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2 ESTUDOS FEMINISTAS E PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO:

5.2 O RETORNO À ESCOLA E A TRANSIÇÃO PARA O PROEJA

5.2.2 Incentivo das/dos docentes

Nessa fase dos GDs se torna de muita relevância, nas narrativas discentes, o papel das/dos educadoras/es nas experiências educativas no PMMil e no Proejano Ifes. Em consonância com outros trabalhos que destacam questões tais como: o pertencimento ao IFs, o acolhimento feito pela equipe multidisciplinar, a assistência estudantil, entre outras para avaliar positivamente essa oferta em âmbito nacional, a importância das/os docentes mostrou ser positivo e relevante:

Martinha relata que a atuação dos professores no Mulheres Mil foi fundamental para despertar seu interesse pelos estudos e superar o receio de ter muitas dificuldades nas aulas. Sandra [...], também menciona a importância dos professores que atuaram no programa e que despertaram a autoestima e se mostraram acessíveis e dispostos (GD1, interpretação formulada, linhas 79 - 123).

A Suely conta como ficou sabendo do Mulheres Mil e que, a princípio, só uma oportunidade de sair de casa para aprender um pouco já era suficiente para ela. No entanto, a dedicação dos professores foi um grande incentivo para continuar e para, posteriormente, ingressar no Proeja (GD2, interpretação formulada, linhas 1 – 53).

Foi [ falando que pode viajar ] um incentivo para curso Guia de Turismo), e outra foi que os professores, tem o Hudson e tinha um outro lá que a gente já conheceu no Mulheres Mil, que continuaram com a gente e tipo assim, eles tem uma fala muito boa também e um incentivo ótimo na maioria dos professores que eu tive contato, né? (ADILZE, 54 ANOS).

Ao organizar a oferta do PMMil, optamos em trazer para compor a equipe as/os docentes que também atuavam no Proeja. Destas/es, muitos já traziam suas experiências de trabalho com o público da EJA desde as turmas iniciais quando da implementação da modalidade na Instituição. Posteriormente, outras/os profissionais foram compondo o grupo no momento de reorganização da proposta pedagógica para implementação do Proeja, à medida que a Instituição se adequava à nova legislação e ao arcabouço legal e teórico do Programa.

Apresentado já por Scopel et al. (2015), essa experiência prévia do grupo de docentes e da equipe multidisciplinar, composta por funcionárias/os técnicas/os- administrativas/os, assistente social, psicóloga e pedagogas envolvidas com os sujeitos da EJA, revelou-se acertada quando detectamos as especificidades e as singularidades desse público no que diz respeito às questões étnico-raciais e geracionais, de escolarização e de experiências de vida e de trabalho e até mesmo à

formatação específica desse curso de qualificação notadamente dedicado às mulheres.

Nos posicionamentos a respeito das fragilidades e ambiguidades do PMMil, dentre muitas, trazemos um fato que aconteceu durante a implementação do Programas no

Campus. A perspectiva binária de gênero, que persiste ainda hoje nos documentos

oficiais, exclui outras identidades. A exemplo do caso de Cacá, que, por ser travesti, não teve sua matrícula aceita em um curso do PMMil, pelo sistema operacional da Setec.

O ocorrido mostrou a contradição de um Programa que visa a inclusão e serviu como ferramenta de exclusão. É preciso destacar o esforço da gestão local, junto à Direção do Campus e aos representantes dos direitos humanos no Estado para que a estudante tivesse o direito de frequentar o curso, no entanto, a morosidade do processo e a visão gênero que oficialmente predomina na estrutura do Programa acabou por ser mais forte e a discente desistiu da matrícula (DIÁRIO DE CAMPO, 2012).

Hoje o espaço da Coordenação do Proeja140 conta com a lotação de 23 professoras/es

e agrega o curso técnico Guia de Turismo. Esses educadores são responsáveis pelo atendimento a esse curso tanto nas disciplinas de conhecimentos gerais, como das áreas específicas de profissionalização. Essas/es docentes, imersas/os na tarefa político-pedagógica com esse grupo estudantil, estão em constante processo de reflexão e problematização de suas práticas pedagógicas e avaliativas para darem respostas às necessidades e às especificidades de cada turma do Proeja141,

experenciando o duplo movimento de ensinar e de aprender sustentado pelas concepções defendidas por Freire (1996).

Essa tarefa de repensar suas práxis político-pedagógica, a relação dialógica entre educadoras/es e as/os discentes, na perspectiva freireana e os deslocamentos

140 Ressaltamos outra vez que o Proeja oferta os cursos técnicos de Segurança de Trabalho e Metalurgia e o curso de qualificação cadista para a Construção Civil em parceria com as respectivas coordenações dos cursos e as/aos professoras/es do Proeja, nesses cursos atuam somente na área de conhecimentos gerais de acordo com sua formação. As áreas técnicas são atendidas por profissionais das respectivas coordenadorias de cursos técnicos.

141 Além de contar com professoras/es mestres e doutores, nove das/os docentes lotados no Proeja do

Campus Vitória participam da rede Obeduc, cinco delas/deles como bolsistas e tem como ações

empreendidos pelas/os educadoras/es do Proeja no Campus Vitória, foi alvo do olhar de Scopel (2017, p.29):

A partir das análises advindas dessas práticas, principalmente dos planejamentos coletivos, das reuniões pedagógicas intermediárias, bem como dos relatos que trazemos do diário de campo, foi possível inferir que alguns docentes passaram a exercitar, em uma relação dialógica, a reflexão sobre as suas práticas, de forma a assumir uma postura de preocupação com o saber que produzem na relação pedagógica com os discentes.

Nesse sentido, o fazer das/os educadoras/es do curso Guia de Turismo do Proeja, busca se afastar da concepção da educação bancária142, hegemônica nas escolas

brasileiras e ainda muito enraizada nas nossas formações enquanto docentes e exercita os princípios da educação libertadora, conforme as conceituações apresentadas na Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2010) e que o educador retoma em muitas outras obras.

Nessas reflexões, explicitamos sobre a formação do professor da EJA e do Proeja, e que já foi exaustivamente analisado, que do ponto de vista legal, a LDB n° 9.394/1996, o Parecer CEB nº. 11/2000 e o Documento Base do Proeja (2007) indicam a autonomia das/dos docentes na implementação de currículos que contemplem as múltiplas realidades culturais e socioeconômicas e os processos de aprender das/os estudantes trabalhadoras/es.

Corroborando o que traz Vitorette (2014) ao discutir as ambiguidades do Programa e sua relação com os IFs, especificamente, sobre as condições objetivas para a implantação do Proeja, também é válido retomar as articulações da políticas de formação continuada e de acompanhamento desta implantação que ofereciam as/aos profissionais envolvidas/os, bem como os subsídios teóricos e metodológicos necessários para atuação no Programa em parcerias com as universidades que no nosso contexto hoje se consubstancia no Campus Vitória e Ufes.