retaliação, os negros também resolvem boicotar as empresas dos membros dos White Citizens’ Councils. Em 1956, o Sul estava numa situação de «economic warfare», com muitas empresas apanhadas no meio da refrega, encaradas ou como parciais para com a NAACP ou como favorecendo o programa dos White Citizen’s Council.63

A decisão Brown, em 1954, e o boicote dos negros aos autocarros urbanos de Montgomery, despoletado pela detenção de Rosa Parks, «The

63 Franklin e Moss, From Slavery to Freedom, p.467 e Manning Marable, Race, Reform

Mother of the Civil Rights Movement» em 1955, que se prolonga até ao ano seguinte, e ao qual adere 95% da população local negra, demonstram uma maior consciência da comunidade negra do Sul do seu próprio poder e a sua capacidade de abalar a estabilidade económica de alguns sectores no Sul, nomeadamente das empresas de transportes. O Supremo Tribunal acabaria por dessegregar os autocarros de Montgomery a 13 de Novembro de 1956.

Este boicote em Montgomery, que rapidamente alastrou a outras cidades do Sul (Tallahassee, Florida e Birmingham, Alabama), esteve na origem da Montgomery Improvement Association (MIA) liderada pelo jovem ministro da Igreja Baptista Negra, Martin Luther King Jr. Mais tarde, a MIA daria origem à SCLC e à acção concertada por parte dos líderes das igrejas afro-americanas na mobilização da comunidade em acções de protesto directo, com objectivos precisos e delimitados e com uma vertente moral incluída nas reivindicações bem definidas. Constituída por afro-americanos locais, de todas as idades, e embora muitos deles fossem membros da NAACP, como era o caso de Rosa Parks,64 a SCLC tinha inicialmente uma característica que a distinguia

das associações mais antigas: não possuía qualquer ligação com líderes políticos ou partidários, nem mantinha relações privilegiadas com membros do governo. Nascera para resolver um problema concreto local, sendo verdadeiramente um movimento de protesto grassroots, ou seja, de base popular. Com a sua base de apoio no cidadão anónimo disposto a mobilizar-se em conjunto, a SCLC acabou por se alargar às

64 Manning Marable e Leith Mullings, «We Shall Overcome: The Second Reconstruction, Introduction», in Let Nobody Turn Us Around, p.376.

várias comunidades afro-americanas sulistas. A liderança de Martin Luther King, ministro da Igreja Baptista Sulista constitui-se como outra característica fundamental da associação, uma vez que, ao contrário das lideranças tradicionais seculares, nomeadamente as protagonizadas por Booker T. Washington e W.E.B. Du Bois, vai buscar a sua base de apoio aos membros da igreja, nomeadamente às mulheres.65 Aliás,

quando os sulistas supremacistas descobrem o poder de mobilização das igrejas negras, dirigem as suas campanhas intimidatórias contra elas, conseguindo que muitas delas se mantenham à margem do discurso político.66

A plataforma de protesto da SCLC era bem diferente da luta legal prosseguida pela NAACP desde a sua fundação no início do século. No seu programa fundador, apresentavam-se os princípios filosóficos da organização, baseados na tradição judaico-cristã de resistência activa não-violenta, estando esta associada ao conceito ghandiano de «satyagraha» (força verdadeira). O programa referia igualmente os princípios da acção directa de massas:

SCLC believes that the American dilemma in race relations can best and most quickly be resolved through the action of thousands of people, committed to the philosophy of nonviolence, who will physically identify themselves in a just and moral struggle.67

65 David Levering Lewis, «Martin Luther King, Jr., and the Promise of Nonviolent Populism», in Black Leaders of the Twentieth Century, p.277.

66 Obie Clayton, Jr., «The Churches and Social Change : Accommodation, Moderation, or Protest», Daedalus 124, nº1 (1995), p.113. Por outro lado, segundo este autor, a relativa passividade de muitas igrejas negras levaria ao crescimento exponencial da organização semi-religiosa, a Nation of Islam, socialmente mais interventiva, especialmente nos grandes centros urbanos do Norte. Voltar-se-á a esta organização no capítulo IV.

67 Southern Christian Leadership Conference, This is SCLC (1957), rpd. Let Nobody

Neste documento, várias vezes é reiterada a ideia de que as leis imorais e injustas da segregação, definidas como aquelas que não se harmonizam com a lei moral do universo, conduzem a um prejuízo moral não só no segregado, como também no segregador, contrário ao ideal americano de democracia:

The segregated develops a false sense of inferiority and the segregator develops a false sense of superiority, both contrary to the American ideal of democracy.68

Os afro-americanos da SCLC desejavam alcançar o objectivo último da integração total dos afro-americanos na sociedade americana, cujo resultado seria a constituição de uma «beloved community».

A retórica de raiz moral e a base ideológica judaico-cristã utilizadas no programa, reflectem a origem religiosa da maior parte dos seus elementos fundadores, que eram, de facto, homens das igrejas afro- americanas.69 Para além de, em termos práticos, a presença destes

homens no movimento ser uma vantagem para a recolha de financiamentos junto das congregações, tornando-os mais independentes e menos sujeitos a pressões por parte de grupos privados, historicamente os ministros destas igrejas sempre se assumiram como os líderes comunitários, não só por terem tido acesso à educação, como por serem economicamente os elementos mais independentes do grupo:

68 Ibid., p.394.

69 O papel crucial desempenhado pelas igrejas afro-americanas na história e progresso da comunidade encontra-se estudado por C. Eric Lincoln e Lawrence H. Mamiya, The

In the black community, historically, it’s been the preacher who has been the principal community leader. Now, there are several reasons for this. One was, of course, educational.[…] But beneath that was the fact that he was the freest leader in the community. The black congregation supported him […] And they adopted the religion, and Jesus became a symbol of freedom and liberty. And the gospel to them was a liberating gospel.70

Joseph E. Lowery explica claramente até que ponto a relação entre a liderança cristã e os seus fundamentos morais determinaram a capacidade de mobilização contra uma situação social considerada imoral. Pela primeira vez, os afro-americanos, até há bem pouco tempo considerados intelectualmente inferiores pela opinião pública branca, e imbuídos de um sentimento psicopatológico de inferioridade (como Kenneth Clark havia provado em tribunal) sentem-se capazes de determinar o seu próprio destino:

And what was so significant about what the SCLC did, because it had a preacher leadership it emphasized in the social struggle the moral aspects. Whereas they were there before, the political and legal aspects overshadowed them. But with the coming of SCLC, the struggle was put in its proper perspective, in the moral arena, and that’s what got people marching. Prior to the bus boycotts, the determination of our freedom rested with the courts. With the bus boycott, we determined it.71

Existe assim, uma diferença substantiva na forma de protesto entre a NAACP e a SCLC, pois no Sul os afro-americanos pretendiam inicialmente dessegregar os locais ou actividades que interferissem com a sua vida quotidiana, mais do que prosseguir com batalhas legais.

70 Entrevista de Joseph E. Lowery in Howell Raines, My Soul is Rested, p.69. Gunnar Myrdal, An American Dilemma, vol.2, p.858 já demonstrara a importância das igrejas afro-americanas na comunidade como local de expressão. Também Obie Clayton, Jr. «The Churches and Social Change: Accomodation, Moderation, or Protest», Daedalus 124, nº1 (1995) refere as igrejas do Sul como o único forum de discussão aberto aos negros antes de 1964.

A forma de protesto utilizada durante o boicote de Montgomery, e mais tarde aplicada noutro género de manifestações, foi influenciada pelas técnicas da organização CORE, formada em Chicago em 1942.

O CORE foi pioneira na prática e desenvolvimento da acção directa não-violenta de provocação, procurando uma resposta agressiva por parte do opressor.72 A primeira Freedom Ride em 1961, promovida pelo

director nacional do CORE, James Farmer, tinha como objectivo testar a decisão do Supremo Tribunal de Dezembro de 1960 (Boynton v. Virginia) que alargava a proibição de 1946 da segregação em todas as camionetas e comboios interestaduais aos terminais de transportes públicos. A reacção violenta das entidades oficiais levou o CORE para os jornais nacionais, colocando esta organização, que tinha estado semi-inactiva durante os anos cinquenta, a par das restantes organizações nacionais de direitos cívicos.73

Embora o conceito de resistência passiva não-violenta tenha premissas religiosas e filosóficas, quando foi aplicado pela primeira vez em Montgomery, não existia outra alternativa na forma de luta, uma vez que qualquer reacção agressiva por parte dos negros ofereceria o pretexto às autoridades brancas para exercerem violência física e razões

72 Em 1947, dezasseis membros do CORE resolvem testar a aplicação da decisão do Supremo Tribunal de 1946 que bania a segregação nos transportes interestaduais, através da Journey of Reconciliation. Rhoda Lois Blumberg, Civil Rights: The 1960s

Freedom Struggle, p.47.

73 A 4 de Maio de 1961 treze pessoas, brancos e negros, saíram de Washington D.C a caminho do Sul. Na Carolina do Sul são agredidos e no Alabama queimam-lhes uma das camionetas. Em Montgomery, Alabama, os locais puxam os «freedom riders» das camionetas à força e espancam-nos brutalmente. Em Jackson, Mississippi um grupo de vinte e seis manifestantes, incluindo James Farmer, é condenado a sessenta e sete dias de prisão por estar sentado na secção reservada a brancos do terminal de camionetas da cidade. Esta sentença iria mobilizar todas as secções do CORE, levando milhares dos seus membros a viajarem para o Sul ao encontro da Freedom Ride. Manning Marable, Race, Reform and Rebellion, p.64 e Paula F. Pfeffer, A. Philip

legais para a reprimirem: «Montgomery’s Afro-Americans had to be nonviolent and passive in order to resist successfully».74 Por outro lado,

a utilização da técnica não-violenta suscitava o apoio dos liberais brancos do Norte.

3.5.2. O nascimento do Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC) e as primeiras fracturas do movimento integracionista

Se as acções de protesto em Montgomery tiveram alguma projecção a nível nacional, foi no entanto o sit-in de Greensburo, Carolina do Norte, o iniciador de um dos maiores movimentos de protesto afro-americanos e que deu origem a uma outra organização de direitos cívicos criada em 1960, a SNCC.

A 1 de Fevereiro de 1960, quatro estudantes decidem sentar-se ao balcão reservado a brancos do restaurante do armazém Woolsworth e apesar de instados a sair recusaram-se a fazê-lo até o restaurante fechar.75 No segundo dia, em vez de quatro estudantes, entraram trinta.

Ao fim de um mês, estudantes organizavam sit-ins por todo o Sul.

Em Abril desse ano, 50.000 estudantes negros e brancos aderiam a este movimento de protesto. Esta adesão em massa dos estudantes provocou uma nova fase nos protestos contra a segregaçãono Sul,

74 David Levering Lewis, «Martin Luther King, Jr.», in Black Leaders of the Twentieth

Century, p.279.

75 Clayborne Carson, In Struggle: SNCC and the Black Awakening of the 1960s (Cambridge, Massachusetts: Harvard Univ. Press, [1981] 1995), p.9. Os estudantes, membros do North Carolina Agricultural and Technical College, eram Joseph McNeil, David Richmond, Franklin McCain e Izell Blair.

colocando os estudantes numa posição de destaque no movimento de luta. Ainda em Abril de 1960, Ella Baker (directora executiva da SCLC) financiou a reunião fundadora da SNCC em Raleigh, Carolina do Norte e Marion Barry foi eleito presidente do novo grupo.76 Inicialmente, a

organização era constituída por estudantes da classe-média e classe- média baixa. A maioria dos estudantes não questionava o ethos da sociedade americana ou as suas instituições. Protestava contra a morosidade do processo de integração, mas não questionava o conceito.77

A táctica não-violenta também utilizada pela SNCC, acompanhada por uma lógica baseada em princípios cristãos, oferecia aos estudantes uma combinação apelativa: um sentimento de superioridade moral, uma libertação emocional e ainda a esperança de alcançar a dessegregação.78 A declaração de intenções da organização

apontava precisamente para o mesmo tipo de caminho não-violento e de base religiosa judaico-cristã seguido pela SCLC:

We affirm the philosophical or religious ideal of nonviolence as the foundation of our purpose, the pre-supposition of our faith, and the manner of our action. Nonviolence as it grows from Judaic-Christian traditions seeks a social order of justice permeated by love. Integration

76 A SNCC foi fundada por associações de estudantes desejosas de maior protagonismo intervencionista do que a SCLC, de estratégia mais moderada, lhes permitia, embora esta organização lhes tenha dado apoio na sua fundação. Os seus activistas participaram em sit-ins, jail-ins, freedom rides (viagens de transportes públicos a exigir o fim da segregação) e campanhas de recenceamento eleitoral no Sul. Em 1966, as tensões entre os membros brancos e negros, devido à ideologia nacionalista crescente no seio da organização, especialmente defendida por Stokely Carmichael (mais tarde assume o nome africano Kwame Ture), provoca a expulsão e exclusão dos brancos de qualquer participação na organização.

77 Clayborne Carson, In Struggle: SNCC and the Black Awakening of the 1960s, p.14 78 A adesão em massa nunca mais se verificou como no período entre Fevereiro e Junho de 1960. De acordo com testemunhos da época, foi «[...]like a fever. Everyone wanted to go. We were so happy.» citado em Clayborne Carson, In Struggle: SNCC and

of human endeavor represents the crucial first step toward such a society.79

Inicialmente, os objectivos da SCLC e os da SNCC coincidiam ao nível das tácticas de protesto e das exigências de assimilação e integração total na sociedade americana. Ambas recorriam à técnica de tentar provocar indignação moral na opinião pública, por oposição à abordagem jurídica da NAACP, utilizando o ataque directo e multifacetado contra o racismo em todas as suas manifestações e práticas a nível nacional.

As diferenças de posicionamento face à luta de direitos cívicos entre a SNCC e as restantes organizações, nomeadamente a SCLC e o CORE começam a desenhar-se a partir de 1962, avolumando-se em 1963. Pode-se procurar sintetizar onde se encontravam as faltas de consenso. Em primeiro lugar, entre a SNCC e as outras organizações, porque esta, ao contrário das outras, parece ter uma leitura diferente dos objectivos e funções do movimento junto da administração federal e Congresso, pedindo-lhe maior intervenção policial sobre as autoridades locais sulistas, e exigindo acima de tudo legislação de direitos cívicos. Em segundo lugar, o líder histórico, Martin Luther King, começa a ser contestado por outros dirigentes do movimento, nomeadamente da SNCC, por parecer disposto a esperar, mesmo quando afirma expressamente o contrário na famosa «Letter from Birmingham Jail», mais à frente analisada. Por fim, revelam-se diferentes posições durante

79 Student Nonviolent Coordinating Committee, «Statement of Purpose» (14 Maio 1960), rpd. Let Nobody Turn Us Around, p.395.

a organização da Marcha de Washington de 1963 (embora esta possa ser considerada o último grande momento do consenso) chegando-se mesmo a recorrer à censura do discurso de John Lewis, líder da SNCC, considerado desajustado temporalmente, uma vez que o prometido projecto-lei de direitos cívicos já entrara em Congresso em Junho desse ano.

Torna-se necessário recuar um pouco e verificar a cronologia dos acontecimentos que levaram o Presidente Kennedy à introdução deste

projecto-lei. Iniciado no Mississippi, o trabalho de recenseamento dos negros

no Sul rural, desenvolvido em regime de voluntariado pelos militantes da SNCC e do CORE a partir de Agosto de 1961, tornara-se muito complexo e difícil, devido à enorme resistência por parte dos segregacionistas. A partir de 1962, de uma forma ou de outra, todas as organizações principais estariam envolvidas no trabalho de recenceamento, com Bob Moses, da SNCC a liderar a campanha. No Mississippi, 50% dos adultos brancos estavam recenceados contra apenas 5% dos adultos negros, que no entanto constituíam 40% da população do estado. A SNCC viria a pedir protecção federal para os militantes dos direitos cívicos no Sul, pedido ao qual o governo não responde de imediato:

[The SNCC workers] were dismayed that federal officials appeared willing to attenuate their civil rights efforts in order to preserve southern political support and states’ rights.80

Contudo, quando James Meredith, em Setembro de 1962, é proibido de entrar na Universidade do Mississippi pelo governador Ross Barnett, Kennedy é forçado, tal como Eisenhower em 1957 (na cidade de Little Rock, Arkansas) a federalizar a guarda nacional do Mississippi para esta não cumprir com a ordem do seu governador. Seguiram-se dois dias de violência provocada por multidões de brancos e pela guarda, que agrediram os manifestantes afro-americanos. Meredith acabaria por ser admitido na universidade.

Os apelos da SNCC à intervenção federal tiveram pouco impacte nas políticas de direitos cívicos da administração Kennedy, a qual procurava fugir às pressões dos militantes desta organização, de forma a alcançar os objectivos de direitos cívicos no tempo e da maneira que lhe era mais favorável.81 Por outro lado, Kennedy tinha que fazer face à

oposição marcada quer da coligação dos democratas sulistas, quer ainda dos republicanos conservadores que se opunham à legislação de direitos cívicos. A administração encontrava-se deste modo, entre as exigências dos negros para uma maior celeridade no processo e as contra-pressões dos grupos hostis aos direitos cívicos. Durante o ano de 1963 surge também o início do descontentamento de algumas associações negras em relação aos liberais brancos (que atingiriam o seu ponto máximo em 1966) pois encaravam as muitas conquistas alcançadas nos dois ou três anos precedentes como fruto de um

81 «In the early days of the Kennedy administration, we often criticized what we regarded as the president’s excessive caution on civil rights. […] He had made clear his judgement that neither Congress nor the public would move faster or more decisively, that a futile crusade “might look good in the papers”, but would result only in defeat and probably jeopardize the rest of his program.», Richard N. Goodwin, Remembering