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Com a crise de 1929, houve um colapso do mercado internacional de café, acompanhado pela queda dos preços dos demais produtos de exportação, da desvalorização cambial e da interrupção dos investimentos britânicos e norte-americanos no Brasil. A crise mundial atingiu em cheio a balança de pagamentos, pois, mesmo com as tentativas do governo de regular o mercado de café, o produto não conseguiu reconquistar os níveis de preços internacionais anteriores a 1929. Outro problema foi que o índice de exportações permaneceu baixo durante toda a década de 1930. Sem os lucros do café, tornava-se difícil pagar a dívida externa e o custo da importação de produtos vitais – combustíveis, trigo, matérias-primas industriais, trilhos e equipamentos.

Com a Revolução de 1930, que levou ao poder Getúlio Vargas, procurou-se resolver a crise econômica com medidas que pretendiam, além de estabilizar os preços do café no mercado externo, estimular o aumento das exportações e reduzir as despesas para equilibrar o orçamento. Objetivava-se a obtenção de crédito e a recuperação da capacidade de efetuar pagamentos. O então ministro da fazenda, Oswaldo Aranha, teve relativo sucesso em sua política de equilíbrio fiscal. Além disso, a garantia de preços pelo governo e a diversificação das exportações conseguiram impedir a queda dos preços do café e estimular as exportações de cacau e algodão.

Mesmo com a diminuição dos problemas internos em 1933, as perspectivas de recuperação financeira a longo prazo não eram boas, uma vez que a crise persistia no âmbito internacional. As nações européias tentavam estabilizar suas economias mediante a adoção de

políticas de auto-suficiência. Assim, priorizavam a importação de produtos agrícolas de suas colônias, o que aumentava a concorrência com os nossos produtos, principalmente café, cacau e algodão.

A crise nos mercados tradicionais para os produtos brasileiros contrastava com o aumento, embora modesto, da produção industrial. Esse crescimento foi estimulado por condições favoráveis, como câmbio em declínio e redução da capacidade de importar. Um exemplo desse fenômeno foi a pequena indústria nacional de ferro e aço que, com garantia de preços e outros tipos de proteção governamental, conseguiu se estabilizar em 1933 e, até o final da década, aumentou de forma significativa a produção de ferro gusa e lingotes de aço. Mas tal indústria ainda não estava preparada para oferecer produtos pesados, como trilhos e chapas de aço, necessários para as estradas de ferro, estaleiros e indústria de construção. Nesse contexto de crise econômica mundial e de crescimento da produção industrial, surgiu a necessidade de construir no país uma indústria de base capaz de suprir a demanda interna. A idéia de que a industrialização deveria ser estimulada como uma alternativa ao modelo econômico agroexportador consolidou-se a partir da década de 1930 e iria se tornar hegemônica na de 1950. Com isso, a implantação de uma indústria petrolífera nacional tornou-se importante, apesar do consumo ainda ser reduzido e o primeiro poço só ter sido descoberto em 1939, na Bahia.

O Estado Maior do Exército acreditava que o Brasil deveria contar pelo menos com uma indústria de refinação, por motivos de ordem militar, econômica e estratégica. Com base nessas considerações, ligadas à defesa nacional, desejavam impedir que companhias estrangeiras participassem de qualquer fase da indústria, com exceção da distribuição, já

controlada por elas. Assim, os debates do pós-guerra em torno da política do petróleo tiveram origem na década de 19301.

No campo político, entre outras rupturas, a Revolução de 1930 tentou restringir o poder das oligarquias regionais por meio de um impulso centralizador que marcou toda a atividade política e administrativa do período. A centralização obviamente fez crescer a atuação do Governo Federal no setor petrolífero, que atingiu o auge com a criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP). Assim, os assuntos referentes à mineração e à exploração de jazidas de petróleo tornaram-se responsabilidade da União e não mais dos Estados e, conseqüentemente, as discussões sobre a política do petróleo assumiram dimensão nacional.

As empresas privadas nacionais também se interessaram pela exploração e as companhias internacionais tentavam influir nos rumos da política do setor. A disputa de interesses entre esses três elementos definiu as bases do debate que, anos mais tarde, resultou na criação da Petrobras. Nos anos de 1930, questões relativas ao grau de intervenção do Estado na indústria do petróleo e ao papel da iniciativa privada nacional e estrangeira já eram candentes, havendo os que defendiam posturas nacionalistas e pregavam a defesa dos nossos recursos naturais contra os interesses estrangeiros. Porém, o que marcou as discussões na época foi a polêmica em torno da existência ou não de petróleo no território brasileiro.

As mudanças que ocorreram na política do petróleo, na década em questão, foram bastante significativas: a primeira delas, tomada pelo governo provisório, decretou o fim de qualquer atividade dos governos estaduais no setor de mineração e cancelou todas as concessões até em tão autorizadas. Assim, coube à União o direito de autorizar a pesquisa e a lavra das jazidas minerais, sendo o Ministério da Agricultura o responsável por assuntos

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As considerações sobre a conjuntura econômica da década de 1930 e suas relações com o comércio exterior, indústria siderúrgica e petrolífera basearam-se na seguinte obra: WIRTH, John D. A política de desenvolvimento na era de Vargas. Trad. Jefferson Barata. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1973.

relacionados à mineração. Na época, o Ministro da Agricultura, Juarez Távora, empreendeu uma reestruturação no órgão a fim de torná-lo mais eficiente. Um dos resultados foi a extinção do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB) e a criação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), medida que pretendia desburocratizar o SGMB e fortalecer a atuação dos técnicos no ministério. Prova disso, foi a contratação de importantes geólogos como Domingos Fleury da Rocha, Glycon de Paiva, Irnack Carvalho do Amaral e dois estrangeiros, Mark Malamphy e Victor Oppenheim.

Outra medida importante foi à promulgação do Código de Minas, em 1934, extremamente restritivo e nacionalista, pois distinguia a propriedade do solo e do subsolo. Com isso, as riquezas minerais contidas em determida porção de terra não eram mais propriedade do seu dono. A nova lei considerava as riquezas do subsolo patrimônio da União, que poderia explorá-las diretamente ou emitir concessões para a pesquisa, lavra e exploração. De acordo com os legisladores, a medida defendia os recursos naturais de interesses locais, representados pelas oligarquias regionais e estrangeiros, capitaneados por grandes companhias internacionais e a tônica estava na defesa dos interesses nacionais contra os localistas e estrangeiros e não na discussão sobre propriedade privada.2

Apesar das mudanças, os avanços na pesquisa governamental foram diminutos devido à falta de recurso orçamentário e de pessoal treinado. No entanto, na tentativa de encontrar petróleo no Brasil, empresas privadas nacionais, evidenciando suas divergências com o Ministério da Agricultura, provocaram um intenso debate público, no qual as questões mais polêmicas giraram em torno do papel do Estado no setor e na dúvida sobre a existência de petróleo em nosso território. Cabe ressaltar que tal dúvida existia devido à falta de informações mais sistemáticas sobre o subsolo brasileiro.

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A campanha que colocou a geologia do petróleo nas manchetes dos jornais originou- se da tentativa privada de explorá-lo nos Estados de Alagoas e Bahia. No final de 1932, um jovem engenheiro, chamado Manuel Inácio Bastos, com base em antigos relatórios de pesquisa, perfurou um poço de pouca profundidade na região de Lobato, periferia de Salvador, e constatou uma infiltração de óleo no local. Comunicou a descoberta ao Ministério da Agricultura, mas os técnicos do governo se recusaram a acreditar na possibilidade de existir petróleo na região. Quando percebeu que o governo não lhe daria apoio, Bastos recorreu a Oscar Cordeiro, presidente da Bolsa de Mercadorias da Bahia, e novamente pediram auxílio ao Governo Federal. Os técnicos negaram mais uma vez o pedido de ajuda, com a alegação de que a geologia do local era imprópria à ocorrência de petróleo. Por isso, Oscar Cordeiro iniciou uma campanha na imprensa reiterando suas afirmações acerca da existência de petróleo em Lobato e criticando os técnicos do Ministério.

Em 1931, o engenheiro Edson de Carvalho iniciou trabalho de perfuração em Riacho Doce, Alagoas, e, no ano seguinte, anunciou à imprensa a descoberta de imensas reservas, associando-se ao escritor Monteiro Lobato para fundar a Companhia Petróleo Nacional. O capital da empresa foi formado por ações vendidas ao público e, para entrar em operação, tomaram emprestado uma sonda do SGMB, cedida ao governo do Estado de Alagoas. As pesquisas preliminares foram feitas por F. B. Romero, um mexicano que possuía um misterioso aparelho que localizava petróleo sem fazer sondagem. Segundo esse aparelho, a região possuía grandes lençóis petrolíferos. Em janeiro de 1933, a companhia contratou o geólogo estrangeiro Victor Oppenheim que, depois de alguns meses de trabalho, concluiu o oposto. Oppenheim deixou a companhia e foi trabalhar no Ministério da Agricultura e Monteiro Lobato e Edson de Carvalho produziram um relatório de pesquisa extremamente otimista, tomando como referência as análises de F. B. Romero, e o enviaram ao presidente

Getúlio Vargas, pedindo auxílio para seu trabalho. Paralelamente, colocaram as ações da companhia à venda para o público.3

Euzébio de Oliveira, diretor do SGMB, manifestou à imprensa dúvidas quanto à existência de petróleo na região, pondo em xeque a eficiência do aparelho de Romero e a integridade dos diretores da Companhia Petróleo Nacional. Essas declarações tiveram efeito devastador sobre a companhia, que não conseguiu vender as ações. Edson de Carvalho continuou o trabalho em Alagoas, com equipamentos emprestados e recursos financeiros próprios; Monteiro Lobato iniciou uma campanha na imprensa para provar que existia petróleo no Brasil e denunciar suposta sabotagem feita pelo Ministério da Agricultura e companhias internacionais contra as companhias privadas nacionais.

Na época, Monteiro Lobato, já um importante intelectual, autor de livros como Urupês e o maior escritor da nossa literatura infantil, acreditava que, por meio da industrialização, o Brasil iria se desenvolver economicamente, garantindo, assim, uma melhor condição de vida à população. No início dos anos de 1930, tentou implantar um novo processo siderúrgico para beneficiar o ferro, mas não deu certo. Então, passou a se dedicar apenas ao problema do petróleo, fundando companhias nacionais e promovendo uma campanha que visava provar a existência de petróleo no Brasil e conseguir sócios para os seus empreendimentos. A estratégia de Lobato era a publicação de artigos na imprensa e a realização de conferências, sempre com o argumento que se existia petróleo nos países vizinhos, teria que existir também no Brasil. Em junho de 1935, foi lançado, pela Companhia Editora Nacional, o livro de Essad Bey, A luta pelo petróleo, com prefácio de Monteiro Lobato, denunciando a ineficiência do governo e sua conivência com os trustes internacionais, ou seja, não tirar petróleo e não deixar que ninguém tire.

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SMITH, Peter Searborn. Política e Petróleo no Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Artenova/ Ed. da Unb,1978, pp. 39-42.

Livros que Monteiro Lobato utilizou para divulgar suas idéias sobre o petróleo, com O Poço do Visconde, lançado em outubro de 1937, sua campanha atingiu até o público infantil.

Em agosto de 1936, Lobato lançou O Escândalo do Petróleo, cujas duas primeiras edições foram esgotas no primeiro mês, e, até o final do ano, mais de vinte mil exemplares haviam sido vendidos. O autor denunciava supostas manobras do DNPM, cujo diretor era Fleury da Rocha, para boicotar a exploração de petróleo em Alagoas e defender os interesses da Standard Oil no Brasil. Além disso, ele pediu apoio aos militares para resolver o problema, com o argumento de que o assunto dizia respeito à defesa nacional. A resposta às criticas de Lobato foi dada pelo Ministro da Agricultura, Odilon Braga, no documento As bases para o inquérito sobre o petróleo.4

Ainda no ano de 1936, outro livro importante, Contribuições para a geologia do petróleo no Recôncavo, foi publicado por Glycon de Paiva, Irnack Carvalho do Amaral e Silvio Fróes Abreu, geólogos do DNPM, como resultado da campanha de Oscar Cordeiro para provar a existência de petróleo na Bahia. Oscar Cordeiro conseguiu convencê-los de que era grande a possibilidade de existir petróleo na região e, apesar das declarações do Ministro da

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AZEVEDO, Carmen Lucia et. al. Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia. São Paulo: Ed. Senac-São Paulo, 1997, pp. 269- 291.

Agricultura em contrário, os geólogos, financiados pelo banqueiro carioca Guilherme Guinle, fizeram um levantamento, em 1936, e concluíram que havia infiltração de óleo no poço cavado por Manoel Ignácio Bastos e que a sondagem ali encontraria petróleo em quantidade comercial. Os resultados foram publicados em livro e contribuíram para reacender as discussões. Em 1938, o Governo Federal enviou uma equipe de prospecção até o local e um poço foi aberto ao lado da cisterna de Bastos e, em janeiro de 1939, a perfuração deu resultado, com o petróleo jorrando do poço.5

No que respeita a Monteiro Lobato, ele fundou nova empresa, a Companhia Petróleos do Brasil, a fim de realizar sondagens em Araquá, município de São Pedro (SP). Enquanto realizava subscrição pública das ações, o DNPM declarou que naquela região também não havia petróleo. Os resultados de Edson de Carvalho e Monteiro Lobato não foram considerados satisfatórios e as pesquisas que empreenderam não propiciaram a descoberta de petróleo em quantidade comercial. As campanhas de Lobato, juntamente com as atividades das demais empresas privadas de petróleo, foram interrompidas em 1937, com o golpe que implantou o Estado Novo e com a criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), em 1938.